Uma Nova
Ciência
por Mário
Escobar Azambuja
2ª edição FEB - 1948
com posfácio do Autor
Tendo evitado sempre a evidência, e avesso, por feitio de temperamento
ou por determinação de vontade, ao tão frequente exibicionismo de nossa época
reduzi-me há muito, e propositadamente, ao silêncio. Mas outrora, movido às
vezes por um princípio de vaidade muito humana e pela perdoável satisfação
de aparecer em público, cheguei a apresentar-me, sob pseudônimos, como
escritor, na imprensa. Sempre, porém, acabei por arrepender-me e, vencendo este
incipiente desejo de notoriedade, voltava, afinal, ao mutismo em que há muito
me conservo.
Por quê? Pela descrença na pena dos escritores, inclusive na minha,
muito menos brilhante do que as outras. Escreve-se por escrever, para aparecer,
sem estudo, sem base, sem reflexão ou experiência. Em poucos anos, a maioria
dos publicistas muda de ideias tantas vezes, que uma análise dos seus trabalhos
mostrar-lhes-ia, já não digo a sua versatilidade, mas a inconsistência e leveza
com que suas inteligências manejam as mais sérias questões. E assistimos,
então, a um escritor formular os mais dogmáticos conceitos sobre economia,
política, ciências, sociologia, arte, filosofia, etc. - assuntos que interessam
à Humanidade, e que podem, portanto, alterar a atitude de um indivíduo e mesmo
de agrupamentos e coletividades maiores.
Escrever é doutrinar, predicar e influir, em maior ou menor grau, sobre
o comportamento e a felicidade dos seus semelhantes.
E foi por tal, por uma questão de
escrúpulo, que emudeci diante do cenário turbulento desta época. Só desejaria
dizer, aos que me lessem, o que fosse real, e o que lhes pudesse dar
possibilidades de maior tranquilidade ou ventura.
Seria uma boa maneira de ser útil aos outros. Mas como se apresenta
difícil esta tarefa! Quantas vezes escrevi, certo de ter alcançado a verdade!
E, no entretanto, estudos e observações posteriores demonstravam que eu errara
nas minhas afirmações. E me magoava o ter ensinado o erro, o raciocínio falso
ou a conclusão prematura! Aprontei mais de um livro. Alguns estiveram à beira
do prelo.
No último momento, porém, sempre recuei. Atormentava-me a
responsabilidade de lançar ideias pela tribuna livre da literatura. Meus
receios tinham razão. O tempo - e às vezes o tempo é representado por uma
simples semana, através do estudo consciencioso de algum assunto -
demonstrou-me que o meu trabalho continha proposições cuja veracidade se
distanciava, ainda e sempre, do desejado absolutismo.
E sinto-me hoje feliz por 'ter quase
sempre dominado este pouco de vaidade humana e guardado um silêncio que a
ninguém prejudicou.
Agora, publicando este opúsculo, o caso é diverso. Não me move o mínimo anseio de exibição, mas uma convicção que me obriga a vir a público. Se, noutros tempos, eu tivesse talvez sentido uma parcela de remorso pelo pouco que escrevi, às vezes afoitamente, como o faz a grande generalidade dos publicistas - neste momento, se eu silenciasse, maltrataria a minha consciência em face do que, errada ou acertadamente, considero um dever intelectual.
Só este é o motivo desta publicação.
Por que dedico este livreto aos médicos?
Em primeiro lugar porque sou formado em Medicina. Por minha iniciativa,
fundou-se o
Sindicato Médico
Brasileiro, no Rio de Janeiro. Nunca deixei de acompanhar, com interesse, o
desenvolvimento das atividades médicas assim como sempre me amargurei com o
crescente mercantilismo da profissão, que também já foi minha.
Em segundo, porque reconheço nos médicos um exagerado pendor pelos
dogmas materialistas, muito desculpável dadas as circunstâncias em que se
processam sua educação, sua cultura, suas observações e suas tarefas diárias.
Em terceiro, porque são um pouco orgulhosos de sua sabedoria; como
também o fui. Tudo isto é justificável pelo motivo acima referido, e porque sua
profissão é a mais bela e a que mais confina com os segredos da nossa
constituição e do nosso destino final. Mas o estudo e a observação dos fatos,
longe do afã profissional, demonstram as limitações dos nossos conhecimentos
gerais na interpretação da natureza e da essência da vida.
Por tais motivos lhes dedico estas páginas, com amizade e grande
espírito de coleguismo.
Ainda volto a falar de minha pessoa, simplesmente porque é preciso.
Minha índole e minha cultura levaram-me sempre ao mais absoluto materialismo.
Nunca fui arrastado por tendências místicas. Nunca consegui admitir nem a hipótese
de Deus, nem de alguma espécie de sobrevivência. Qualquer raciocínio que
concluísse pela possibilidade do sobrenatural, do invisível, do- imaginário,
afigurava-se me uma simples crendice das multidões e o maior dos despautérios.
Educado em colégios religiosos, nem aos doze anos pude crer no que me
predicavam. O estudo da Medicina reforçou e corporificou minhas ideias
materialistas e positivas sobre a Vida. Tudo o mais consistiria em sonho de
gente mística, muito menos arguta do que eu. A Vida? Um acaso! Forças cósmicas
em ebulição, uma monere (lembrança) que veio evolvendo e se aperfeiçoando, por si
mesma, até culminar num espírito e numa consciência! O resto - fantasias de
quem não se conforma com a fatalidade do aniquilamento!
Não hesito em afirmar que a vida, com esta filosofia, torna-se árida e
triste, principalmente quando nos agita uma ânsia de idealismo e desejamos
achar, nesta comédia, um sentido e uma finalidade. Mas, enfim, deve ser-se estoico
e bom! E o meu materialismo tornou-se tão sólido que o julgava indestrutível.
Mas como os anos trazem surpresas! ... Se me predissessem, naqueles
tempos, que, 15 ou 20 anos mais tarde, eu revogaria meu sistema filosófico e
minha maneira de pensar, eu não acreditaria, salvo alguma psicose ou desvio
cerebral. E, entretanto, agora, em plena maturidade, suponho que nunca tenha.
sido tão sensato, imparcial e isento de orgulhos, preconceitos e paixões. Nem
foi a dor, como tão frequentemente sucede, que alterou o curso de meus pensamentos.
A existência me tem decorrido relativamente risonha, e meu único sofrimento foi
sempre ver e sentir as injustiças do mundo e a dor de muitos outros, mais
desventurados do que eu.
E foi neste estado de espírito, plenamente conformado com a minha
filosofia invencível, e com um certo orgulho de me sentir mentalmente superior
à vulgaridade dos homens, por ter descoberto a explicação universal dos seres e
das coisas, que, um dia, por acaso, deparei, numa prateleira de livraria, um
livro: “Metapsíquica Humana”, de Richet, o sábio francês tão conhecido nos
estudos de Medicina.
Comprei a obra e a li, sofregamente.
Mas como?... Seria possível?... " Ou minhas ideias erravam ou
Richet era um parvo ingênuo! O leitor prefere naturalmente optar por Richet,
mas eu, que sou eu mesmo, hesitei. Preferiria, pois, ficar comigo e imaginar o
sábio francês uma criançola grande, se este autor não citasse outros cientistas
que, como ele, afirmavam a veracidade dos fenômenos chamados vulgarmente
espíritas.
Aqui começaram meus estudos. Que
literatura imensa, prodigiosa, irretorquível, pelo mundo inteiro! Como
compreender que pessoas cultas, sempre ávidas de ilustração, ignorassem este
escondido tesouro da sabedoria humana? Quantas sociedades e institutos de
pesquisas, tão sérios e austeros quanto nossas academias, a desabrocharem pela
Europa toda? E o resultado deste trabalho imenso, onde não há lucros e que
outros cobrem de ridículo, era sempre o mesmo: Os fenômenos espíritas são uma
realidade.
E me estudos prosseguiram... Obriguei-me a silenciar a minha
perplexidade e o meu espanto. Muitas vezes tentei conversar com pessoas cultas
a este respeito. A resposta era sempre:
- Ora! Você agora deu para isso?..
Emudeci. Pobre humanidade! Tão habituada a ouvir mentiras, farta de
tantas doutrinas, que já não pode crer em nada. Talvez tenha razão no seu
cepticismo.
Pois bem!
Ninguém tem obrigação de crer em minha pessoa, um humilde vivente, sem
títulos, sem pompas e sem glórias. Mas pela minha honradez; pelo meu bom senso,
e julgo que jamais desvarios ou inconsequências deslustrassem a monótona
estrada de minha vida; pelos meus estudos, realizados com a máxima
objetividade; e apesar, confesso, do resquício de um antigo orgulho íntimo em
não querer crer naquilo em que crê tanta gente simples e muito mais inculta do
que eu; pela minha vontade em só querer dizer a verdade, - eu declaro:
Os fatos espíritas são uma
realidade.
Há os que são arrastados pelos instintos, sem jamais desejar ou lobrigar
uma finalidade mais nobre; outros, educados sob um sistema de fé ou sob
definidos princípios éticos e morais, continuam a segui-los, sem entusiasmo,
passivamente, muitos, pelo raciocínio ou por necessidade subjetiva, amparam-se
numa fortaleza de fé, criam suas verdades e encontram, portanto, um conteúdo
finalístico na aventura da Vida; e alguns se convencem de que é inútil querer
decifrar as eternas incógnitas ou, então, supõem ter descoberto nas nossas
pobres e rudimentares ciências a explicação de todos os fatos e fenômenos
vitais.
Mas, como sempre se diz, a primeira das sabedorias é conhecer a nossa
ignorância. E só a conhecemos quando nos afastamos um pouco do tumulto de
ideias com que a vida cotidiana nos excita; quando, colocando-nos acima das
paixões e preconceitos, somos capazes de uma reflexão serena e paciente. A
nossa existência artificializou-se em excesso. Toda ela é inquieta, prática em
demasia, nervosa, utilitária. Desaprendemos a arte da meditação. Queremos o que
é real, evidente, imediato. E, sem mais nem menos, como quem toma uma resolução
para afastar a angústia das dúvidas, evitando que o pensamento se malbarate em
indagações especulativas quando o cotidianismo, com as suas exigências e
dificuldades, solicita todo o nosso esforço e agilidade mentais - adotamos a
explicação mais simples e mais rápida: o materialismo. Eis tudo interpretado!
Tratemos, agora, da nossa imprescindível subsistência e de satisfazer nossas
ambições!
E, contudo, esta atitude, a mais comum nos homens de ciência, é um engano
apressado. A meditação, o medirmo-nos diante do Universo, a consciência de
nossa ignorância, o reconhecimento de nossa pequenez, despem-nos de todas as
vaidades e derramam sobre os nossos sentimentos, sempre tão agitados, uma
emoção nova de serenidade e de resignação, e, através dela, talvez, um pouco
mais de lucidez mental.
Não estou condenando o materialismo médico como um promotor acusando um
réu. Há muitas justificativas para esse modo de ver e interpretar. Quando se
assiste, por exemplo, um doente desvairar, imbecilizar-se, enlouquecer, devido
a uma perturbação orgânica, a uma intoxicação, a uma lesão cerebral, como
acreditar num espírito autônomo, capaz de sobreviver ao aniquilamento material?
E, apesar disso, destas conclusões à primeira vista justas, parece que andamos
enganados.
Só podemos admitir uma interpretação nova da natureza e da vida se nos
lembrarmos sempre da relatividade dos nossos conhecimentos e dos nossos
sentidos.
Não há pessoa, culta ou ignorante,
que não se tenha perguntado, por exemplo, sobre a possibilidade da existência
de um Deus. O homem comum frequentemente aceita esta hipótese, ao menos em
certas horas da sua vida. O cientista é mais inclinado a negá-la, embora
grandes sábios não escondam a sua crença num Princípio Supremo. O leitor,
provavelmente, fará parte do grupo que não o admite, preferindo supor que Deus
é a própria energia da matéria, evolutindo (evoluindo) por si,
criando, prosperando, com incompreensível sabedoria. Como não sou religioso,
não lhe vou dizer que creia, e me faltariam argumentos para derrubar tão
arraigada convicção. Apenas desejaria, de começo, que o leitor - colocando-se
acima do seu sistema cultural e filosófico, sobrepondo-se à sua tradição mental
e ao absolutismo de sua descrença concordasse em que tudo é possível. Nada
sabemos. É tão razoável que Deus exista, como não! Admiti-lo significaria
talvez, para o leitor, uma demonstração de nossa estreiteza intelectual.
Incapazes de explicar o Universo, valemo-nos do sobrenatural. Assim se
interpretariam as Religiões. Basta considerar os povos antigos, acreditando em
deuses incríveis, como animais, sóis, monstros e figuras grotescas. Seria, pois,
justificável julgar que a Humanidade, à medida que progrida intelectualmente,
aperfeiçoe o seu Deus e chegue um dia a dispensá-lo. Mas essa crença pode
também resultar duma intuição verdadeira, duma sabedoria instintiva e profunda,
duma lógica perquirição dos sentidos de causa e de efeito.
Ninguém prova a sua existência ou não existência.
O verdadeiro homem de Ciência, conhecedor da nossa incapacidade mental
em interpretar o sentido e a significação da Vida, não pode negar a
possibilidade de um Deus, embora esta hipótese lhe seja desagradável diante da
positividade dos fatos a que se acostumou nos laboratórios e no realismo
cotidiano.
Se abordo este assunto, tão
transcendental, é justamente para mostrar a relatividade de nossas afirmações,
e podermos abrir o espírito para outras tarefas de indagação, porquanto o primeiro
requisito para quem deseja abordar a Metapsíquica é o reconhecimento de nossa
ignorância, da relatividade das nossas percepções e da extensão das
possibilidades.
Não se podendo afirmar ou negar a
Onisciência de um Ser, fica sempre a pergunta: quem criou a Vida?
A conjetura do materialista é que ela se criou por si-mesma, ou por
outras palavras, que tudo evolutiu da primitiva nebulosa. Não se pode mais
contestar esta verdade. Mas que força a impulsionou? Eis a questão! Ela, a
própria matéria, aos poucos, espontaneamente, adaptando-se e revelando, nas
suas edificações e realizações, uma inteligência muito maior que a nossa? O
problema consiste, portanto, em explicar o porquê e o como desta sábia e
maravilhosa evolução. Diga-se que os organismos se adaptaram ao meio,
paulatinamente! Não há grandes dúvidas a este respeito! Mas permanece sempre a
mesma pergunta: Como se processou esta contínua adaptação? Se, por várias
gerações, privarmos de luz animais de vida curta, e, portanto, facilmente
observáveis, o tanto quanto não lhes cause danos mortais, eles acabarão
perdendo os olhos. Inversamente, se habituarmos gerações de seres aquáticos acostumados às trevas, a uma claridade, cada vez mais intensa,
seus órgãos visuais, rudimentares, se aperfeiçoarão. Diante de tais fatos irretorquíveis,
os evolucionistas formularam a lei: a função faz o órgão. Os pássaros voam
porque têm asas e porque seus ossos são leves e ocos, ou têm os ossos
rarefeitos e as asas porque voam. A segunda hipótese é considerada como
verdadeira. De tanto saltarem para agarrar os alimentos, de tanto pularem para
fugir aos seus perseguidores, acabaram adquirindo asas depois de um training
de centenas de séculos. Eis uma história um tanto fantástica, tipo das Mil
e Uma Noites, mas enfim ... vá lá! Compreende-se que um músculo de tanto se
exercitar se engrosse e se aperfeiçoe; que uma retina continuamente excitada
desenvolva sua sensibilidade à luz; que uma laringe, de tanto esforço em criar
e diferenciar os sons, se converta num modelar aparelho falante; que um osso,
de tanto tentar curvar-se, se dobre em articulação. Desde que um órgão
preexista, quase se entende o seu desenvolvimento progressivo. Não
compreendemos, nem eu, nem o leitor, e nem ninguém, que a necessidade de uma
função crie um órgão especializado.
