Em Espírito e Verdade
por
H. Rohden
Ed.
‘Apoio da Boa leitura’ - Caxias (RGS) -
1941
Pai! Eis aqui teu filho, que pela graça santificante geraste para a vida eterna.
Pai! Eis teu filho, pronto a cumprir
as tuas ordens.
Pai! Queres-me em tua casa – ou permitirás que
eu habite eternamente no cárcere guardado por teu inimigo?
Pai nosso, pai de todos os homens, e
não apenas pai meu – se é que formamos uma grande família de irmãos, não é que
devemos dar as mãos uns aos outros irmãmente?...
A que vem, pois, que veem esses
ódios de indivíduos e de classes que reduzem a um inferno de Satã a tua família
humana?...
A que vem essas armas mortíferas que
ouço troar em terra, mar e ar?...
A que vem essa execração de raças, e
essa guerra de credos, quando uma só é a humana natureza, um só o sangue
redentor de Cristo, um só o supremo destino que a todos aguarda?...
Pai nosso, que estás no céu – bem
sei que estás em toda parte, presente dentro e fora de mim; mas espero ver-te
um dia, não já pelo espelho e enigma da fé, mas, sim, face a face, assim como
és – e será isto o meu céu...
O céu és tu, meu Pai, onde quer que
estejas, onde quer que eu esteja; o céu é a intuição da tua natureza, é a posse
do teu Ser, é a submersão da alma nas infinitas profundesas da tua divindade e
beatitude...
O “eterno descanso” em teu seio, meu
Pai, é a definitiva quietação da agulha magnética de minha alma, que deixou de
oscilar irrequieta, porque encontrou o seu norte e sintonizou todas as suas
ondas com a onda da tua divina essência...
É esta a prece universal da Natureza...
Por que traçam os corpos sidéreos as
suas gigantescas elipses pelas vias inexploradas do cosmos?
Por que se sucedem em gratas
vicissitudes as quatro estações sobre a face da Terra?
Por que se sucedem em gratas
vicissitudes as quatro estações sobre a face da Terra?
Por que cintilam, na excelsitude do
firmamento, a via-láctea e o arco-iris?
Por que se ornam de festivas galas
as campinas e os prados, as montanhas e os vargedos?
Por que se agitam em epopeias de
vitalidade terra, mar e ar?
Para santificar o teu nome, Senhor
do Universo, para celebrar a grandeza do teu poder, a profundidade do teu
saber, as ternuras do teu amor...
E como poderia o homem, rei da
criação, deixar de acompanhar esse epinício cósmico, traduzindo em homenagem
consciente a inconsciente apoteose da Natureza?
Por que não cantaria o homem as
glórias da Redenção, mil vezes mais brilhante do que todas as maravilhas do
mundo material?...
Por que não exultaria o cristão à
luz divina da fé, da graça, do amor, de inefável beatitude?...
Por que não seria a vida do redento
um imenso Te Deum de gratidão e de amor?...
Santo, santo, santo é o Senhor, Deus
dos exércitos... Os céus e a Terra estão cheios da sua glória... Hosana a Deus
nas alturas!...
O reino que não é deste
mundo (Mt. 6:10)
Pai... venha o teu reino!
***
O teu reino, meu Pai! De infinitas
saudades me enchem a alma estas palavras...
Há longos decênios que estou à
procura do teu reino – e quase só encontrei o reino de Satã...
O teu reino, meu Pai, está no mundo,
mas não é do mundo...
É o reino da verdade e da vida...
O reino da justiça e da paz...
O reino da fé e do amor...
O teu reino é o reino da manjedoura
e da oficina, o reino do cenáculo e da cruz...
O teu reino não terá fim – dizia o
anjo a Maria.
Lembra-te de mim, Jesus, quando
entrares no teu reino – suplicava o ladrão penitente.
O reino de céu é semelhante a um tesouro – dizia teu
filho.
Mas o teu reino não é da natureza
desses reinos pueris que os homens inventaram, reinos sustentados por espadas e
canhões, por cadáveres humanos e lágrimas de viúvas e órfãos.
O teu reino repousa sobre as
potências da razão e do amor.
Se a mim vier o reino do teu amor,
irradiará de mim o reino da caridade cristã.
Se na alma humana vigorar o reino do
teu Evangelho, cantará na sociedade, na pátria e no mundo inteiro o reino da
paz, da justiça, da harmonia universal.
Venha o teu reino, meu Pai!...
Pai... seja feita a tua vontade, assim na
Terra como no céu.
(Mt. 6:11)
É esta, meu Pai, a mais dolorosa de quantas preces já
balbuciaram meus lábios...
Seja feita a tua vontade...
O triunfo da tua vontade é a derrota
da minha – e a minha vontade sou eu, é a alma da minha vida, é a vida da minha
alma...
Que será de mim, se se realizar esta
petição?... Se tua vontade suplantar a minha? Parece-me quase um suicídio do
próprio Eu.
A minha vontade é o meu céu.
É o mais querido de todos os meus
ídolos.
É o último dos meus fetiches a que
renuncio.
Minha vontade é a menina dos meus
olhos, é o sangue do meu coração, é a quintessência do meu Ser.
Entretanto, meu Pai – seja feita a tua vontade!.. à
custa da minha...
Reduzirei a cinzas, sobre a ara da
tua vontade, o holocausto do meu querer...
