Ontem e hoje
por
Wantuil de Freitas
Reformador
(FEB) Abril 1943
Segundo várias comunicações recebidas
em ocasiões e lugares diversos, de elevados Espíritos a serviço da verdade
divina e recebidas do próprio Judas, este infeliz apóstolo, que tão
desastradamente faliu na missão que com instancia solicitara, conseguiu, depois
de múltiplas encarnações sofridas através dos séculos, reparar todo o seu
passado de triste memória, transformando-se, afinal, em Espírito de luz, digno
de volver a ocupar o posto que deixara vago no Colégio Apostólico, a sentar-se
no trono de onde devera estar de há muito, como os seus companheiros de
apostolado, exercendo o governo de uma das doze tribos de Israel, conforme a
palavra evangélica. Tornou-se, em suma, digno do amor de N. S. Jesus Cristo
que, com a consciência plena da sua missão redentora, por mais de uma vez
afirmou que nenhuma se perderia das ovelhas que o Pai lhe dera para apascentar.
Tendo pago a sua dívida até o último centil,
como o exige a Lei; a ovelha que tão gravemente desgarrara, havendo alijado de
si o pesado fardo da ambição que tantas desgraças lhe ocasionara, voltou ao
aprisco, perlustrando a estrada das tarefas e missões humildes e dolorosas e elevando-se
assim, gradativamente, aos olhos daquele que nunca deixara de o amar com entranhado
amor.
Judas passou à História como símbolo da
Traição. Só agora, decorridos quase dois milênios, graças à revelação espírita,
os fatos se nos apresentam claramente compreensíveis, através de mensagens
explicativas de Espíritos que foram seus contemporâneos e que, certamente com o
propósito de nos advertirem, a nós que tivemos a felicidade, como aquele
apóstolo, de conhecer o Cristo, na sua excelsitude espiritual e na
grandiosidade do seu messianato, de que os tempos atuais são semelhantes, senão
idênticos aos desse messianato e que, portanto, muito nos devemos precatar,
para que não tenhamos de passar pelas mesmas dores e sofrimentos, pelas mesmas expiações
e provas, a que se condenou o mesmo Judas, pelo seu desvario. Dizem-nos as
mensagens ou comunicações a que aludimos que ele foi vítima da sua tresloucada
ambição. Espírito inteligente, de grande desenvolvimento intelectual,
ambicionou constituir-se elemento de alto prestígio social, capaz de resolver o
problema do seu povo e de alça-lo a uma posição de completo domínio político.
Não concordava, pois, com a mansuetude, a
humanidade e o desinteresse do Mestre, com a sua preferência pelo convívio dos
pequeninos, dos párias, dos oprimidos, dos que os grandes e poderosos
exploravam, entendendo que tudo isso obstaria sempre a que o Senhor ascendesse
ao fastígio a que ele, Judas, o julgava com inconcusso direito. Achava que,
pela força moral que demonstrava, pelo poder seria precioso elemento para que
ele, seu apóstolo, realizasse a conquista da posição de destaque e de mando com
que sonhava.
Absolutamente certo daquela força e daquele
poder, quando julgou azado o momento, cuidou de evidencia-los para quantos
ainda de uma e outro duvidavam e, sobretudo, para os que dispunham de toda a
força e de todo o poder materiais – os fariseus, os escribas, os doutores da
lei, os anciãos do povo. Preparou então a ocorrência do Horto de Getsamani,
onde contava que o Mestre se demonstraria capaz de dominar a todos os que pretendessem
tolher-lhe os passos.
Indubitavelmente, Judas não necessitava dos
trinta dinheiros do seu trato com os príncipes dos sacerdotes. Que valor teria
essa importância pecuniária, para ele que era o depositário do dinheiro da
comunidade? O que queria, o a que visava era guindar-se ao mando máximo. Essa
ideia o obsidiava e fazia imaginar que Jesus não se entregaria e consentiria em
ser proclamado Rei da Judéia; que lhe daria a ele o posto de seu primeiro
ministro, investido, de modo absoluto, na direção política do país.
Logo, no entanto, viu que se enganara
redondamente, que nada do que concebera se realizava, que nada mais fizera do
que sacrificar o Mestre amado ao ódio dos seus piores inimigos e perseguidores.