Vamos exemplificar:
Por que temos sobrancelhas? Naturalmente para evitar que o suor,
escorregando pela testa, caia sobre os olhos, empanando a visão. Nos tempos
primitivos, o homem era um bracejador e transpirava em abundância. Como se
criou a sobrancelha? Por coincidência? Pela ação do próprio suor? Impossível!
Neste caso a disposição dos pelos no corpo humano seria muito diversa do que é.
Há, no oceano, animais de cor viva
os quais, ao serem perseguidos; se escurecem subitamente, expelindo, ao mesmo
tempo, um jacto de líquido de sua cor natural em direção oposta da que fogem. O
perseguidor não distingue mais a posição de sua vítima porque esta se
transmudou numa mancha sombria. Vê, apenas, em rumo diferente, a cintilação
daquela cor que perseguia, e, então, enganado, dá uma reviravolta, nada atrás
daquela ilusão, enquanto a vítima se esquiva. Como explicar aqui que a função
faz o órgão? Por quais processos se realizou esta maravilhosa astúcia e se
criou um novo órgão capaz de expelir um líquido para iludir um perseguidor?
Como este, são dificilmente explicáveis todos os casos de mimetismo, tão comuns
na natureza.
Mas não é só no mundo animal! Há
plantas que precisam de muita luz para medrarem. Se alguma outra lhe nascesse
perto, e, pela sombra projetada, lhe vedasse o Sol, ela feneceria. Então - é o
caso de dizer! - a planta teve uma ideia: emitiu lateralmente uma larga folha
cobrindo o chão, a seu lado na direção do Sol. Desta forma, o solo vizinho, não
recebendo os raios solares, não se fertiliza. Nada crescerá junto à pequena
planta, que florescerá facilmente, recebendo cem por cento da preciosa luz.
A doutrina evolucionista, de que
tanto se gabaram os materialistas, constatou apenas um fato inegável, mas, em
absoluto, não o explicou. É verdade que ainda tentaram interpretá-lo, sob o
ponto de vista materialista, apelando para as variações ocasionais da natureza
e para o capricho das mutações. Mas este princípio é verdadeiramente infantil.
Quando os homens se apegam a um dogma, - seja ele místico, seja ele
materialista, - para conservá-lo inventam os maiores disparates. Estude alguém
o sistema de reprodução de uma orquídea, por exemplo, e venha depois falar em
caprichos ou acasos da natureza!
A teoria evolucionista não afastou, em hipótese alguma, a interpretação
espiritualista da vida, como não ajudou o mecanismo. Apenas constatou um fato.
Com ou sem evolução, pairamos todos, há séculos, espantados e surpresos,
crédulos, supersticiosos ou ateus, diante da Vida Incompreensível e do Infinito
Insondável.
A ideia que tem o cientista de uma nebulosa inicial, desenvolvendo-se,
aperfeiçoando-se, século por século, pode naturalmente ser real, mas, em
absoluto, não é um argumento em favor de suas teses materialistas, como também
não o é das doutrinas antagônicas.
Ignoramos não só a nossa origem e as
causas de nossa evolução, mas também a essência de nossa individualidade.
Vivendo e morrendo há milhares de anos, não sabemos se consistimos somente num
corpo, num corpo e numa alma, ou num corpo, numa alma e num espírito. Tudo são
meros palpites, dependendo mais do sentimento e da fé que da razão. E essa
seria a maior curiosidade do homem: conhecer até onde chega a sua
personalidade! Não o move nesta indagação o puro desejo de sabedoria mas
somente o seu egoísmo. Verificaria, com imenso prazer, a sua sobrevivência, o
seu minúsculo Eu, projetando-se pela eternidade, glorioso e invencível.
Como suponho que outros planetas sejam também habitados, imaginemos,
para argumentar sobre esta questão, que um cidadão, descido de outra esfera
muito mais adiantada que a nossa, se propusesse a nos esclarecer em alguma de
nossas inúmeras dúvidas.
O nosso primeiro desejo consistiria
em saber se há ou não sobrevivência: se a morte corporal significa o
aniquilamento de nossa individualidade, ou apenas uma passagem entre dois
ciclos.
Eis três possíveis respostas do nosso hipotético hóspede:
a) – “Os senhores, caros terráqueos, ainda admitem a sobrevivência?
Vossa inteligência estacionou na idade da pedra? Mas. . . não posso
compreender... como sobrevivência? Porquê? Não sentem que esta tola hipótese
representa apenas uma sublimação do vosso incrível egoísmo? Então umas míseras
insignificâncias, tão mesquinhas que se matam estupidamente umas às outras, têm
mais esta pretensão - a da imortalidade? Sois tão estultos (insensatos) que
vos julgais infinitos, eternos? A sobrevivência, já a possuís nos vossos
filhos! Sempre haverá um pouco de vós na vossa descendência, séculos afora! Não
vos perdereis de todo! Quereis mais?
“Os senhores não observam? Não veem como um cérebro doente transforma o
espírito? Onde paira, então, este princípio abstrato, autônomo, imortal? Já não
descobriram os hormônios? Dizei-me: qual o mais belo e puro dos sentimentos
humanos? Respondereis, sem dúvida: o maternal. Pois bem! Sei que os senhores já
fazem experiências interessantes: injetam extratos de glândulas de um animal
macho na respectiva fêmea. E que sucede? Ela não só adquire muitos dos
caracteres físicos masculinos, como o seu temperamento se transforma.
Viriliza-se. Perde a graciosidade, os langores feminis, e, por fim, até o
sublime amor materno, abandonando à sorte os pintainhos. Tudo, meus caros, é
uma questão de secreções, humores e equilíbrios internos, sob duas grandes
influências: a hereditariedade e o meio.
“E qual é o espírito imortal? o infantil, que é um puro instinto; o
adulto, forte e lúcido, ou o do ancião, confuso e, caduco?
“Não há diferenciação nítida
entre as pedras, os cristais, as plantas, os animais e o homem. A vida é uma
só, mais ou menos complexa. Julgais o pensamento uma função destacada e nobre
porque vos supondes os únicos racionais. É tudo uma questão de palavras. Há nos
outros seres uma forma de inteligência que nem vos posso explicar porque não
compreenderíeis.
“Sede sensatos, práticos. Nada de misticismos. Queiram ou não, procurem,
embora, consolar-se com teorias e conjeturas, a grande verdade é o silêncio
eterno. Ou precisais ainda de promessas e recompensas para serdes dignos e
cumprirdes os vossos deveres?”
b) – “Vossa ignorância não consiste em ignorardes o que existe para além
das estrelas e dos túmulos, mas em quererdes sabê-lo a todo o custo. Sois por
demais curiosos. Nunca o conhecereis. Chama-se o Incognoscível. Por mais que
conjetureis, ensaiando hipóteses e doutrinas, a questão de vossa sobrevivência
paira muito acima da minha e da vossa reduzida inteligência.
“A Natureza é engenhosa. Ela age do modo mais conveniente aos seus
interesses. O seu maior cuidado consiste apenas em que o homem nasça, cresça,
se conserve e se reproduza. O método mais ardiloso é dar-lhe a incerteza do seu
destino final.
“Imaginem-se os homens cem por cento
convencidos do seu aniquilamento total. Embora ajam na vida, sem grandes
finalidades, sempre existe ainda, velando e contendo a sua conduta, esse vago
temor e esperança no misterioso além. Se descressem inteiramente, a avidez e o
egoísmo se tornariam alucinantes. Soltariam, pela terra toda, os instintos mais
baixos e ferozes. Evitariam a descendência, e a palavra moral perderia o seu já
reduzidíssimo prestígio. A raça humana se entre destruiria. Isto não convém à
Natureza!
“Suponhamos, agora, a humanidade com a certeza absoluta de sua
sobrevivência, sabendo que a vida, cá em baixo, significaria apenas o primeiro
minuto de um século, lá em cima. Que importância ligaríeis à vossa efêmera
passagem por esse planeta?
Espiritualizar-vos-íeis em excesso. Pensando unicamente nas
magnificências do além, esqueceríeis o mesquinho eu corporal.
Converter-vos-íeis em abstratos ascetas, descuidados em demasia das coisas
terrenas. E tal atitude prejudicaria também o desenvolvimento da espécie.
“O que convém a essa misteriosa
natureza é justamente esta dúvida perpétua. Não seria prudente conhecerdes a
verdade, que tanto pode ser niilista (descrença) , decepcionante, ou
surpreendentemente agradável.
“Conservai-vos, pois, amigos terráqueos, na eterna ignorância.”
c) “- Sim senhores! Ainda duvidais!...
“Errastes o caminho. Edificastes
uma civilização tão vazia e despida de finalidades nobres; o comodismo e os
prazeres materiais tanto vos viciaram; desprezastes tanto a arte de meditar e a
emoção de sentir, que vos é, agora, difícil aceitar a existência de uma alma, muito
mais gloriosa que- essa carne. Sede verdadeiramente bons, aproximai-vos
da humildade, destruí o vosso injustificável orgulho, e sentireis, dentro
de vós, essa chama imortal.
“Por que não há de o homem sobreviver? Ó gente de pouca fé! Só porque
não vedes, por ocasião da morte, alguma coisa desprender-se do corpo?
“Quantos seres na Natureza não passam por diversos ciclos de vida? Vós,
os mais desenvolvidos, sereis assim tão simplificados em vossa evolução?
Conheceis apenas duas fases de vossa existência: a fetal, e a que viveis agora,
ao ar livre. O embrião, que fostes, não teve provavelmente consciência que, dum
momento para outro, despontaria noutro ambiente muito mais vasto, e que
continuaria assim sua progressão. Mas vós, que evoluístes, sabeis agora que já
fostes embrião. É razoável admitir que ao ciclo terrestre suceda outro, num plano
diferente do Universo, imperceptível aos vossos sentidos, da mesma forma que na
vida intrauterina ignoráveis a vossa eclosão noutro inesperado ambiente. A
Natureza é sapientíssima. A vossa ciência acredita, com razão, que nada é
inútil no organismo, e sabeis que o inconsciente, como um arquivo maravilhoso,
guarda todos os fatos e recordações. O menor fato, o acontecimento mais banal
se registra indelevelmente. Para quê? Por que este tesouro, que nunca usais, se
ele desaparecesse com a morte do cérebro?
“Olvidastes os principais ensinamentos das civilizações antigas. Só
conservastes o que vos poderia dar a satisfação material, o que vos ensoberba,
o que vos enriquece. A respeito de corpos, almas, espíritos e mistérios da
Natureza, a sabedoria dos povos primitivos era maior que a vossa. Desprezastes
toda essa ciência acumulada nos tempos idos, nas pedras, nos alfarrábios, na
magia, no ocultismo e nas lendas que nem sabeis interpretar! Aí estão ainda incompreendidos
os fenômenos do sonho, do sonambulismo, da catalepsia, da telepatia, da clarividência,
dos êxtases, das curas milagrosas, dos pressentimentos, das premonições!
“Ris de tudo isso, certos da enganosa superioridade sobre os vossos
antepassados. Julgais possuir explicação suficiente para todos os fenômenos da
vida! Mas a vossa ciência nada esclareceu ainda sobre a essência de vossos
sentimentos e de vossa inteligência.
"Cometestes, por exemplo, uma
ação má e voltastes para a casa soturno e contristado. Sentistes, agora, o
aguilhão do arrependimento. Uma angústia inexprimível. Onde? Em órgão nenhum,
ilocalizável. E depois de vos atormentardes, resolveis reparar o mal feito.
Saís para cumprir um dever de consciência, e, mais tarde, eis-vos de volta, mas
límpido e contente. Não há satisfação comparável a esta: uma indefinível emoção
de serenidade e bem-estar, como uma música interior. Tivestes vontade própria e
vos alastes para uma região superior àquela em que paira a maioria do gênero
humano. Sentistes a vossa alma. A Ciência que me explique toda a fisiologia
deste ato: esses pensamentos maus e ruins que se digladiaram, o arrependimento,
a satisfação do dever, a alegria e a tranquilidade do espírito. Que reúna todos
os córtices cerebrais, os reflexos nervosos, os seus hormônios, os humores,
plasmas e equilíbrios coloidais, os tabus e as libidos, os coeficientes de
acidez, as oxidações intracelulares, as osmoses e diálises, as vitaminas, os
genes, o inconsciente, todo o seu arsenal de descobertas, e tente esclarecer a
história biofísico-química desta atitude tão humana. Que confusão e atrapalhada
em vossa augusta sabedoria, caríssimos terráqueos!
“A sobrevivência é indiscutível e lógica porque o Espírito existe, embora
durante o vosso ciclo terrestre se confunda de tal forma com a matéria e vos
pareçam indissolúveis. Da mesma forma uma substância, como a água, que, há 200
anos, juraríamos ser um corpo simples, sabemo-la, hoje, composta de dois elementos
que, em condições particulares, se tornam autônomos e independentes.”
Eis três modos de falar. Se o leitor não é intolerante, concordará na
sensatez de qualquer deles.
Os espiritualistas, por sua vez, acreditaram antigamente no mais
absoluto livre-arbítrio. Cada um age como quer, responsabilizando-se plenamente
pelo seu procedimento. A tal ponto pensavam assim, que espancavam os loucos como
castigo aos seus desvarios. Concluíram, afinal, pelo contra senso deste
exagero, e, menos radicais, julgam hoje a atitude do homem em parte autônoma,
em parte subordinada às condições do seu organismo e às influências do meio.
A observação do comportamento dos indivíduos, as nossas próprias
experiências pessoais, através dos nossos atos bons e maus, parecem demonstrar
que, de fato, livre-arbítrio e determinismo se conjugam para a explicação das
nossas ações. Somos, ao mesmo tempo, livres e escravos. Sentimos, muitas vezes,
a nossa completa autonomia de decisão, mas, noutras ocasiões, confessamo-nos
incapazes de nos governarmos, de determos um impulso ou instinto. Estas duas
forças, livre-arbítrio e determinismo, parecem coexistir em todos os
indivíduos, mas em proporções muito variáveis de um para outro. A vontade de um
imbecil é quase nula, mas num ser superior, desses que dignificam a espécie,
ela é muito mais poderosa. À medida que o indivíduo se desenvolve e se torna
consciente de si mesmo, adquire maior autonomia de ação. Teoricamente, não
haveria limites ao poder da vontade. Desde que esta vontade atue, obrigamo-nos a
crer na existência do Espírito, e, portanto, na sua autonomia parcial. A
finalidade oculta de nossas vidas, através dos tempos, poderia consistir na
absoluta libertação do Espírito - por um desenvolvimento progressivo do nosso
verdadeiro eu.
Ou somos materialistas e só nos resta acreditar no determinismo
absoluto, ou espiritualistas, e podemos, então, presumir que haja, em nós, o
que a experiência parece comprovar: maior ou menor parcela desta misteriosa
vontade espiritual.
Ignoramos mesmo a extensão de nossa individualidade, e, se, de fato, a
periferia do corpo representará o seu limite externo. A sabedoria oriental,
muito mais profunda que a nossa nas questões especulativas ou que confinam com
o destino do homem diante do Universo, ensinava que um halo especial circunda todas
as pessoas. Hoje se estuda essa possibilidade, embora às ocultas da ciência
oficial, tão zelosa pelo seu conservantismo. Certos indivíduos, em estado de
inconsciência, e mesmo, às vezes, despertos, conseguem distinguir esse outro
contorno; envolvendo as criaturas humanas. Hoje já se está tentando, e com
algum êxito, fotografar, por intermédio de processos e placas especiais, esta
misteriosa auréola, assim como outras irradiações, emanadas das diversas
regiões do corpo e que constituem o importante capítulo da efluviografia, que,
diga-se de passagem, nada tem com o assustador espiritismo.
Além dos nossos sentidos serem de capacidade comprovadamente limitada,
devem-nos faltar outros que nos permitam apreciar todos os fenômenos do
Universo que nos cerca, e que, portanto, tornam as nossas dogmáticas afirmações
muito relativas em face da verdade.
Imagine o leitor um pescador atirando, em alto mar, a sua linha ou rede
a grande profundidade, e trazendo, de lá, um peixe raro e estranho. Agarra-o.