Toma, Senhor, e recebe a minha
inteligência, a minha vontade, a memória, a fantasia, o coração, os sentimentos
– toda a minha personalidade.
Por entre as angústias mortais dos
meus Getsêmanes – seja feita a tua vontade!
Por entre os impropérios dos meus
Gólgotas – seja feita a tua vontade!
Seja este o derradeiro suspiro dos
meus lábios moribundos: faça-se a tua vontade meu Pai!...
Fiat... fiat... fiat...
Pai... o pão nosso de cada dia nos dá
hoje! (Mt. 6,12)
Bem sei que nem só do pão vive o
homem, mas também não vive sem ele...
Pelos lábios de teu filho dileto eu
te suplico – o pão de cada dia.
Não te peço riqueza nem pobreza –
peço-te apenas o necessário para o sustento de cada dia.
Sei que tanto o demais como o de menos
pode ser um entrave no caminho do meu destino.
A abundância dos bens terrenos me
faria esquecer que sou peregrino e viajor em demanda da pátria longínqua.
A penúria do necessário me encheria
de preocupações materiais e não me daria o necessário sossego para atender às
coisas do espírito.
Por isso, meu Pai, peço-te apenas o
pão de cada dia.
Mas dá-me também o pão do espírito,
pois que nem só de pão material vive o homem.
Dá-me o pão da inteligência, para
que eu possa apreciar as maravilhas de tua criação, as obras primas da humana
inteligência e, sobretudo, as grandezas do teu Evangelho.
Dá-me o pão da alma, a fé, o amor, a
graça, a felicidade, para que chegue, são e salvo, ao termo da minha
peregrinação terrestre...
Pai... perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós perdoamos aos nossos devedores! (Mt
6:13)
A dívida que tenho contigo é imensa
– o que os outros me devem é ninharia.
Estou insolvente, meu Pai – Se não
me dispensares do meu débito, terei de abrir falência moral diante de ti...
Tudo o que tenho não passa de
valores negativos, dinheiro falso – e o que tenho de positivo não é meu, são
bens emprestados por ti.
Mas, lembra-te, Pai, que os meus
pecados são pecados de ignorância e de fraqueza e não de perversidade.
Por isso te pediu teu Filho na cruz:
Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem...
E que outra coisa seriam as ofensas
que de meus semelhantes recebo, senão fruto da ignorância, da fraqueza, de
mal-entendidos?
Como posso esperar de ti o perdão
da minha grande dívida, se não quero perdoar a meus irmãos os seus pequenos
débitos?
Perdoarei – para ser perdoado...
Três legiões adversas
Pai... não nos induzas em tentação! (Mt 6:13)
Aquele preclaro espírito que se
rebelou contra ti e que sua justiça relegou ao abismo da dor eterna, não cessa
de andar pelo mundo, qual leão a rugir, procurando devorar as almas.
O mundo profano me entra na alma
pelas portas dos cinco sentidos e enche de ídolos o santuário do meu interior.
O meu próprio Eu, contaminado pela
queda original, me arrasta às imundas baixadas de Sodoma, donde desertou o
teu espírito, meu Pai.
Assim é que vejo constantemente
assediada a praça forte da minha vontade por essas legiões adversas.
Três inimigos me agridem ao mesmo
tempo: um cerca-me de todos os lados; outro surge de incógnitas profundezas; e
o terceiro, pior de todos, está oculto dentro do próprio baluarte da minha
natureza...
Fossem apenas hordes externas, e eu
talvez me defenderia contra seus ataques – mas como posso defender-me dessa
“quinta-coluna” da minha própria natureza inclinada ao mal?
Só a tua graça, meu divino Aliado,
poderá garantir-me votória no meio de tão horrível peleja.
Sei que não serei coroado se não
lutar legitimamente – mas, rogo-te, meu Pai, que não me desampares na luta
contra meus e teus inimigos...
Faze da tentação elixir de novas
energias – para derrotar os adversários da minha salvação...
Males
Pai... livrai-nos do mal! (Mt 6:13)
Não dizem os livros sacros que era
bom tudo quanto criaste? e que era muito bom o homem que formaste?..
Quem foi que criou o reino das
trevas? o reino da dor? o reino do crime?..
Algum deus mau, perverso, satânico?..
Assim pensam muitos daqueles que não compreendem o teu mundo tão imundo...
Existem os males físicos, porque é deficiente toda a
matéria. A imperfeição é inseparável atributo da matéria.
E onde existe imperfeição existe a
possibilidade do mal, da dor, do sofrimento.
Tu não criaste os males morais, meu Pai, os pecados, os crimes,
as infâmias do homem – mas deste ao homem o livre arbítrio – e onde existe a
liberdade existe a possibilidade do mal moral.
Preferiste criar um mundo
possivelmente mau a não criar um mundo provavelmente bom.
O livre arbítrio é a chave do céu e
do inferno – e tu entregaste esta chave ao homem, e dele é o uso ou abuso da
sua liberdade.
Não queres o mal moral, mas não o impedes, porque não
destróis a liberdade que deste, e de todos os venenos da humana malícia sabes
fabricar o remédio salutar para as nossas almas, ó divino Alquimista!
Na escola do sofrimento educas as
almas para o seu destino eterno...
No caminho da dor purificas das
escórias o espírito, depuras o ouro de lei dos teus santos...
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