Caindo então em si, foi presa de pavoroso remorso do mal que a sua ambição o
levara a praticar contra aquele que tantas provas de amor lhe dera, depois de o
haver admitido na companhia dos seus escolhidos. Desvairado, pois, alucinado,
com a razão inteiramente obliterada, novo crime cometeu, maior talvez do que o
primeiro, visto que, em face das letras divinas, acarreta consequências bem
mais aflitivas e prolongadas do que qualquer outro, visto que se estendem quase
sempre por múltiplas encarnações sucessivas.
Ora, pensando nesses acontecimentos, em que
foi saliente protagonista o Iscariote, cuja ambição de poder e mando o fez
perder o muito que havia recebido, à mente nos vem o que se passa nos dias de
hoje, em que o Cristo nos envia, conforme prometera, o Consolador, para relembrar
e ampliar os seus conhecimentos. E o temor nos assalta, enchendo-nos de
tristeza e amargura o espírito, de que também agora surjam, como
desgraçadamente parece que já vai acontecendo, personalidades quais a do
apóstolo que traiu, com ambições semelhantes às que o cegava, dominados
igualmente pelo personalismo, pela vaidade, pela presunção, a quererem, na sua
cegueira, valer-se do Espiritismo para se colocarem em evidência, não só entre
os companheiros que, por menos cautos, lhes sancionam, sem ponderação maior, as
atitudes, senão ainda entre os profanos, induzindo-os a supor que o Espiritismo
é uma seita, como tantas outras, onde o que domina é a política religiosa,
servindo o Evangelho apenas como entorpecente espiritual, empregado em doses
adrede preparadas convenientemente. Aflige-nos a possibilidade de que tal se
dê, porque esses as constituirão assim, sem disso muitas vezes se aperceberem
por falta de vigilância e oração, elementos de perturbação e discórdia, de
desarmonia e separatividade, num meio onde tudo deve ser união, bonomia,
fraternidade e benignidade, já que ainda não poder ser amor.
Lamentabilíssimo que tal aconteça, como
lamentável foi o ato irrefletido do ambicioso irmão que supôs fácil utilizar-se
do Cristo para execução de seus projetos de criatura falível, ainda carente do
espírito da doutrina que lhe era pregada e exemplificada, ainda bem longe de compreender,
em espírito e verdade, as palavras daquele que se dizia, que era e será sempre –
Caminho, Verdade e Vida.
Lamentabilíssimo sim, porque esses tais se
condenarão a mais longa, penosa e árdua caminhada, para atingir a meta que
todos havemos de alcançar, chegarão, como chegou o filho de Iscariote; de que
todos um dia nos reuniremos, pela misericórdia do Pai, em torno do Pastor
divino, como se reuniu Judas aos onze companheiros que haviam assumido para com
o mesmo Pastor.
Essa certeza não somente no-la dá a revelação
atual, em seus desenvolvimentos da revelação anterior, como o próprio Judas,
nas suas comunicações ou mensagens, dentre as quais destacaremos, pela sua
tocante beleza e expressividade, a seguinte, que se encontra à pág. 392, do
terceiro volume da grandiosa obra – “Os Quatro Evangelhos”, de J. B. Roustaing:
“Segundo as explicações que os homens deram
desses fatos (os da traição), Judas houvera sido de antemão, escolhido e
entregue ao “demônio”; fora criado para cometer o crime que praticou; sua alma
fora vil, baixa, invejosa, cúpida, sanguinária, unicamente para que se cumprissem
as profecias do Antigo Testamento. Quão manifesta, entretanto, é a justiça de
Deus no ato do Espírito presunçoso, que pede para cooperar na grande obra e
que, apesar de todas as observações, de todos os conselhos, se obstina em levar
por diante a orgulhosa tentativa, confiando mais na sua presunção, do que na
presciência daquele sob cuja inspiração seus guias lhe declaravam: Tu vais
falir. Quão patente se mostra, ao mesmo tempo, naquele ato, a mão paternal sempre
estendida para o filho indócil, a fim de o levantar após a queda, que lhe
serviria de ensinamento e lhe faria germinar no coração a salutar humildade,
que aí até então não encontrara acesso!
Oh! Como é grande esse Deus que permite que o
filho culpado encontre, na sua própria indignidade, o ponto de apoio que o
ajudará a subir para a perfeição! Oh! Quanto é bom aquele que está sempre
pronto a perdoar ao que sinceramente se arrepende, que pensa com suas mãos
benfazejas as chagas dos nossos corações culpados, que nelas derrama o bálsamo
da esperança e as cicatriza com o auxílio da expiação!
Bendito sejas tu, meu Deus”
Nenhum comentário:
Postar um comentário