Mas quando vai colocá-lo no fundo do barco, ele lhe escapa das mãos e volta ao fundo
do oceano.
Concedamos, por analogia ao homem, consciência e raciocínio ao peixe, e imaginemos
o seu espanto. Pensará que sonhou. Sempre julgara o Universo como constituído de
águas, águas e mais águas. Os seres máximos existentes seriam eles: os peixes!
E eis que, de repente, foi transportado a um mundo fantástico. Presenciou, num
relance, coisas incríveis: uma extensão azulada lá em cima, um ambiente muito
mais leve que o seu, coisas sobrenaturais, como o barco, o homem, etc. Se este
peixe pudesse comunicar a seus companheiros o fato sucedido, que julgariam?
Considerariam no louco, vítima de alucinações. Se entre eles houvesse
cientistas, classificariam no como “um caso vulgar de sugestão, de delírio, etc.”.
Os limitados sentidos destes animais não lhes permitiriam outra concepção do
Universo senão a dos mares onde vivem.
Quando o incrédulo ouvir falar em Metapsíquica e outras coisas que lhe
parecem produtos da superstição ou da fraude, lembre-se da história dos peixes.
A existência doutro plano, doutro meio, é, pois completamente admissível, assim
como a presença de outras existências insuspeitadas, ou a continuidade de nossa
consciência, evolvendo em novas fases ou ciclos.
Estas
hipóteses, cuja realidade a Metapsíquica parece demonstrar, se relacionam com a
concepção de um outro conceito dimensional, conjectura já admitida matematicamente.
Sendo
assim, em determinadas condições subjetivas, como, por exemplo, em estados especiais,
quando a nossa personalidade sofre um desdobramento de suas faculdades, talvez
possamos presenciar fenômenos estranhos à nossa vida normal e que seriam
naturais num universo imenso, do qual apenas conhecemos, sensorialmente, uma
pequena parcela.
Os nossos pensamentos, desde que se voltem para a especulação, enchem-se
de ignorância e de dúvidas. “Só sabemos da vida e do Universo o que nos
permitem os nossos fracos sentidos ou os instrumentos que os aperfeiçoam... A
ideia de Deus tanto pode ser absurda como lógica; desconhecemos donde proveio a
vida; não compreendemos como o nosso organismo conseguiu adaptar-se às
condições terrenas, através dos séculos; o pensamento, o nosso orgulho maior, é
indecifrável em sua essência; hesitamos na interpretação da morte: o
aniquilamento de nossa personalidade, ou, quiçá, a sobrevivência, como o
rompimento dum casulo para um estágio superior de consciência; nada nos
esclarece se o que existe evolve por acaso, ou, se há, em tudo, uma finalidade
oculta.
Nem mesmo sabemos se temos culpa dos nossos erros ou se representamos
apenas a função de viver, indiferente aos conceitos do bem e do mal. Eis a
sabedoria: a “ignorância” mostrando como são grandes a vaidade e a pretensão
humanas.
Imaginemos, ainda, uma lagarta na sua rastejante existência. Suponho que
os olhos deste animal, adaptados apenas à sua vida elementar; não tenham
capacidade de distinguir, mais acima, no espaço, voando, as borboletas.
Houvesse entendimento nelas, não poderiam conceber que, mais tarde, se
transformariam num ser alado e diverso. É de admitir, entretanto, que a
borboleta, emigrada do chão, e que pode perceber da altura as lagartas com suas
vidas e seus casulos, se tivesse consciência, saberia que ela fora, outrora, no
limitado universo dos troncos e dos galhos, um pouco mais do que um verme.
E agora, leitor, componho uma pequena fantasia para melhor me
compreenderes:
Supomos as formigas seres sem inteligência, e costumamos dizer que sua
prodigiosa organização é consequência da engenhosidade dos seus instintos.
Assim as definimos. Parece, entretanto, que elas também se comunicam umas com
as outras. Por intermédio do quê? Não será naturalmente por uma linguagem
articulada e consciente como a nossa.
Talvez emitam e recebam irradiações especiais, que significariam uma
forma de expressão e um meio de coordenarem suas atitudes dentro do espírito de
coletividade que as anima. Imaginemo-las, por momento, dotadas da arte da palavra,
como nós, já que não podemos conceber como conseguem transmitir suas sensações.
Consideremos, ainda, que as formigas não devem ter conhecimento da presença do homem.
Os seus órgãos-visuais são de limitada capacidade, rasteiros, feitos para
alcançar pequenas extensões e não podem abarcar a dimensão do homem, em sua
gigantesca altura. Mas mesmo que estes insetos nos distingam, ou, pelo menos,
parte do nosso corpo, praticamente não existimos para eles. A quantidade de
formigas, pelo mundo todo, é tão fantástica, nas selvas e nos campos
despovoados, que aquelas que entram em contato com o homem constituirão
desprezível fração.
Dito isto - uma formiga vai rastejando pela areia dum caminho, levando
às costas, com dificuldade, um pedaço de folha. Chega o leitor, e, por
curiosidade e por um pouco de maldade, arma os dedos, e dá um peteleco no humilde
inseto, projetando-o a um metro de distância. Em relação às dimensões de nosso corpo,
equivaleria a sermos arremessados a duzentos metros. Machucar-nos-íamos todos.
Ela, porém, não tendo ossos, é mais resistente. Apruma-se de novo, e, alucinada
pelo estranho acontecimento, volta mancando e apressada para o formigueiro. Todos
notam logo o seu assombro através dos espavoridos olhos. Que aconteceu? Que
houve? Porque se feriu? A vítima nem pode falar, tal a sua agitação. Só depois
de convenientemente tranquilizada, consegue coordenar as ideias e contar às
outras, aglomeradas em torno:
- Eu voltava para a casa com meu fardo às costas, quando, de repente,
sou inexplicavelmente arrojada a distância, pelo espaço, numa rapidez
extraordinária. Nada vi. Tenho apenas a impressão de que uma coisa estranha,
uma sombra veloz foi a causa que me atirou tão longe. Foi incrível,
extraordinário! Quando me refiz do choque, olhei para os lados, examinei tudo
ao derredor, trêmula, espantada ... e nada mais vi! Amedrontei-me toda, e aqui
estou aturdida, certa do que aconteceu, mas incapaz de explicar o fenômeno.
Começaram, então, os comentários dos ouvintes:
Fraqueza dos nervos! Excesso de trabalho!
Foi castigo de Deus! Alguma coisa fizeste! ...
- Foram Espíritos de outro mundo! Muita gente tem presenciado estas
coisas!
- Qual, conversam duas em segredo - é mentira! Ela é muito vaidosa,
gosta de exibição e quer chamar a atenção sobre sua pessoa. Como se eu não a
conhecesse! Ela caiu de algum galho e está inventando esta historiada toda!
O fato, todavia, espalhou-se pelo formigueiro e constituiu o assunto do
dia.
Uma formiga-mestra, membro do Instituto de Ciências, que, conhecendo a
vítima, sabia de sua idoneidade, resolveu levar o caso ao conhecimento dos seus
pares. Levantou-se em sessão e narrou o fato, chamando a atenção dos ilustres
presentes para o estranho acontecimento.
Houve um silêncio, depois do qual o mais conceituado dos Professores,
cheio de títulos e condecorações, sócio honorário de todas as agremiações
científicas, levantou-se para falar, empertigado e s Iene:
- Acabo de ouvir com verdadeiro acato a brilhante comunicação do meu
eminente colega. Não ponho em dúvida as suas declarações, apesar da ausência
das provas testemunhais. Lembremo-nos, porém, de que no templo da Ciência
devemos agir com cautela e prudência. Para parecer que não esteja desmentindo o
meu amigo, suponhamos que a vítima, que aliás pessoalmente desconheço, não
tenha tido a intenção de falsificar e inventar. Ela está convencida de que foi,
inopinadamente, arremessada a distância. Este fato, meus caros compares,
comprova mais uma vez a teoria recente das alucinações.
Se examinarmos a referida pessoa, encontraremos, com toda a certeza, os
sinais reveladores de um temperamento extraordinariamente nervoso,
sugestionável e, provavelmente, apresentando todos os característicos do
chamado histerismo. A paciente sofreu um ataque, caiu ao chão, contundiu-se,
esqueceu-se do lugar onde estava, e, durante o estado de desmaio, o seu inconsciente,
em delírio, forjou a história fantástica que conta. O caso apresentado é
interessante pela forma que assumiu, mas sabemos hoje, graças aos últimos
estudos, de como o inconsciente desarticulado é capaz de criar imagens, situações,
enredos. cada. qual mais surpreendente e absurdo.
E o assunto foi, neste dia, encerrado.
Na sessão seguinte, porém, outro dos muitos professores falou. O caso
não era assim tão facilmente explicável. Tivera o cuidado de visitar o local do
acontecimento. Observou que a areia, onde a vítima dissera ter caído,
apresentava sinais desta queda, e que o fardo, que ela na ocasião carregava,
estava no chão, no sítio de onde fora arremessada. Além disto, citou outros
indícios que pareciam comprovar a veracidade do fato.
Estabeleceu-se no ambiente certa balbúrdia. Todos falavam, irritavam-se
ou riam. O presidente fez soar a campainha várias vezes e, depois de
restabelecido o solene silêncio acadêmico, outra formiga pediu a palavra:
- Embora pressinta a má vontade desta muito douta assembleia, o amor à verdade
e ao estudo obriga-me a declarar que julgo possível tal fenômeno embora nos
seja ainda incompreensível. Precisamos investigar este e centenas de outros
casos estranhos, que o povo relata e nos quais ainda não acreditamos. Em outros
formigueiros têm sucedido coisas verdadeiramente sensacionais. Conta-se que
houve um, muito distante daqui que foi subitamente invadido por estranhas
fumaças. Há um sem número de acontecimentos de tal jaez, e que a nossa ciência,
por não poder explicar, despreza.
Eu mesmo fui vítima de um, há algum tempo: passeava calmamente,
repousando de minhas tarefas, quando a meu lado passou uma sombra preta (era a
botina de um homem), em tal velocidade o ar deslocado fez vacilar-me sobre os
membros inferiores e me resfriou (Grandes risadas nos ouvintes acadêmicos). Não
foi sonho, nem alucinação. Julgo não ser histérico. Os meus olhos viram!
Lembro aos presentes que nada conhecemos do Universo. Porque seremos nós
e estes outros seres, que rastejam, os únicos existentes? Não será possível que
haja outras formas de vida, mais altas e mais organizadas, noutros ambientes?
Nossas concepções são demasiadamente estreitas. O Universo será só o que vemos?
Contam as lendas que, para além do nosso plano terrestre, se estende um plano
de matéria fluida e mais inconsistente (água), que formigas de outras
civilizações conseguiram descobrir. Seria, pois, aquilo que nossos ocultistas
denominam outros planos, regiões fantásticas habitadas por outras formas vivas.
Chamamos lendas a estas tradições, mas sempre há um fundo de verdade no que
consideramos o delírio poético das multidões. O Universo, dizemos, é infinito.
Mas o infinito será sempre este capim e esta terra, sobre a qual vivemos?
Porque não se desdobrarão, pelas expansões afora, outros planos no espaço e no
tempo? E será que nossa humilde ciência imagina que já conhece todos os
segredos, todas as forças, todas as realidades universais? Não, meus colegas, o
que sabemos será, talvez, uma insignificante partícula da verdade suprema. Pesquisemos
sempre e cada vez mais. Não rejeitemos o que, à primeira vista, nos é
inexplicável. O fenômeno, trazido à nossa sessão, é perfeitamente admissível.
Os nossos antepassados o afirmam e o povo o diz. Voz do povo, voz de Deus.
Quando uma coisa nos é indecifrável, atiramos a culpa para o tal de
inconsciente. Este inconsciente, afinal, é tão prodigioso que acabará maior que
o Criador. Rejeitar o que não se explica, não é ciência. Ciência é, em
primeiro, constatar os fatos.
Diante do caso em discussão, diante de alguns acontecimentos narrados
por pessoas da mais alta idoneidade, e de muitos, centenas ou milhares que
foram, em outras coletividades, noutros formigueiros, formalmente averiguados, proponho
que se nomeie uma comissão para investigá-los cientificamente.
E voltou a confusão na sala. Todos gesticulavam, discutiam, riam e até
se descompunham. Falou, afinal, o máximo dos mestres, o pontífice da ciência:
- Todos ouvimos, com atenção, a comunicação do colega X. Não julgo
motivo para que, em torno do assunto, se levante uma ameaça de celeuma. Eu,
pessoalmente, não posso concordar, em absoluto, com suas conclusões. O fenômeno
narrado é, evidentemente, um caso comum de alucinação, já que não temos o
direito de considerar fraudulenta a pessoa que o contou. Houve uma paralisação
momentânea dos centros superiores e, por falta de irrigação sanguínea, as
ideias se descoordenaram. A causa devemos procurá-la talvez em perturbações
digestivas, talvez na fragilidade de uma constituição neuropática. Creio que se
se devesse nomear uma comissão de investigação, seria para proceder a um exame
orgânico e psíquico da paciente. Não podemos, sob a pena de resvalarmos para o
terreno da mitologia e do misticismo, tomar em consideração lendas, antigas
tradições e descrições pessoais de fatos que nunca foram suficientemente
comprovados.
A história fantástica de formigueiros invadidos por fumaças
sobrenaturais, de sombras que se agitam entre nós, é o sinal de nossa pouca ciência:
ainda permanece, entre nós, o espectro da credulidade, da superstição e do
fetichismo das formigas primitivas! Quanto à possível existência de oceanos,
muito distantes daqui, povoados por seres estranhos; ninguém os viu, mas
naturalmente somos livres de imaginar quantos planos desejarmos!
Eu fico com a verdade científica, com a eficiência dos meus sentidos,
com a positividade da vida, coma razão dos meus julgamentos. Deixemos as
fantasias para as multidões incultas e supersticiosas.
Esqueçamos, portanto, a história da formiga arrojada a distância por uma força sobrenatural, fato condenável e ilógico ao bom senso dos homens de ciência.
Quanto ao projeto de nomearmos uma comissão investigadora, voto contra,
de espírito e de coração. Tenho dito.
As palmas prolongaram suas últimas palavras, e, posto em discussão, o
projeto foi vencido por quase unanimidade.
Eis, caro leitor, uma fantasia, a respeito da metapsíquica.
Tais as formigas, tais os homens!..
Antes de se iniciar o estudo da metapsíquica é, pois, indispensável que
nos convençamos da relatividade e da limitação dos nossos conhecimentos.
Todos o sabem, talvez, em teoria! Mas a existência hodierna, com sua
precipitação e seu tumulto se nos dá ao espírito uma espécie de vivacidade
indispensável aos triunfos materiais, em compensação, nos rouba as possibilidades
de reflexão e de serenidade mental para a análise das coisas e dos fatos. E, no
redemoinho das horas agitadas, que constituem afinal a nossa existência de
civilizados, nunca temos presentes, no espírito, a nossa pequena incapacidade
dos nossos sentidos, o receio sistemático de nos opormos aos preconceitos, o relativismo
do que nos cerca e do que aprendemos em função de nossas profissões.
É o estudo do supranormal, dos fenômenos chamados espíritas,
assombrosamente desconcertantes, maravilhosamente espantosos, tão fora do a que
costumamos chamar normalidade, que é perfeitamente desculpável que um leigo no
assunto não os possa admitir.
Imagine-se que eu chegue a um colega, médico, austero, cheio de cultura,
capaz mesmo de ensinar aos outros o muito que aprendeu em sua profissão, e
comece a dizer-lhe que tudo é verdade; que mesas e panos passeiam pelo ar; que
formas vivas.se revelam em sessões de religião espírita ou de pesquisas metapsíquicas;
que os batimentos cardíacos destas pessoas aparecidas têm sido ouvidos e
registrados; que ignorantes se põem a falar em diversos idiomas que lhes são
desconhecidos, e que contam o que se passa a distância; que entidades
invisíveis se acercam e narram o que há noutro plano de vida como alguém que
descrevesse uma região donde veio! Quando eu chegar neste ponto, o meu amigo me
envolverá num dúlcido olhar de misericórdia e pena. Pobre de mim! E chegará para
outros colegas, dizendo:
- Você se lembra de fulano? Coitado! Parecia que ia dar em alguma coisa
na vida! Vá conversar agora com ele, e verá!
Tudo isto sucederá infalivelmente. Já passei por estas fases todas e já
julguei os outros como me hão de julgar. Paciência!
Pois bem! Tudo aquilo é uma verdade. Eu sei que é incrível, prodigioso,
fantástico, desconcertante, inesperado, que fere o orgulho de nossa cultura,
mas, enfim, é verdade.
Retrucar-se-á que é verdade só para mim. Contesto. Estou muito bem
acompanhado. Embora a meu lado se enfileire muita gente simples, ingênua, quase
sempre boa, inculta, crédula, às vezes em demasia; apesar de afirmarem o mesmo
que eu, muitos charlatães que se aproveitam dos fatos para explorar a
credulidade e os bolsos alheios e desmoralizar a verdade, assim como em
qualquer agrupamento ou profissão, inclusive entre os médicos, há também os falsários, existem também dezenas de sábios, muito mais
cultos, perspicazes e inteligentes que o leitor e que eu, que repetem estas
afirmações. E, além desta plêiade de notabilidades, de fama mundial em diversos
setores da ciência, há milhares de homens cultos e idôneos que, sem terem o
cognome de sábios, são bastante esclarecidos e honestos para que eu me honre em
sua companhia.
E os que combatem estes fatos todos? A rigor, ninguém. Ignoro algum
verdadeiro cientista, que, depois de ter estudado e pesquisado toda essa
estranha fenomenologia, com critério e minuciosidade, os negasse. De muitos sei
que se dedicaram a este estudo para evidenciar o engano dos que afirmavam o
inverossímil, mas que terminaram como maiorais deste novo ramo do conhecimento
humano.
Esta série de fenômenos, vulgarmente chamados espíritas, foram
conhecidos em todos os tempos, sob as mais diversas rubricas. Se leres bem a
História antiga, no seu conteúdo cultural, concluirás que tudo isso era do
inteiro conhecimento dos magos, dos sacerdotes, dos lamas, enfim dos povos de
outrora, em maior ou menor grau. Tudo o que se passa, hoje, nas sessões de
espiritismo, ocorria já naqueles tempos. A Magia, que encheu a Idade-Média,
encerrava, sem dúvida, muito de charlatanismo e crendice, mas também imenso
tesouro de verdades que, depois, foram esquecidas.
O verdadeiro espiritismo, tal como o consideramos hoje, sob um ponto de vista
científico, surgiu, com mais impetuosidade, quando as irmãs Fox, nos Estados Unidos,
há um século, começaram a produzir estes extraordinários fenômenos. Tornaram-se
célebres e, naturalmente, atraíram a atenção do público. E, como uma epidemia,
os fatos se alastraram. Em casas de família, em salas luxuosas ou em varandas
humildes, intensificou-se a “tal” conversa com os Espíritos através das mesas
que falavam por pancadas misteriosas. A novidade passou para a Inglaterra, e
com tal intensidade que chamou a atenção de homens bastante cultos. Muitos
deles verificaram a autenticidade dos fatos, e, surpresos e curiosos, induziram
o maior sábio inglês daquela época. William Crookes, para pronunciar o seu
veredicto. E o sábio estudou o assunto durante anos, com todo o rigor
científico e probidade, concluindo, afinal, pela realidade dos fenômenos. Como
este meu trabalho é apenas um opúsculo e meu desejo consiste somente em despertar
a curiosidade, não me preocuparei com estas primeiras pesquisas neste terreno fantasmagórico.
Poderão adquirir o livro que aquele sábio escreveu (*).
A maioria dos que encabeçaram estes estudos foram cidadãos sábios,
sensatos, leais, possuidores daquele espírito de modéstia, de renúncia, tão raro
no raclamismo da época e que ao seu “eu” sobrepõem o zelo pela verdade e pelo progresso
humano. Inúmeras sociedades científicas se organizaram, dirigidas por vultos eminentes,
e nunca houve, até hoje, em conjunto, um resultado negativo. Nenhuma destas sociedades
se dissolveu por ter comprovado qualquer falsidade da nova ciência. Ao
contrário: continuaram crescendo e se multiplicando, e me consta, neste
momento, que, em nosso país, já duas se organizaram. Note-se que não são
associações religiosas; como as centenas de sociedades espíritas existentes,
mas agrupamentos essencialmente científicos, dispostos a procurar a verdade,
longe dos preconceitos oficiais.
Julgo que uma das primeiras tarefas que os Metapsiquistas devem executar
é a confecção de uma relação de todos os homens eminentes que estudaram e
comprovaram os fenômenos em questão. Ao lado de cada um deles deveriam figurar
os seus títulos e trabalhos científicos. Seria uma forma de atrair estudiosos e
comover os incrédulos.
A série acima citada não representa nem a décima parte da que seria a
real, se eu tivesse um arquivo destes estudos.
***
Que disseram todos estes pesquisadores, grande número dos quais
prestaram em outros ramos de ciência tão valiosos serviços à Humanidade?
Que os fenômenos são todos reais e positivos por mais fantásticos e disparatados que pareçam à primeira vista: levitação de objetos, inclusive de móveis pesadíssimos; transposição de coisas através de paredes e de enormes distâncias, instantaneamente: desmaterialização dos médiuns e emissão do “ectoplasma”, substância esta já pesada e analisada quimicamente; formação pelo ectoplasma emitido de formas materiais, ou de pessoas vivas. que falam e se movem; os mais variados fenômenos químicos e luminosos; sensibilização de placas fotográficas sob todo o possível controle; pesquisas valendo-se de moldes de cera, de tal forma realizados que afastam toda a possibilidade de fraudes; instrumentos de música que tocam sozinhos (aqui convém fazer uma pausa a fim de rires à vontade...). Além destes, há a enorme variedade de fenômenos sem evidenciação material, digamos “subjetivos”, a incorporação, isto é, estado de transe do médium, através do qual dizem que se manifestam os Espíritos dos mortos. São fatos menos comprováveis que os “objetivos” porque mais facilmente se podem prestar para invocarmos a fraude consciente ou inconsciente. Mas, ao lado dos casos mais simples, passíveis de outra interpretação, apresenta-se uma infinidade de outros, onde o médium dá informações ignoradas dele e de todos os presentes, só conhecidas, na vida, pelo Espírito do morto, e que são depois verificadas como certas; onde o médium, pessoa frequentemente inculta, discorre com tal facilidade e ilustração que a explicação de “fala do inconsciente” não satisfaz em absoluto; onde o médium fala em idioma que nunca aprendeu ou ouviu; onde a escrita automática se realiza em estado de completa inconsciência, e na qual o médium revela conhecimentos que não pode absolutamente ter; onde a previsão do futuro (premonição) e a descrição de fatos, que se passaram ou se passam a distância, são, depois, verificados em sua exatidão. E assim por diante!
Note-se que não peço aos que quiserem estudar a fundo estas questões que
as interpretem como produtos de “espíritos de outro mundo”. Seria
demasiadamente forte, no início! É necessário, em primeiro lugar, que se
constate a realidade dos fatos. Depois forje cada um a sua hipótese explicativa.
O primeiro passo a dar é examiná-los cientificamente, com todos os rigores e
com toda a técnica experimental, tão fácil para os médicos habituados a
instrumentos e laboratórios. Deixe-se, assim, a interpretação para mais tarde.
Desta maneira agiram todos os pesquisadores escrupulosos. Após
verificarem a verdade, eles se dividiram em suas opiniões. Como? Alguns
concluíram pela verdade da doutrina espírita, e de tal modo se convenceram que
se tornaram crentes.
Outros, talvez a maioria; não quiseram afirmar categoricamente a hipótese espírita, mas deixam entrever que ainda é a melhor explicação, embora se constranjam a adotá-la definitivamente.
Muitos continuam afirmando que a nossa ciência acabará por desvendar
toda essa fenomenologia sem precisar recorrer a entidades sobrenaturais ou aos
espíritos dos “desencarnados”.
E, destes todos, que, nos países mais adiantados, estudaram
conscienciosamente os fatos metapsíquicos, sem pressa, sem preconceitos, quantos
negaram a realidade?
Ao que me conste, nenhum!
O leitor, a esta altura, dirá que estou exagerando, talvez
inconscientemente e de boa fé.
Só me cabe responder:
- Estude como estudei, e verá!
E ele há de acrescentar:
- Mas então eu, culto e formado, posso acreditar nestas baboseiras de
móveis andando pelo ar, de ignorantes falando em múltiplos idiomas, de
analfabetos escrevendo primorosos versos, de visões a distância, etc.?! Pois é!
É incrível, mas existe! Dou-lhe talvez razão no seu ceticismo inicial. É tão
real, porém, quanto a nossa existência; tão-real quanto a evolução de Darwin
suscitando debates, tão real quanto as descobertas de Galileu que os homens cultos
condenaram, tão real quanto os micróbios de Pasteur que os acadêmicos ridicularizaram,
tão real quanto o hipnotismo de que riram os doutores!
O que nos afugenta, de início, deste estudo, são, às vezes, as simples
palavras, termos populares pelos quais os fatos são designados. São assim:
espiritismo, fantasmas, incorporação, desencarnados, passe, transe, etc. Será que
estas denominações espantam os incrédulos, acostumados, como por exemplo os
médicos, a usar para todos os fatos de ciência nomes complicados, fora do
vulgar, inacessíveis ao público? Mas isto é uma simples questão de palavras. Se
é isso que os assusta, a Metapsíquica já deu nome à tudo: vocábulos, aliás, bem
sonantes - criptestesia, endometaplasia, escotografia, metacromática,
metacinesia, metafonia, metafotismo, metaglossia, metagnomia, metagrafia,
metaplasía, metaraísmo, prosemia, telecinesia, xenoglossia, etc.
Além disso, a qualidade dos fenômenos nos torna incrédulos. Que se diga
que nestas sessões se adivinha o pensamento um do outro (telepatia), que se
pode ver à distância... enfim ainda vá lá!. .. Mas que um piano se levante a
dois metros de altura sozinho, que o Espírito de um morto comece a pilheriar
com os assistentes, que um carregador comece a falar latim e grego... isto é
piada, e da boa! Agora, um doutor, com diploma, com aquele ar reservado, semipontifical,
há de crer nisso tudo? Que dirão os colegas quando souberem deste fato? E se os
fenômenos não se realizam, que complexo de inferioridade não se cria dentro de
quem foi espiá-los!?
Pois bem, colega! É preciso saber nadar contra a correnteza. É duro, é
difícil, mas é necessário a quem ama procurar a verdade.
Desde que - como já disse - admites a nossa grande ignorância em relação
ao Universo e às forças que nos movem, a capacidade restrita dos nossos
sentidos, - já demonstras uma intuição altamente científica, ou, ao menos, um
começo de sabedoria. Se pensas assim, concluirás que a sobrevivência não é
impossível.
A educação e a tradição nos inculcaram, a nós, ocidentais, que, se
quisermos admitir a sobrevivência, devemos imaginar o espírito liberto da
matéria, como uma coisa pura, imaterial, muito lá por cima, longe da terra, sem
o menor contato com as poeiras daqui. Mas, por que essa superioridade,
post-mortal?
Se há sobrevivência - o que parece estar demonstrando a fenomenologia
espírita – ela não há de ser como nos acostumamos a imaginá-la. Em primeiro
lugar, essa história de ir para longe, para o alto, é uma concepção simbolista.
A sobrevivência pode dar-se num outro plano dimensional, intercalado ao nosso.
Não é mais racional admitir-se que uma outra vida, se possível, seja apenas um
outro ciclo, uma continuação noutro espaço-tempo, da mesma forma que a
crisálida, saindo da lagarta, continua sua evolução noutro ambiente, provavelmente
desconhecido da primeira?
A continuação da existência noutro plano não seria, portanto, totalmente
imaterial, porque essa concepção de “imaterialismo” representaria o vácuo, ou
melhor, ainda mais: o nada. Consistiria, sim, numa outra forma de vibração
material, mais tênue, mais sutil, imperceptível aos nossos sentidos, da mesma
forma que outras vibrações, que hoje sabemos existirem graças a aparelhos, são
também ignoradas pelos nossos órgãos de percepção.
Este é o razoável conceito de sobrevivência.
O que nos torna céticos de ensinar aos outros o muito que aprendeu em sua profissão, e comece a dizer-lhe que tudo é verdade; que mesas e panos passeiam pelo ar, que forças vivas se revelam em sessões de religião espírita ou de pesquisas metapsíquicas; que os batimentos cardíacos destas pessoas aparecidas têm sido ouvidos e registrados; que ignorantes se põem a falar em diversos idiomas que lhes são desconhecidas e que contam o que se passa a distância; que entidades invisíveis se acercam e narram que há noutro plano de vida como alguém que descrevesse uma região donde veio! Quando eu chegar neste ponto, o meu amigo me envolverá num dúlcido olhar de misericórdia e pena. Pobre de mim! E chegará para outros colegas, dizendo:
- Você se lembra de fulano? Coitado!
Parecia que ia dar alguma coisa na vida! Vá conversar agora com ele, e
verá!
Tudo isto sucederá infalivelmente. Já passei por estas fases todas e já
julguei os outros como me hão de julgar. Paciência!
Pois bem! Tudo aquilo é uma verdade. Eu sei que é incrível, prodigioso, fantástico,
desconcertante, inesperado, que fere o orgulho de nossa cultura, mas, enfim, é
verdade.
Retificar-se-á que é verdade só para mim.
Contesto. Estou muito bem acompanhado. Embora a meu lado se enfileire
muita gente simples, ingênua, quase sempre boa, inculta, crédula às vezes em
demasia; apesar de afirmarem o mesmo que eu muitos charlatães que se aproveitam
dos fatos para explorar a credulidade e os bolsos alheios e desmoralizar a
verdade, assim como em qualquer agrupamento ou profissão, inclusive entre os
médicos, há também os falsários, existem também dezenas de sábios, muito mais
cultos, perspicazes e inteligentes que o leitor e que eu, que repetem estas
afirmações. E além desta plêiade de notabilidades, de fama mundial em diversos
setores da ciência, há milhares de homens cultos e idôneos que, sem terem o
cognome de sábios, são bastante esclarecidos e honestos para que eu me honre em
sua companhia...
E os que combatem estes fatos todos? A rigor, ninguém. Ignoro algum
verdadeiro cientista, que, depois de ter estudado e pesquisado toda essa,
estranha fenomenologia, com critério e minuciosidade, os negasse. De muitos sei
que se dedicaram a este estudo para evidenciar o engano dos que afirmavam o
inverossímil, mas que terminaram como maiorais deste novo ramo do conhecimento
humano.
Esta série de fenômenos, vulgarmente chamados espíritas, foram
conhecidos em todos os tempos, sob as mais diversas rubricas. Se leres bem a
História antiga, no seu conteúdo cultural, concluirás que tudo isso era do
inteiro conhecimento dos magos, dos sacerdotes, dos lamas, enfim dos povos de
outrora, em maior ou menor grau. Tudo o que se passa, hoje, nas sessões de
espiritismo, ocorria já naqueles tempos. A Magia, que encheu a Idade Média,
encerrava, sem dúvida, muito de charlatanismo e crendice, mas também imenso
tesouro de verdades que, depois, foram esquecidas.
O verdadeiro espiritismo, tal como o consideramos hoje, sob um ponto de
vista científico, surgiu, com mais impetuosidade, quando as irmãs Fox, nos
Estados Unidos, há um século, começaram a produzir estes extraordinários
fenômenos. Tornaram-se célebres e, naturalmente, atraíram a atenção do público.
E, como uma epidemia, os fatos se alastraram. Em casas de família, em salas
luxuosas ou em varandas humildes, intensificou-se a “tal” conversa com os
Espíritos através das mesas que falavam por pancadas misteriosas. A novidade passou
para a Inglaterra, e com tal intensidade que chamou a atenção de homens
bastante cultos. Muitos deles verificaram a autenticidade dos fatos, e,
surpresos e curiosos, induziram o maior sábio inglês daquela época, William
Crookes, para pronunciar o seu veredito. E o sábio estudou o assunto durante anos,
com todo o rigor científico e probidade, concluindo, afinal, pela realidade dos
fenômenos. Como este meu trabalho é apenas um opúsculo e meu desejo consiste
somente em despertar a curiosidade, não me preocuparei com estas primeiras
pesquisas neste terreno fantasmagórico. Poderão adquirir o livro que aquele
sábio escreveu. (*)
A maioria dos que encabeçaram estes estudos foram cidadãos sábios,
sensatos, leais, possuidores daquele espírito de modéstia, de renúncia, tão
raro no reclamismo da época e que ao seu “eu” sobrepõem o zelo pela verdade e
pelo regresso humano. Inúmeras sociedades científicas se organizaram, dirigidas
por vultos eminentes, e nunca houve, até hoje, em conjunto, um resultado
negativo. Nenhuma destas sociedades se dissolveu por ter comprovado qualquer
falsidade da nova ciência. Ao contrário: continuaram crescendo e se
multiplicando, e me consta, neste momento, que, em nosso país, já duas se
organizaram. Note-se que não são associações religiosas; como as centenas de
sociedades espíritas existentes, mas agrupamentos essencialmente científicos,
dispostos a procurar a verdade, longe dos preconceitos oficiais.
Seria uma forma de atrair estudiosos e comover os incrédulos.
A série acima citada não representa nem a décima parte da que seria a
real, se eu tivesse um arquivo destes estudos.
Que os fenômenos são todos reais e positivos por mais fantásticos e
disparatados que pareçam à primeira vista: levitação de objetos, inclusive de
móveis pesadíssimos: transposição de coisas através de paredes e de enormes
distâncias, instantaneamente: desmaterialização dos médiuns e emissão do “ectoplasma”,
substância esta já pesada e analisada quimicamente; formação pelo ectoplasma
emitido de formas materiais, ou de pessoas vivas, que falam e se movem; os mais
variados fenômenos químicos e luminosos; sensibilização de placas fotográficas
sob todo o possível controle; pesquisas valendo-se de moldes de cera, de tal forma
realizados que afastam toda a possibilidade de fraudes; instrumentos de música
que tocam sozinhos (aqui convém fazer uma pausa a fim de rires à vontade...).
Além destes, há a enorme variedade de fenômenos sem evidenciação material,
digamos “subjetivos”, a incorporação, isto é, estado de transe do médium, através
do qual dizem que se manifestam os Espíritos dos mortos. São fatos menos
comprováveis que os “objetivos” porque mais facilmente se podem prestar para
invocarmos a fraude consciente ou inconsciente. Mas, ao lado dos casos mais
simples, passíveis de outra interpretação, apresenta-se uma infinidade de
outros, onde o médium dá informações ignoradas dele e de todos os presentes, só
conhecidas, na vida, pelo Espírito do morto, e que são depois verificadas como
certas; onde o médium, pessoa frequentemente inculta, discorre
com tal facilidade e ilustração que a explicação de “fala do inconsciente” não
satisfaz - em absoluto; onde o médium fala em idioma que nunca aprendeu ou
ouviu; onde a escrita automática se realiza em estado de completa
inconsciência, e na qual o médium revela conhecimentos que não pode
absolutamente ter; onde a previsão do futuro (premonição) e a descrição de
fatos, que se passaram ou se passam a distância, são, depois, verificados em
sua exatidão. E assim por diante!
Note-se que não peço aos que quiserem estudar a fundo estas questões que
as interpretem como produtos de “espíritos de outro mundo”. Seria
demasiadamente forte, no início! É necessário, em primeiro lugar, que se
constate a realidade dos fatos. Depois forje cada um a sua hipótese explicativa.
O primeiro passo a dar é examiná-los cientificamente, com todos os rigores e
com toda a técnica experimental, tão fácil para os médicos habituados a
instrumentos e laboratórios. Deixe-se, assim, a interpretação para mais tarde.
Desta maneira agiram todos os
pesquisadores escrupulosos. Após verificarem a verdade, eles se dividiram em
suas opiniões. Como?
Alguns concluíram pela verdade da doutrina espírita, e de tal modo se convenceram
que se tornaram crentes.
Outros; talvez a maioria; não quiseram afirmar categoricamente a hipótese
espírita, mas deixam entrever que ainda é a melhor explicação, embora se
constranjam a adotá-la definitivamente.
Muitos continuam afirmando que a nossa ciência acabará por desvendar
toda essa fenomenologia sem precisar recorrer a entidades sobrenaturais ou aos
espíritos dos “desencarnados”.
E destes todos, que, nos países mais adiantados, estudaram
conscienciosamente os fatos metapsíquicos, sem pressa, sem preconceitos, quantos
negaram a realidade?
Ao que me conste, nenhum!
O leitor, a esta altura, dirá que estou exagerando, talvez
inconscientemente e de boa fé.
Só me cabe responder:
- Estude como estudei e verá!
E ele há de acrescentar:
- Mas então eu, culto e formado, posso acreditar nestas baboseiras de
móveis andando pelo ar, de ignorantes falando em múltiplos idiomas, de
analfabetos escrevendo primorosos versos, de visões a distância, etc.?! Pois é!
É incrível, mas existe! Dou-lhe talvez razão no seu ceticismo inicial. É tão
real, porém, quanto a nossa existência; tão-real quanto a evolução de Darwin
suscitando debates, tão real quanto as descobertas de Galileu que os homens cultos
condenaram, tão real quanto os micróbios de Pasteur que os acadêmicos ridicularizaram,
tão real quanto o hipnotismo de que riram os doutores!
O que nos afugenta, de início, deste estudo, são às vezes as simples
palavras, termos populares pelos quais os fatos são designados.
São assim: espiritismo, fantasmas, incorporação de desencarnados, passe,
transe, etc. Será que estas denominações espantam os incrédulos, acostumados,
como por exemplo os médicos, a usar para todos os fatos de ciência nomes complicados,
fora do vulgar, inacessíveis ao público? Mas isto é uma simples questão de
palavras. Se é isso que os assusta, a Metapsíquica já deu nome à tudo:
vocábulos, aliás, bem sonantes - criptestesia, endometaplasia, escotografia,
metacromática, metacinesia, metafonia,
metafotismo,
metaglossia, metagnomia, metagrafia, metaplasía, metaraísmo, prosemia,
telecinesia, xenoglossia, etc.
Além disso, a qualidade dos fenômenos nos torna incrédulos. Que se diga
que nestas sessões se adivinha o pensamento um do outro (telepatia), que se
pode ver à distância... enfim ainda vá lá!. .. Mas que um piano se levante à
dois metros de altura sozinho, que o Espírito de um morto comece a pilheriar
com os assistentes, que um carregador comece a falar latim e grego... isto é
piada, e da boa!
Agora, um doutor, com diploma, com aquele ar reservado, semi pontifical,
há de crer nisso tudo? Que dirão os colegas quando souberem deste fato? E se os
fenômenos não se realizam, que complexo de inferioridade não se cria dentro de
quem foi espiá-los!?
Pois bem, colega! É preciso saber nadar contra a correnteza. É duro, é
difícil, mas é necessário a quem ama procurar a verdade.
Desde que - como já disse - admites a nossa grande ignorância em relação
ao Universo e às forças que nos movem, a capacidade restrita dos nossos
sentidos, - já demonstras uma intuição altamente científica, ou, ao menos, um
começo de sabedoria. Se pensas assim, concluirás que a sobrevivência não é
impossível.
A educação e a tradição nos inculcaram, a nós, ocidentais, que, se
quisermos admitir a sobrevivência, devemos imaginar o espírito liberto da
matéria, como uma coisa pura, imaterial, muito lá por cima, longe da terra, sem
o menor contato com as poeiras daqui. Mas, porque essa superioridade,
post-mortal?
Se há sobrevivência - o que parece estar demonstrando a fenomenologia espírita
– ela não há de ser como nos acostumamos a imagina-la. Em primeiro lugar, essa
história de ir para longe, para o alto, é uma concepção simbolista. A
sobrevivência pode dar-se num outro plano dimensional, intercalado ao nosso.
Não é mais racional admitir-se que uma outra vida, se possível, seja apenas um
outro ciclo, uma continuação noutro espaço-tempo, da mesma forma que a
crisálida, saindo da lagarta, continua sua evolução noutro ambiente, provavelmente
desconhecido da primeira?
A continuação da existência noutro plano não seria, portanto, totalmente
imaterial, porque essa concepção de “imaterialismo” representaria o vácuo, ou
melhor, ainda mais: o nada. Consistiria, sim, numa outra forma de vibração
material, mais tênue, mais sutil, imperceptível aos nossos sentidos, da mesma
forma que outras vibrações, que hoje sabemos existirem graças a aparelhos, são
também ignoradas pelos nossos órgãos de percepção.
Este é o razoável conceito da sobrevivência.
O que nos torna céticos, não só nos fenômenos metapsíquicos, como
igualmente na sua possível interpretação espírita, é o seu caráter de
prestidigitação. Mas desde que admitamos a sobrevivência, como falei acima,
compreenderás melhor. Existindo um outro plano de vida, onde paire o Espírito sob
forma material diversa, donde a consciência e a inteligência não desapareçam, é
razoável crer que os mortos desejassem comunicar-se com os vivos, assim como
nós, admitidas estas hipóteses, teríamos vontade de nos manifestar a eles. E
como agiriam estes seres de um outro plano para nos provarem que existem, senão
apresentando estes fatos incríveis que se assemelham a coisas de palco ou
diversões de crianças?
Poderíamos fazê-lo doutra forma?
Não lhes podemos impor condições a nosso bel prazer. Eles teriam, como
nós, limitada capacidade de ação e de manifestações. Não seriam como deuses
onipotentes capazes de todas as provas que costumamos imaginar. Vivendo sob
outra forma, sob outras determinantes físicas, em esfera ou plano diferente do
nosso, suas existências teriam suas leis, suas limitações, como a nossa, e só
poderiam apresentar um quadro de fenômenos, dentro de suas possibilidades.
Imaginemos que uma pessoa, nossa querida, tivesse ficado cega, surda e muda, e
a qual, depois de larga ausência, quiséssemos demonstrar que ainda vivíamos,
que éramos nós mesmos e que não a estávamos enganando. Quantos atos e processos
não usaríamos para provar à incrédula que estávamos presentes?.. Ela, porém,
não teria sentidos que comprovassem a nossa identidade e, por isso, lançaríamos
mão de todo o nosso engenho e arte em inventar realizações que lhe dessem a
desejada certeza. Da mesma forma, não podendo os vivos perceber, em estado
normal, a existência póstuma dos que nos deixaram, estes se valeriam dos recursos
de que são capazes.
Lembremo-nos, primeiramente, de que uma das descobertas de valor da
ciência foi o inconsciente ou subconsciente na personalidade humana. Sabemos,
os médicos perfeitamente bem. Em determinados estados há como que um
desligamento entre a parte consciente, razão, e a parte inconsciente. O sonho,
por exemplo parece ser uma situação psíquica onde impera, quase sozinho, o
subconsciente. Os médiuns, quando caem em transe, sofrem, muitas vezes, ou
quase sempre, em maior ou menor escala, o adormecimento da razão. Ficam –
digamos assim – sem raciocínio próprio. Frequentemente não sabem o que dizem, o
que fazem, o que escrevem. Neste estado tem-se constatado, amiúde, perturbações
orgânicas como elevação de temperatura, dormências, erupções cutâneas, gelidez,
suores frios e mesmo condições similares às que precedem uma síncope.
Nestes casos de vazio cerebral (perdoem esta expressão anticientífica),
os Espíritos dos mortos se apossariam dos organismos vivos para dirigi-los.
Seria a repetição das antigas obsessões e dos endemoniados da Idade Média,
curados pelos esconjuros ou exorcismos. Certamente que é mais fácil invocar a
auro-sugestão. Adormecida a razão, o inconsciente, livre, realizaria toda a
fantasmagoria de sonhos, alucinações, falas e recitativos. Eis naturalmente uma
interpretação mais lógica em face das nossas ciências e que tem base em fatos
análogos no domínio da Psiquiatria. Mas, para contradize-la, aí está toda a
fenomenologia metapsíquica, demonstrando que aquela primeira hipótese, a
espírita, é mais consentânea com os fatos apresentados, embora – repetimos –
seja alarmantemente inesperada e, em certo sentido, sobrenatural. O
inconsciente, apesar de maravilhoso, de sua memória imensa, de seus recursos de
imaginação e devaneio, não pode, em absoluto, explicar os fatos metapsíquicos.
O médium seria, pois, segundo o espiritismo científico, uma personalidade
em tais condições que é capaz de, pela vontade, pela harmonia do ambiente, ou
sob outras circunstâncias ainda não esclarecidas de todo, cair no chamado
transe. Neste estado os “espíritos” se aproveitariam do seu organismo para
manifestarem sua presença. Quais seriam as condições orgânicas que diferenciariam
um médium de uma pessoa normal? Ignoramos ainda.
Fantástico? Incrível? O leitor, cético, há de sorrir como eu sorri
quando 'li, faz muitos anos, esta explicação.
Inútil será dizer que considerei todos os que acreditavam nisso uns cândidos ingênuos,
e eu, muito mais culto e lógico do que eles.
Mas o tempo é o tempo e a vontade de me esclarecer era muita. Procurei
sempre despir-me de toda a vaidade, de todos os preconceitos e dogmas, mesmo
aqueles que imperam nos templos da ciência. Embora lutasse contra o constrangimento
em crer em coisas tão contrárias ao meu temperamento, e em fatos que recebem o
beneplácito de tanta mente simples e tanta alma ingênua, - a razão ensinou ao
meu ceticismo que não poderia condenar, sem mais nem menos, as pesquisas e as
conclusões de indivíduos muito mais eminentes do que eu.
Agora digamos algo sobre o combate
aos fenômenos espíritas.
Nada encontrei de valor a este respeito, embora muito me falte para
conhecer toda a literatura sobre tão vasto assunto. Jamais soube de algum
cidadão que, depois de investigar, como estudioso, sem o tão comum espírito de
prevenção ou mesmo de ódio, tenha negado os fenômenos.
É verdade que há livros escritos contra o Espiritismo. Entre nós, no
Brasil, poucos se publicaram, mas, a quem conhece toda est questão, são
verdadeiramente vazios. Limitam-se a citar três ou quatro casos de fraude,
descobertos geralmente pelos próprios metapsiquistas, e isso entre centenas e
mesmo milhares de outros fatos incontestavelmente verídicos. Repetem e
transcrevem meia dúzia de argumentos, sem base, há um século repetidos, e que
só servem para demonstrar ao estudioso a falta de conhecimento desses
adversários. Citam trechos, escritos pelos melhores metapsiquistas, e que, ao
primeiro relance, parecem condenar a nova Ciência. O processo é conhecido:
tomam-se frases e períodos que, considerados insuladamente, separados da página
ou do capítulo a que pertencem, dão uma ideia totalmente diversa do pensamento
do autor. São obras de má vontade e sem cunho científico. Não é o que se exige!
Pedem-se experiências, investigações, pesquisas. Isto, sim, é Ciência.
Não é porque entre cada cinquenta casos se descobriu uma fraude, ou
porque entre cada dez médiuns se desmascarou um charlatão, que se concluirá
pela falsidade dos fatos.
Todos os estudiosos temos amor-próprio e zelamos pela nossa
personalidade, e não haveríamos de afirmar alguma coisa aereamente, sujeitos,
amanhã, a sermos desmascarados e sofrermos o ridículo, passando por ingênuos e infantis.
Porque tu, leitor, sem maior estudo da questão, hás de considerar-te
mais esperto que a interminável série de cidadãos que, conspícuos e
inteligentes, se dedicaram a investigar e concluir? Seriam todos eles bobos e
estouvados? Como julgas, acaso, que eles fizeram e fazem seus trabalhos
experimentais? Com o mesmo espírito, o mesmo bom-senso, o mesmo rigor com que
te dedicas ao teu trabalho no laboratório, no hospital, na clínica, e
valendo-se dos meios que a Ciência lhes põe ao alcance (eletricidade,
fotografia, mecânica, registros gráficos, discos gravadores e até, ultimamente,
as prodigiosas possibilidades das células fotoelétricas). E além destes meios,
que requerem imaginação e conhecimentos técnicos para usá-los, todos os
processos vulgares para evitar a fraude ou o engano! Os grandes médiuns têm sido
verdadeiros mártires pela desconfiança que os cerca, quase sempre injustificada,
pelas humilhações a que se lhes submetem, pelas torturas físicas que se lhes
impõem, algemando-os... amarrando-os com vontade, como se fossem criminosos. Já
não há, na verdadeira metapsíquica, mais possibilidades de fraude, tais as
precauções que se tomam, exageradas e mesmo excessivas. Os médiuns são
geralmente pessoas vulgares e simples e, com frequência, sem esperteza ou
vivacidade fora do anormal. A maioria deles nada recebe pelo seu trabalho.
Agora, se um indivíduo nestas condições, incapaz da mais rudimentar mágica,
como a de fazer passar pequena moeda de uma mão para outra - como fazemos para
regalar as crianças - e sob todos os meios de controle, encordoado, lacrado,
cercado, cuidado, enjaulado, sob os olhos de pessoas idôneas, ciosas da verdade,
é capaz de cometer fraudes; de acender e apagar luzes a distância; de mover os
mais pesados objetos, sem contato; de fazer coisas passarem através de paredes;
de falar idiomas desconhecidos; de escrever comunicações que qualquer literato afamado
subscreveria; de adivinhar os acontecimentos no espaço ou no tempo
- então - caro colega, não sei mais o que dizer!
Com tanto escrúpulo costumam agir os metapsiquistas que, na Europa,
seguidamente, os mais hábeis prestidigitadores são convidados a comparecer às
sessões experimentais a fim de, testemunhando os fatos, emitirem sua valiosa
opinião. Sendo mestres na arte dos truques, com que divertem as multidões, os
seus julgamentos devem ser decisivos. Pois bem! Todos
eles, a exceção de dois ou três que, por orgulho profissional se julgaram
capazes de produzir as façanhas dos médiuns, os outros sempre afirmaram que não
poderiam de forma alguma explicar os fenômenos pela prestidigitação. E note-se,
estes dois ou três, apesar do que disseram, não quiseram tentar o desmascaramento
dos médiuns.
Porque, então, estes fenômenos são negados?
Por vários motivos. Vejamos:
Em primeiro, pelo seu caráter fantástico. Está certo. Se tivéssemos,
desde criança sido educados num ambiente espírita, agora, quando adultos, nada
estranharíamos. Tudo seria natural, como os fenômenos mais banais de nossa
vida. É tudo uma questão de hábito e maneira de encarar os acontecimentos.
Em segundo, pelo nosso orgulho científico. A Ciência receia, e, às
vezes, evidentemente, com razão, aceitar os fatos em que o
público acredita piamente.
Em terceiro, pelo dogma de que só podemos admitir o explicável; que só
existe e é possível o que vemos ou ouvimos. Mas isto, como tentei mostrar, é um
princípio falso.
Em quarto, porque uma ou outra vez que, curiosos, vamos assistir a
alguma das chamadas sessões espíritas, talvez vejamos, apenas, casos que, com
muito boa vontade, poderiam ainda ser explicáveis por uma auto sugestão intensa,
por um desdobramento de personalidade etc. e tal.
Em quinto, porque sendo difícil, principalmente em nosso meio, organizar
sessões científicas, obrigamo-nos a frequentar sessões comuns. Como nestas não
se tomam toda a série de precauções, porque os que a elas assistem já acreditam
na veracidade dos fenômenos, o leigo acredita sempre na possibilidade de uma
fraude.
Em sexto, porque muitas sessões principiam por uma prédica ou reza. Já o
descrente fica prevenido, e julgará tudo produto de uma super excitação emotiva
e mística.
Em sétimo, porque os próprios espíritas confessam que são difíceis os êxitos
se os presentes são incrédulos, ou se, pelo menos, tem má vontade. Ao leigo
esse é, sem dúvida, um argumento a seu favor! Pois então, dirá, vai-se pesquisar
um fato, com a melhor das intenções, sob o ponto de vista da verdade, e se
exige que eu acredite nele antes de vê-lo? Pura sugestão, claro!
Vejamos uma rápida explicação destes quatro últimos itens, já que sobre
os outros me manifestei, páginas atrás:
Não é numa única sessão, nem em duas, nem em três, que o leigo poderá
apreciar toda a variabilidade dos fenômenos. Os médiuns de efeitos físicos são
raros. O que ele verá, geralmente, são acontecimentos que, para facilitar a
compreensão, denomina de “subjetivos”. Presenciará, em primeira linha, os
médiuns falando e se dizendo “espíritos”. Só com a continuação e com a
observação é que concluirá que tais fenômenos não se enquadram dentro dos
atuais conhecimentos da psicologia ou da patologia mental. Se ele,
naturalmente, encontra um médium de efeitos físicos, então lhe será muito mais
fácil acreditar em tudo. Os fenômenos “subjetivos” são de análise difícil e
muitas vezes se torna preciso que o pesquisador se habitue com o ambiente e com
as pessoas presentes, a fim de que seu julgamento seja perfeito. Salvo casos
especiais, é mister, geralmente, tenacidade e paciência, atributos tão difíceis
no incrédulo e nas condições atuais de nossa vida, sempre apressada e nervosa.
Dentre tantos fatos, alguns quase explicáveis pelos nossos
conhecimentos, lá virá um outro, e mais outro, que mostrarão a incapacidade da
nossa ciência em interpretá-los!
Se vires, por exemplo, o fato tão banal da escrita automática, veloz,
rapidíssima, evidentemente inconsciente, revelar fatos e ideias, no teu idioma
ou noutro, muito superiores à capacidade do médium, ou narrar coisas que, em absoluto,
não podem ser do seu conhecimento, então entrarás, leitor, na segunda fase dos
teus estudos. Começarás a apelar para a telepatia, para um inconsciente
universal comum a todos, e múltiplas hipóteses, menos a espírita. Fazes bem...
Deixa esta conjetura como a derradeira, quando não achares mais nenhuma outra
explicação. Se alcançares este ponto, isto é, se concluíres que a nossa ciência
é incapaz de justificar os referidos fenômenos, nada mais é preciso
insinuar-te. O resto do caminho tu o acharás por ti mesmo, se, deslumbrado e
amante da verdade, continuares teus estudos e tuas reflexões.
Consideremos, agora, esta semi-exigência espírita: é preciso que todos
creiam para que os fenômenos se produzam. Não é bem assim. Requer-se, somente,
que não haja prevenção ou manifesta má vontade. Porquê? Que ciência tola e
estranha é essa que exige dos investigadores uma tendência à credulidade?
Começa aqui, de novo, o teu sorriso. Pede-se não propriamente a credulidade,
mas a· formação de um ambiente espiritual harmônico. Esta condição torna-se
mais compreensível quando se admite, com visos de verdade, consistir o
pensamento não numa essência abstrata, mas em irradiações mentais sob a forma
de vibração da matéria. Felizmente, a nossa ciência já não rejeita de todo esta
hipótese, quando está em vésperas de aceitar, como realidade, os fenômenos
telepáticos. Não se pode compreender o fenômeno pensamento sem os recursos da
matéria ou da energia, já que estes dois conceitos hoje se confundem. Os
pensamentos serão manifestações vibratórias da matéria em irradiação. Há uma
irradiação emanando de todas as pessoas. Sabemo-lo, adivinhamo-lo pela
experiência de todos os dias, quando vemos a presença de certos indivíduos
acalmar ou agitar um ambiente. Todos conhecemos pessoas, diante das quais, sem
maior explicação, nos serenizamos, nos satisfazemos, nos tornamos humildes ou
altivos, sorrimos ou, ao contrário, nos irritamos, sentindo indefinível
mal-estar.
É a conjugação destas irradiações todas que influem na produção dos
fenômenos. Muitos metapsiquistas se convenceram de tal forma desta verdade que
não os espantam mais essas exigências, à primeira vista insensatas e místicas.
Os crentes costumam apelar para a prece, como meio de atingir esta harmonia
passiva. Mesmo sem encarar a oração sob o ponto de vista religioso, não se
duvide do seu poder sedativo e tranquilizador. Não sou eu quem o diz. Leia-se o
que um dos maiores sábios desta época, que não é crente, nem espírita, escreveu
sobre a prece: o conhecido Dr. Carrel. É natural, entretanto, que homens cultos
e céticos, estudiosos da metapsíquica, não se quisessem submeter a preces, nas
quais não acreditavam e que os tornariam suspeitos aos olhos dos seus colegas.
Compreendendo, todavia, por experiência, a necessidade da calma e da harmonia
do ambiente, adotaram, muitas vezes, a música como elemento capaz de produzir a
paz espiritual e a tranquilidade dos assistentes. Não suponho que pelo fato de ouvirmos
melodias, que tanto influem, sem dúvida, sobre o nosso sistema nervoso,
seríamos capazes de promover a produção de fenômenos que, diante-da ciência
oficial, representam verdadeiros milagres.
Mas nem sempre isso é indispensável! Cito apenas estes fatos para
preparar o leitor que, algum dia, assistindo a uma sessão espírita, se surpreendesse
com um introito de prédica ou reza.
Sendo talvez a afinidade entre os Espíritos. Uma questão de vibrações
materiais, ainda incompreensível à nossa ciência, é lógico que os nossos
diversos sentimentos e situações íntimas façam a matéria vibrar diferentemente.
Nós mesmos sentimos isso quando estamos em estados anormais, de grande
serenidade ou de cólera. Para o espírita, que interpreta os fenômenos metapsíquicos
como manifestações de Espíritos, que se libertaram do invólucro material essa
harmonia seria, senão indispensável, pelo menos benéfica e útil para que um
ambiente sereno e de passividade possa atrair o a que chamam “entidades
desencarnadas”.
Se quiséssemos continuar neste estudo chegaríamos, então, a certos
princípios da filosofia oriental, tão cheios de sabedoria que, talvez por não
os compreender, chamamo-lhes misteriosos ou lendários. Há, em toda ela, um
profundo conceito, que é como se dissesse: a verdade não se alcança pela inteligência
mas pelos sentimentos. O estado de serenidade absoluta, a que se dedicam os iogues
e os lamas pelo jejum, pela meditação, criam no organismo humano condições tais
que, através delas, podemos perceber outras realidades, além das que nos são
reveladas habitualmente pelos órgãos dos sentidos. A calma, a harmonia, a
crença e o êxtase criam, quiçá, novas possibilidades de percepção, e despertam,
por mecanismo ainda ignorado, novos poderes de lucidez e compreensão. Por
outras palavras, aproximamo-nos do absoluto.
Mas paro aqui. Não adianta prosseguir. O leitor estará sorrindo, de
novo. Ou ele revela certa superioridade de espírito, consciente da relatividade
dos nossos conhecimentos em face da vida e do Universo e se tornará um curioso a
respeito deste assunto todo, ou, muito mais cético, me julgará um ótimo
humorista.
***
O leitor há de julgar, naturalmente, que já vi coisas extraordinárias e
todos estes fenômenos e mais coisas mirabolantes a que, por alto, me referi,
páginas atrás.
Pois bem! Sou sincero. Prepare-se para uma surpresa:
- Eu nunca vi nada de maior!
Esta é de arrepiar. Que humorista!
Mas, então, dirá o leitor, gasto uns preciosos minutos dando-lhe a honra
de lhe ler o opúsculo com certa boa vontade em acreditar, pelos menos, numa
fração do que me diz, e, no fim, quando estava certo de que o colega fora uma
testemunha, talvez sugestionável, mas honrada - eis que me vem dizer, sorrindo
calmamente: eu nunca vi nada!
Inacreditável! Tão fantástico como esses fenômenos de que fala.
Agora, ouça-me:
O pouco que vi não foi tão extraordinário que não pudesse ainda querer
explicar pela ciência que aprendi nos livros e na Academia. Nunca procurei, com
empenho, presenciar realidade metapsíquica. Mas creio, também em muitas outras
coisas de ciência, sem nunca tê-las visto. Prefiro acreditar em sábios, e mestres,
do que na negação, sem base, dos que combatem sem estudo. Nunca assisti à
desintegração dos átomos; jamais contemplei aquelas gigantescas máquinas que a
produzem, mas admiro este fenômeno, hoje incorporado à Ciência. E assim por
diante...
Que me adiantaria andar, de sessão e
sessão, para observar aquilo que está mais que comprovado por centenas de
homens honestos cultos ou sábios. Senão duvido de tantos outros conhecimentos,
porque hesitar diante daquele que, de tão vastos e pesquisados constituem uma
ciência nova, com seus mestres, seus institutos de pesquisas, sua literatura,
sua tradição e seus arquivos? Se se faz mister que eu vejo para crer, em quão
pouco devo acreditar de tudo que me dizem os homens nas palestras ou nos
livros!
Os colegas não acreditam em
psicanálise? Muitos poucos, entretanto, presenciaram a comprovação dos seus
processos e de suas hipóteses. Julgo que a Metapsíquica não é tão mais fantástica
aquela. Não sei qual terá maior literatura e patronos mais eminentes!? Já li muitas
interpretações de atos humanos, à luz da
Psicanálise, que, sob o prisma do fantástico, nada ficam a dever aos fatos
metapsíquicos. Considere-se, além disso, que os fenômenos da ciência de Freud
são todos subjetivos, de estudo dificílimo e de comprovação ainda mais difícil;
os metapsíquicos, se apresentam este mesmo caráter, manifestam-se, outras
vezes, objetivamente, concretamente, fisicamente, e as provas de sua veracidade
são, portanto, muito mais positivas e concludentes.
O leitor estranhará que, sem o testemunho próprio, se aceitem os fatos
metapsíquicos. Mas quando é conhecer a literatura existente a tal respeito, a
seriedade dos estudos, o caráter experimental e rigorosamente científico destas
comprovações, - ele me dará razão. Cada vez que li sobre a sistematização, o
escrúpulo e a meticulosidade que orientaram essas pesquisas, senti que me
faltavam talvez conhecimentos, paciência e imaginação para promover o estudo prático
com a mesma eficiência que outros mais ilustres que eu. O nosso meio é
extremamente pobre nestas possibilidades. Um homem só a perquirir, e um homem
sem títulos acadêmicos? Que valor teria? Quem haveria de me acreditar, embora
eu assistisse ao que há de mais surpreendente?
Prefiro, pois, dizer ao leitor que creia em outros, muito mais em
evidência, conhecidos seus através da imprensa, da notoriedade ou de outros trabalhos
científicos.
Minha atitude é de sinceridade e honradez, nem tenho a pretensão de
querer convencer alguém. É verdade que sei de casos bastante comprovantes, mas
que adiantaria eu falar? Estudei sobre os livros, no meu gabinete, sozinho.
Vivemos numa época de justificável incredulidade. Diante de uma
civilização, tão cheia de embustes, de hipocrisia e de falsidades, o ceticismo
teve razão em vir, chegar e nos vendar os olhos. Como Goethe, repita-se: nesta época,
a incredulidade é uma superstição ao contrário.
Nós estamos diante de uma nova ciência que, custe o que custar, acabará
por penetrar nos recintos augustos das academias.
E ela trará consequências incalculáveis para a Humanidade.
Um só fato constitui, seguidamente, um sólido ponto de apoio para a
argumentação do nosso próprio espírito, enleado sempre na angústia dos contras
e dos prós. Basta um acontecimento para que sobre ele se erija uma hipótese,
capaz depois de explicar toda uma série de fenômenos.
Exemplifico: A Metapsíquica comprovou, por todos os meios a seu alcance,
que os médiuns são capazes de falar ou escrever de forma tal que a explicação
do subconsciente não satisfaz em absoluto. Já não me quero referir aos casos de
comunicações em idiomas desconhecidos (xenoglossia), mas somente àqueles cujo
valor em ideias não pode emanar de uma pessoa bastante inculta.
Vejamos, agora, o caso do conhecido médium brasileiro, Francisco Cândido
Xavier, do interior de Minas Gerais, e que já publicou perto de uma trintena de
livros de literatura e de ensinamentos espiríticos. O primeiro, que li, foi o Parnaso
de Além Túmulo, nome este suficiente para despertar o riso do leitor. É uma
coleção de versos ditados e assinados por poetas do Brasil e de Portugal, já
falecidos. Aí figuram, entre outros, Bilac, Antero do Quental, Antônio Nobre,
Artur Azevedo, Augusto dos Anjos, Belmiro Braga, Casimiro de Abreu, Castro
Alves, Cruz e Souza, Emílio de Menezes, Fagundes Varela, Guerra Junqueiro, etc.
É, pois, uma Antologia de 400 páginas, com mais de 200 poesias, ditadas por cerca
de 40 poetas.
Note-se, evidentemente, que todos os versos vêm assinados por um deles.
Antes de iniciar a sua leitura eu não ignorava que há, pelo mundo todo,
uma infinidade de livros que se dizem escritos por Espíritos “desencarnados”.
Mas, apesar de propenso a crer na interpretação espírita dos fenômenos metapsíquicos,
essa história de mortos a fazerem literatura, sempre se me afigurou um tanto forte.
Eu preferia admitir uma certa veia literária do médium, que, em estado de
transe, dava largas à imaginação do seu subconsciente. E foi neste estado de
espírito que li o Parnaso de Além Túmulo.
Conheço bem a literatura do meu país. Já muito versejei na adolescência
e li quase todos os nossos poetas. Pois bem! As poesias apresentadas, qualquer
delas, poderiam ser assinadas pelo seu “suposto” autor, sem que se pudesse
diferenciá-las, em estilo ou em riqueza de imaginação, das que os referidos
poetas realmente compuseram em vida.
Que concluir? Façamos as hipóteses, com imparcialidade:
1) São inéditos. Tolice. Achar inéditos da maioria dos nossos poetas?
Além do que, como poderia um médium, vivendo humildemente no interior do país,
desencavar estes tesouros, que são sempre os inéditos dos que honraram a nossa
literatura?
2) São criação do médium. Julgo igualmente impossível, a não ser que
estejamos diante de um autêntico gênio inigualável. Desafio que haja, em todas
as academias literárias, quem fosse capaz de imitar o estilo, as ideias, o
ritmo, a escola de quarenta poetas.
3) Estou auto sugestionado. Os versos não são tão primorosos como me
parecem. Eu, que sou eu, julgo naturalmente que não me deixei sugestionar. Mas,
enfim, que responder? O leitor que julgue... Faça uma experiência: procure uma
pessoa que conheça um pouco de literatura. Apresente-lhe versos de determinado
poeta, por exemplo, Bilac, da seguinte forma: misture as poesias, - não as mais
conhecidas naturalmente, - que ele fez quando vivo com outras tantas tiradas
deste livro Parnaso, em papéis datilografados, sem falar em Espiritismo. Peça o
seu julgamento, pedindo que ele indique, dentre elas, as que são realmente de
Bilac, explicando que há outras que não o são. Note-se que é mister que este
indivíduo não seja um conhecedor profundo de literatura, porque senão já
conhecerá as reais produções do poeta. Faça isto com todos os demais que
assinam as poesias do Livro... e concluirá que não me sugestionei.
Não há a menor diferença, em estilo e em ideias, entre as poesias destes
poetas quando vivos e quando “mortos”.
Considere-se, ainda, que os médiuns, quando recebem estas comunicações,
estão, quase sempre, em estado de semi inconsciência; que os escrevem sob forma
de escrita automática, velozmente, torrencialmente, enquanto, com frequência,
quando estão despertos, conversam com os presentes sob outros assuntos.
Mas o médium Xavier escreveu ainda mais quatro livros “ditados” pelo
Espírito de Humberto de Campos. O estilo deste escritor é inconfundível.
Conheço todas as suas obras e posso afirmar que ele as subscreveria se
estivesse entre nós. É Humberto clássico e puro! Este médium produziu ainda mais
três trabalhos de instrução espírita e mais dois romances históricos, “ditados
por Espíritos”. É um rapaz de uns trinta anos que, durante o dia, trabalha para
sustentar-se, e que, à noite, crente como é, dedica-se ao que considera a
suprema verdade e constitui a sua religião. Não julgo que disponha de tempo
para ilustrar-se e escrever livros, onde revela uma imensa cultura e
conhecimentos históricos como os que há nos seus três romances.
Se fosse este o único caso nos anais da Metapsíquica, dever-se-ia
buscar, a todo o transe, uma explicação fora da Doutrina Espírita. Mas não! São
um sem número não só de comunicações de alto valor, cultural ou literário, como
também de livros, que andam esquecidos pelas livrarias. Li igualmente as obras
que se dizem ditadas por Victor Rugo por intermédio de uma professora de curso
primário. São romances perfeitos, em forma e em ideias. Mas como só em
adolescente li este autor, e não conheço o seu estilo perfeitamente, não quis
ainda dar o meu julgamento pelo receio, agora, de excessiva boa vontade.
Das duas, uma: ou o médium Xavier reproduz o que lhe ditam e, salvo
outra explicação, que nossa inteligência não pode atinar, prova a sobrevivência
humana, ou é um embusteiro consciente ou inconsciente. Mas se ele é capaz de produzir
obras de tal valor, porque as atribui a outros? Ou, ainda, se os livros são labores
de seu engenho, então estamos diante do maior gênio literário do Brasil.
Deveríamos consagrar e fazer penetrar, modesto e tímido, entre os imortais da
Academia, o médium Francisco Cândido Xavier, o “autor” que jamais recebeu
honorários de direitos autorais.
A atitude do médico, diante da invasão de sua seara pelo Espiritismo, é
quase sempre justificável se considerarmos a sua natural incredulidade. Não
admitindo, ou nem conhecendo mesmo a existência dos fenômenos metapsíquicos,
entre os quais parece haver a possibilidade de ações curativas, é muito lógico
que condene o que considera um charlatanismo. Com que direito pessoas incultas
e sem preparo vêm fazer concorrência a indivíduos que estudaram longos anos, e
que conhecem, melhor que eles, o organismo humano e os processos terapêuticos,
comprovados pela experiência?
No campo espírita a terapêutica se faz, quase sempre, ou por homeopatia
ou por passes. Sobre homeopatia, nada digo. Não possuo a este respeito
conhecimentos suficientes para emitir uma opinião conscienciosa. Sobre os fantásticos
passes, que, de fato, sem maior análise, parecem puros gestos charlatanescos,
deve-se recomendar aos médicos, antes de maiores investigações, a leitura dos
trabalhos de Georges Lakhovsky, sábio de fama mundial. Este eminente cientista
provou a influência das irradiações humanas sobre os seres vivos. Pela simples
aposição das mãos (magnetismo), mesmo sem contato, a distância, tem-se
conseguido influenciar nitidamente o desenvolvimento das plantas, a mumificação
da matéria morta e a irrigação sanguínea das diversas partes do corpo humano.
São experiências de laboratório, sem a menor invocação do sobrenatural, longe
comprovam a ação das irradiações emanadas da matéria viva, devemos
evidentemente admitir a possibilidade dos efeitos dos chamados “passes”, que nada
mais são que a influência das referidas irradiações. Lembro, outrossim, os
trabalhos científicos de Montandon, de Bertholet, de Champville, de Baraduc, e
recordo que já hoje, destes estudos todos, se destacou um ramo de ciência,
promissor: a Radiestesia. Tudo isto demonstra que não nos precipitemos em
considerar os místicos passes como simples artifício de curandeirismo, quando,
em realidade, sejam talvez exteriorizações electro magnéticas.
Há, de fato, muitas curas espíritas tentadas pelos charlatães, os quais
sobejam, hoje, em todos os setores das atividades humanas. Outros casos haverá
facilmente explicáveis pela sugestão. Mas, ao lado destes todos, creio que se
pode afirmar existirem comprovados efeitos terapêuticos, sendo, entretanto,
tarefa dificílima separar o joio do trigo. O estudo da Metapsíquica ajudará a
compreensão e elucidação da chamada medicina “espírita”.
Diga-se, de passagem, por amor à verdade, que não é bem exato o que
murmuram os leigos a respeito dos centros espíritas. Alguns haverá que são
puros antros mercantis, mas outros se resumem em instituições dirigidas por
gente idônea, vivendo da iniciativa particular e cujo objetivo único é a prática
da caridade.
A análise desta medicina espírita, tão absurda aos olhos dos médicos, deve
ser processada com mais critério científico, mais observação e menos prevenção.
Longe de mim a ideia de denegrir todos os recursos e mesmo as maravilhas da nossa Medicina. Seria imperdoável. Querer compreender uma, não significa acusar a outra. Cada dia crescem mais as possibilidades da Medicina e, cotidianamente, surgem novas descobertas, beneficiando toda a espécie de enfermidades. Mas há, no domínio metapsíquico, enorme terreno por explorar, e que, quando for admitido pela Ciência, virá engrandecer a nossa profissão. Muitas coisas, supostas charlatanismo ou fraude, serão um dia incorporadas ao acervo dos nossos conhecimentos.
Assim tem sido sempre a História da Ciência!
Os médicos, os pesquisadores, os estudiosos, os homens cultos, têm
também, com raras exceções, os seus dogmas teimosos e tão ferrenhos quanto os
das pessoas ignorantes e crédulas. Esse é um dos característicos da
personalidade humana.
Sua impressão será diversa, conforme sua cultura e seu temperamento.
Poderá pensar de múltiplas maneiras. Vejamos:
a) Que tolice! Acreditar nisso? – Atrás deste estilo calmo há um
fanático em ebulição!
Porque meia dúzia de outros ingênuos foram enganados, apesar de sábios -
porque sábio não significa esperto - admite esta coisada toda, erige-a em
Ciência e depois já tem tendências em querer convertê-la em Religião.
E, então, dirá a quem lhe falar - com um largo gesto protetor e de superioridade:
são casos conhecidos de histeria, estudados há muito pela Medicina! O autor não
está a par dos últimos trabalhos a esse respeito!
b) Não digo que tudo isso seja falso. Há muita coisa inexplicável. Mas o
autor exagerou um pouco. De fato, já ouvi falar desta tal de meta psíquica. Mas
é ciência nova, ainda em embrião. Eu teria vontade, se não fosse difícil, ver alguma
coisa a este respeito, mas que dirão de mim meus clientes, colegas e amigos? E
depois... minha cozinheira é espírita! Então eu, / , culto
e formado, com algumas convicções sobre a vida, posso emparelhar-me com uma
ignorante que nem sabe ler e que nos vem contar, que, na véspera, conversou com
seu defunto pai? É melhor deixar o tempo correr. A verdade sempre aparece.
c) De fato, é interessante! Mas não me seduz! Não é a minha
especialidade. Não tenho tempo. Se há, por acaso, sobrevivência, melhor! Cumpro
meus deveres, e o que for soará!
d) Isto tudo é estranho! Eu, de fato, também já conversei com muitas
pessoas cultas, à -/ minha altura, que me asseveram estas coisas todas.
Reconheço, entretanto, que nada conhecemos de positivo sobre a vida e sobre a
Natureza. Porque tudo isto é impossível? Simplesmente porque é? Isto não é
argumento! Estudei o organismo humano. Vi como ele é perfeito, admirável,
meticuloso, astucioso, previdente! Porque o Universo não há de ser também muito
mais complexo do que imaginamos ao invés de o considerarmos espaço, éter,
infinito.,. e pronto! Ele deve também, como o nosso corpo, por analogia,
encerrar algo de maravilhoso. Porque não outros planos de vida? Se ele é tão
perfeito, porque não virá de encontro ao homem, que seja ele qual for, opulento
ou miserável, felizardo ou maldito, deseja, no fundo, uma sobrevivência? -
Porque hei de julgar que os meus fracos sentidos são capazes de me ditarem a
última palavra de sabedoria? Eu desejaria ler sobre este assunto, antes de
emitir para mim mesmo um julgamento apressado.
É para este último que escrevi estas páginas. Tal raciocínio é o de um
verdadeiro espírito de cientista, embora talvez a vida não lhe tivesse dado
tempo para estudar, como desejaria, outros assuntos fora dos exigidos pela sua
atividade profissional.
É para esse que eu falei.
Ir às sessões espíritas? Não, não vás ainda. Porquê?
Constranger-te-ás. Possivelmente nada verás de maior nas primeiras
reuniões. Admitamos a pior hipótese: compareces a uma sessão. Sentas em torno
de u'a mesa ou ficas de longe. Os presentes, inicialmente, rezam. Sentirás uma
impressão bastante desfavorável. De súbito, um deles cai em transe. Começa a
chorar, gemer, entra em convulsões, parecidas, aliás, com algumas que tens
presenciado na tua clínica -ou no hospital. Este médium começa a falar. Declara
ser fulano, ou, melhor, o seu Espírito que deseja manifestar-se aos vivos da Terra.
Estarás, neste momento, refletindo sobre os casos de desdobramento da
personalidade. Mas, enfim, tiveste pouca sorte, e esse Espírito nada dirá,
afinal, capaz de alterar, em instantes, tuas ideias. Pode acontecer, também, ouvires
a declaração de que, por haver pessoas descrentes, ou melhor, por falta de
harmonia, há dificuldades na realização da sessão. Permanecerás na sala, até ao
fim, por dever de cortesia, mas suponho que não voltarás mais. Adeus... estudos
metapsíquicos! E de noite, custando a conciliar o sono, te sentirás um pouco
envergonhado perante ti mesmo de teres acreditado no que diz o vulgo.
A não ser que vás às sessões, onde pessoas, que te mereçam crédito, te afirmaram
que provavelmente assistirás a fatos concludentes capazes de despertar tua
curiosidade científica aconselho que não comeces teus estudos pelas provas
práticas. Deixa-as para mais tarde. És um homem de gabinete, de estudo, de
reflexão. Lê primeiro e escolhe, não livros espíritas, no começo desta jornada,
mas trabalhos científicos.
Depois de os leres, então, toma o caminho que te aprouver. Não te sugiro
nada. Em primeiro lugar, é necessário que constates a realidade dos fenômenos
metapsíquicos pelo estudo do muito que há sobre o assunto. Deixa a hipótese
explicativa para mais tarde.
Mas, que deves ler?
Cito-te alguns trabalhos de valor:...
Les Radiations Humaines - Montandon.
Bases Científicas do Espiritismo – Epes Sargent.
La Mecanique Psychique - Crawford.
Metapsíquica Humana - Richet.
Hvpnotisme et Spiritisme - Lombroso.
Études et Reflexions d'un Psychiste - Williams James.
Les Metapsiquoses - Bret.
La Connaissance Supre-Normale - Dr. E. Osty.
Les Phenomênes Phisiques de la Mediumnité - Schrenck-Notzing.
Análise das Coisas - Paul Gibier.
!ntroduction á la Métapsychique Humaine - René Sudre.
Au seuil de l'Invisible - William Barret.
Fatos Espíritas - William Crookes.
Física Transcendental - Friedrich Zollner.
Deixo de indicar muitas outras porque ou não as encontrarás, ou porque
seus autores não são nomes consagrados pela Ciência, noutro terreno, ou porque
já optaram francamente pela hipótese espírita.
Presentemente, a dificuldade de livros é enorme. A guerra cortou o nosso
intercâmbio cultural... Há, todavia, editados pela Federação Espírita
Brasileira, os livros acima citados de Crookes de Zöllner e de Gibier. Na falta,
porém, dos que citei, podes ler Bozzano, apesar de este autor ser, hoje, o
maior combatente a favor da explicação espírita dos fatos. É, entretanto, um
grande estudioso.
Recomendo, outrossim, ao leitor, que, se aprecia e cultiva a literatura, leia as obras mediúnicas de Francisco Cândido Xavier, a fim de julgar, por si mesmo, as minhas afirmações anteriores.
Minhas gavetas sempre estiveram repletas de cadernos e páginas escritas
desde a mocidade, à espera impaciente de sua publicação. Nunca o fiz. Fui
acumulando-as como quem guardasse moedas falsas com o receio e o remorso de
passá-las adiante. Sempre temia faltar com a verdade e sugerir ao próximo ideias
apressadas e sem base.
O destino recompensou a minha honestidade intelectual concedendo-me
ocasião e coragem para falar, convicto, sem temor e sem paixão.
Proclamo uma verdade diante da Ciência, sabendo de antemão o julgamento
da maioria dos poucos que me lerem. Não me alterarei, nem me aborrecerei com o
que disserem.
Somos todos companheiros da mesma viagem da vida, e o nosso destino
final tanto pode adivinhá-lo o sábio ou o analfabeto. Diante do Universo somos
todos iguais. As superioridades de dinheiro, de posição ou de cultura são
fatuidades ridículas.
E pobre homem! Neste desvario de século sobre o chão da terra, entre
tantas desigualdades injustas, tantas doutrinas, tantos princípios, em que hás
tu de acreditar?
Os homens falam muito mais por apego aos seus interesses materiais do
que pela sua consciência; antes de se descobrirem as verdades, forjam-se as
doutrinas; a propaganda e geralmente a mentira permitida e o primeiro programa
de qualquer realização· as coisas mais abstratas, mais elevadas são
transformadas em mercadorias. Da própria História devemos desconfiar, e muito!
Nos documentos mais sérios há um largo contingente de interpretações pessoais,
amores-próprios vaidades e paixões dos autores! Para provar a nossa incapacidade
em conhecermos o nosso real passado, basta que nos lembremos do Cristo a figura
máxima de nossa antiguidade. Para alguns, foi ele o verdadeiro filho de Deus,
tal como o narram as Escrituras; mas, mesmo julgando-as exatas, tão várias são
suas interpretações, que delas emergiram várias seitas e sistemas religiosos.
Para outros, Jesus nada mais era que um demagogo e um revoltado contra o
Império Romano. Julgam-no, também, um perfeito visionário, pregando a igualdade
entre os homens, enquanto muitos, atualmente, o consideram como um assombroso
médium, realizando proezas mais surpreendentes que as das nossas atuais sessões
espíritas, e predicando, como nestas, um evangelho de amor e de caridade. Há
ainda os que lhe não dão a menor importância, chegando a imaginá-lo um fanático
e maníaco, como esses que, de vez em vez, aparecem nas cidades, pregando e
curando as multidões sugestionadas. Nem todas as hipóteses são falhas de
fundamentos razoáveis e umas mais, outras menos, se baseiam em interpretações
de documentos, estudos e pesquisas fastidiosas.
Assim é tudo o que os homens dizem! Em que hás tu de acreditar?
Talvez não me saiba compreender o leitor quando lhe digo, em
consequência, que é mais razoável crer no que SENTE uma preta velha, de vestido
remendado, mas com o coração cheio de bondade e de ternura, do que naquilo que DIZ
o homem solene e encasado das academias.
A serenidade da vida e da consciência seja, talvez, mais que o cérebro,
o caminho das verdades.
Não sou absolutamente religioso. Não pertenço a nenhum centro espírita,
não frequento sessões, e nem li ainda o Evangelho de Allan Kardec. Como homem
de estudo, creio, apenas, na realidade dos fenômenos metapsíquicos, e suponho,
com bastantes razões, que a interpretação espírita parece ser a mais provável.
Se eu saúdo esta novel Ciência, ainda desprezada pela cultura oficial, e
que levará os homens a alterarem suas antigas concepções a respeito do Universo
e da Vida, - é, em primeiro, porque ela é uma realidade, e, em segundo, porque
corresponde a uma necessidade do espírito humano nesta época de crueldade e
barbárie.
Nada mais solicito ao leitor senão a investigação serena da Verdade. E,
se algum dia eu me convencer de que estou errado, retificarei meu julgamento
com a mesma sinceridade de hoje.
E ao que me ler nada mais desejo, como amigo seu que me considero, que
tenha, um dia, a satisfação que sinto, agora, de cumprir um dever de justiça e
de fraternidade.
Nada tenho a retirar do que foi escrito, e, felizmente, continuo a
afirmar o que afirmara.
Sei que alguns leitores fizeram restrições ao livro: estranharam, embora
louvando minha sinceridade, que eu concluísse pela existência de “espíritos”,
isto é, pela nossa sobrevivência, baseado apenas em leituras e em investigações
alheias, porque de fato, como o confessei, até então, àquela data, eu muito
pouco ou quase nada presenciara.
Não me arrependo do que disse. Já expus, na primeira edição, a
justificativa das minhas conclusões, que, à primeira vista, parecem apressadas.
Mas muitas vezes se atinge a verdade mais pela intuição, ou pela reflexão
serena, do que através de longo e paciente trabalho. de pesquisas pessoais. A
História do progresso dos conhecimentos humanos demonstra que grandes
descobertas se realizaram por esse processo mental e que a experimentação veio
depois, como imperativo ulterior, somente para confirmar o asserto das verdades
enunciadas.
Acrescento ainda, repetindo o que escrevi, que se tem o direito e que
não se erra meditando e concluindo sobre experiências e práticas alheias, desde
que estas sejam rigorosamente científicas, verídicas e idôneas. Se noutro setor
qualquer de Ciência – a Química, por exemplo – conhecem-se teoricamente as
fórmulas dos corpos e as suas propriedades, poder-se-ão criar novas combinações
moleculares, e mesmo afirmar de antemão os caracteres dos novos corpos e
estabelecer hipóteses, princípios e leis, sem que para tal seja indispensável
todo o aparelhamento necessário à execução prática dos nossos raciocínios. Para
asseverar que a Terra é redonda, ninguém a experimentou. A sua circum-navegação
provou apenas a razão dos que afirmaram o que, naquele tempo, aos ouvidos do
público, e mesmo dos sábios, foi uma heresia ou um contra senso.
Quando afirmei que eu nada vira até a data em que escrevi o presente
livro, eu previa as restrições que fatalmente lhe fariam. Timbrei, porém, em
expor as minhas conclusões, por uma questão de honestidade, e porque nem eu, e
nem ninguém, nos devemos encastelar no orgulho de só querermos admitir o que
presenciamos ou a que assistimos. Isto equivaleria a nos considerarmos os
únicos honestos e idôneos, o que significaria, naturalmente, uma pretensão
exagerada e até mesmo ridícula. Além disso, dada a relatividade e a fraqueza
dos nossos sentidos corporais, limitadíssimos em suas percepções, concedo,
muitas vezes, mais valor ao raciocínio e à razão do que aos ouvidos e aos
olhos.
Quando, antes de iniciar qualquer investigação, estudei Metapsíquica
teoricamente e li, também, as interpretações espíritas dos fatos, fi-lo propositadamente
como um método de trabalho. As primeiras leituras sobre o assunto, anteriores a um
plano de estudo, já me haviam mostrado que eu estava em presença de fatos, de
tal importância, tão bem testemunhados e provados, tão difíceis de uma
explicação conjunta a todos eles, que o aconselhável seria, antes de abordá-los
na prática, possuir um conhecimento teórico da questão, o mais completo possível...
Se eu fosse começar a minha jornada pela parte eminentemente prática, eu, ainda
hoje estaria estacionado, sem me permitir alguma conclusão, à espera ou à
procura de médiuns de materialização ou de fenômenos mais raros. Minha intenção
era, portanto, de munir-me, mentalmente através da leitura e da reflexão, dos
conhecimentos necessários, do cabedal de outros pesquisadores mais atilados do
que eu, e só depois, já com acervo apreciável de hipóteses, de interpretações e
de fenômenos incontestáveis, procurar, na prática, a reconfirmação dos fatos,
e, também, evidentemente preferir essa ou aquela interpretação, materialista ou
não, já que me sabia incapaz de criar uma hipótese original ou uma nova teoria
explicativa. O material de estudo, entretanto, foi tão abundante e sugestivo,
tão cheio de revelações, que não precisei entrar no terreno experimental para
concluir pela certeza da existência e da sobrevivência de um princípio
espiritual no homem.
Mas não há motivos que justifiquem considerações mais longas em torno
daquela afirmação, que a tantos, pareceu precipitada e precoce. Passaram-se cinco
anos. Prossegui, durante esse período, a tarefa planificada. Não o fiz, talvez,
com a intensidade projetada anteriormente, porquanto já chegara a conclusões,
que só não qualifico de inabaláveis e definitivas porque, em terreno algum, nos
podemos permitir convicções tão absolutas. Realizando, porém, a segunda etapa
dos meus planos de trabalho, procurei investigar praticamente, tanto quanto
possível. Assisti a muitos fatos e fenômenos e deles dou testemunho como
investigador consciente, isento de paixões e opiniões preconcebidas. Todos eles
vieram confirmar o que eu dissera.
Através de sessões caseiras, da realização dos fenômenos de vidência, de
clariaudiência, de escrita automática, de incorporações, do registro e controle
dos diagnósticos e terapêuticas indicadas pelos “espíritos” desencarnados, e
por enorme série de pequenos fatos que eu analisava, procurando dar-lhes a interpretação
mais plausível, consolidei as minhas, conclusões, anteriores, até então
fundamentadas apenas na descrição das investigações alheias.
Não pretendo descrever aqui, nem caberia nas dimensões deste adendo à
primeira edição, quaisquer minúcias a respeito das minhas investigações. Se as
publicar, há de ser em obra especial que requererá, logicamente, muito maior
número de páginas.
O objetivo deste pequeno trabalho, agora em segunda edição, não foi o de
provar as minhas afirmações, o que seria impossível em tão sucinto espaço.
Apenas pretendi chamar a atenção sobre os fatos metapsíquicos ou espíritas ou,
por outras palavras, convidar o leitor, que fosse curioso, a refletir e a
meditar sobre questão tão transcendental, procurando desenlear-se de certos dogmatismos
e princípios pré-estabelecidos. Seria como que uma insinuação para que
assumisse atitude mais receptiva a quaisquer ideias ou fatos novos, rejeitados ou
desprezados pela Ciência Oficial, sempre morosa e tardia.
A aceitação de novas conjecturas filosóficas ou, pelo menos, o
assentimento à possibilidade de transformações em nosso modo de viver, pensar o
sentir, não dependem de maior ou menor grau de inteligência. Há, por exemplo,
gênios espiritualistas e há gênios materialistas, assim como também há
ignorantes e broncos em polos filosóficos antagônicos. A posição mental do
homem depende de princípios, da formação educacional, do ambiente profissional,
de sentimentos íntimos, das mais diversas influências e da necessidade de
muitos indivíduos se ampararem numa filosofia que os guie e lhes dê uma posição
definida e determinada norma de ação no caminho difícil da vida. Todos os que têm
esse mérito - o de não quererem viver desordenadamente, o de procurarem
harmonia e coerência nos seus pensamentos e ações - são, entretanto, inconscientemente
sectários em relação às outras filosofias e aos pontos de vista do próximo. O
receio de vacilarem e de perderem a fé naquilo que, certa ou erradamente,
acataram como sendo a Verdade, torna-os desconfiados em demasia diante das
opiniões alheias e excessivamente amarrados à filosofia que cultivam. Tudo isso
lhes dificulta, sem dúvida, a compreensão, estiola a boa vontade dos que lhes querem
predicar, e não deixa de ser um entrave à realização do progresso humano.
Este livro continua a apresentar-se como um convite ao estudo da
Metapsíquica Humana. Não é um aceno à Religiosidade. Que cada um, neste
terreno, siga o seu próprio caminho.
Ainda duas palavras aos que se interessarem por este assunto e quiserem esclarecer-se:
O estudo da Metapsíquica, ou dos fenômenos chamados “espíritas”, é muito
vasto. Praticamente, é quase ilimitado. O maior incentivo do estudioso é indubitavelmente
a curiosidade, já que as conclusões a que chegar condizem com o seu futuro e
com o seu destino. Dificilmente será um estudo unicamente objetivo e despido
das inclinações pessoais. A ânsia de conhecer toda a verdade faz que a maioria
dos que penetram neste terreno, a princípio tão cheio de mistérios e enigmas,
queiram presenciar tudo duma vez, e achar, à viva força, fatos e fenômenos que
lhes permitam uma opinião definitiva. Não será assim. Julgo muito preferível, como
já afirmei, estudar inicialmente as explicações existentes, a fim de que, com
mais facilidade, possam entrelaçar-se os efeitos às causas. Se começarmos pela
investigação prática, surgir-nos-á seguramente a impossibilidade de
encontrarmos à nossa disposição todo o material necessário para realizarmos o
estudo completo da Metapsíquica. Provavelmente, apenas uma fração dos fatos
existentes será presenciada. Ora, cada fato, ou cada qualidade de fenômenos,
considerados isoladamente, podem, muitas vezes, ter uma explicação
satisfatória, diferente de outra. Seguidamente se interpreta um acontecimento
metapsíquico, ou mais de um, de maneira que se julga bastante razoável e que
nos parece dar a chave de toda a fenomenologia espírita. Mais tarde, porém, um
só fato de outra natureza põe por terra a explicação anteriormente arquitetada.
O aconselhável é, portanto, conhecer a teoria, as hipóteses e as investigações
realizadas, fora da nossa vista, por pessoas ou centros de estudo capazes e
idôneos. É um material de reserva, que nos vai servindo, esclarecendo-nos,
poupando-nos raciocínios e ajudando-nos na seleção e na elaboração de possíveis
interpretações. Com este cabedal de conhecimentos, poderemos, então, iniciar as
nossas investigações pessoais. Caso contrário, seria nós, sozinhos, querermos
erigir uma ciência nova e, sozinhos, pretendermos achar um fio para penetrar
nos grandes problemas da vida e do Universo.
Suponho que tenha dado um conselho salutar, sensato, que evitará ao
estudioso esmorecer-se diante da tarefa gigantesca de querer, insuladamente, interpretar
todos os fenômenos do Espiritismo.
A Metapsíquica e os conhecimentos que dela advirão, não há que duvidar,
revolucionarão as nossas concepções a respeito do homem como indivíduo e do
homem como parte integrante do todo social. Talvez tenhamos de esperar algum
tempo. As condições materiais em que vive o homem, nesta etapa de civilização,
dificultam enormemente a sua ascensão espiritual e moral. Em relação à
sociedade, acontece o mesmo que ao indivíduo. Assim como este, dominado ainda
pela força bruta dos instintos, ou obrigado a viver de forma excessivamente
utilitária, com a mente voltada, por injunções da época, para a luta pela subsistência
ou por maior conforto, não pode ter lazeres, nem ponderação e calma para
estudar, meditar e analisar os problemas menos ligados ao mecanismo da sua vida
cotidiana, assim também a sociedade, nesta fase da sua evolução, regida pela imperiosidade
das condições e formas de produzir, trocar e consumir utilidades, não tem
possibilidades reais de se elevar para concepções mais altas e menos materiais.
É um imperativo da época e das condições em que vivemos e em que nos agitamos
desordenadamente.
Esta fase passará quando se alterarem para melhor as condições
econômicas e sociais. A sociedade será, então, compelida a olhar de perto e a considerar
cientificamente, sem dogmatismos e sem prevenções, os fatos e os fenômenos de
que tão resumidamente me ocupei no presente trabalho.
Esta nova Ciência, ao primeiro relance meramente especulativa, quando for
bem compreendida, influirá poderosamente na formação da futura filosofia
humana, abrindo perspectivas de conforto, de paz, de progresso e de harmonia
social, incitando a humanidade a que caminhe resoluta, destemorosa de
intransigências sectárias, para um novo regime social, mais científico, mais
cristão e que facilitará ao homem a compreensão de muitas verdades a respeito
da sua vida, do seu destino e da sua finalidade no Universo.
Mario Escobar Azambuja
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário