“Dir-vos-ei uma coisa: podem eventualmente existir na terra espíritos que tenham revestido essa aparência, e que são tomados por homens...
São casos raros. Deles tendes
exemplos na Bíblia.”
O Espírito de S. Luís
(“Revue Spirite”, 1859 pág.
39)
“O Cristo
de Deus”
por Manuel Quintão (Ed. FEB – 1930)
Dos varões nascidos de mulher, nenhum maior que João Batista
É curioso, realmente, esta exegética
tendenciosa e sistemática!
Toma-se um conceito desta
profundeza, isolam-se lhe as premissas, calam-se os antecedentes que o
provocaram e resolve-se de maneira simplista a questão: - era a modéstia que
ditava aquelas palavras.
Convém, contudo, ser menos perfunctório e, para bem
aquilatar da modéstia d’Aquele que também se afirmara “A Verdade”, considerar o
versículo 10 do Cap. XI de Mateus, do qual se originou a assertiva do Divino
Mestre, a saber:
Não só diante de Pedro o Divino Mestre transigiu,
tergiversou com essa presumida “modéstia”, deixando-se firmar-se na consciência
dos que o ouviam a noção da sua hierarquia extra mundana, com vistas ao futuro.
Nada obstante, ao invés de corrigir
ali mesmo o provocado testemunho do apóstolo da Fé, que lhe disse o Mestre?
Mas, reconsiderando a assertiva do
Divino Mestre em relação à personalidade do Precursor, convém não perder igualmente
de vista as palavras deste mesmo Batista, quando Aquele se lhe apresentou às
margens do Jordão:
Assim sendo, não se pode, sem eiva
de parcialidade, excluir do problema o método sintético, para abranger o
problema do conjunto.
Ora, quem estuda os Evangelhos e
pretende neles e por eles conhecer a origem, a vida e a finalidade do Cristo de
Deus entre os homens, para logo sente perpassar naquelas páginas algo de
grandioso e extraordinário, que seria contraditório e pueril, quando não inexpressivo,
uma vez retirado o sentido oculto.
A Anunciação, a Visitação de Isabel,
a Concepção, a Vida e Feitos, como a Morte e Ressureição de Jesus, são
fenômenos que se não podem relegar para o domínio das fábulas, nem como fábulas
resistiriam ao racionalismo de vinte séculos estruturando a evolução mental e
consciencial da Humanidade até os nossos dias, a despeito de todos os erros e
desvarios praticados à sua sombra.
O Cristianismo decalcado no
maravilhoso foi, é e será o pábulo da Humanidade, como para justificar que o
legado era verdadeiramente divino para todos os tempos.
A essa conformidade basilar pretende-se,
agora, opor a opinião de um outro qualquer Espírito desencarnado, em plenários
de restrita espiritualidade, a priori dispostos com fins particularistas, para
resolver ou decretar a Verdade.
Ora, a coisa mais sabida é que a
afinidade mental é uma lei indefectível, à qual não escapam os Espíritos, que
levam para o plano da
vida etérea a sua mentalidade com todos os erros e prejuízos do nosso mundo.
Dizer-se, por exemplo, que João, o
Evangelista, ou João, o Precursor; veio pelo médium Hugo d’Alessi firmar
doutrina incontroversa, é simplesmente insinuar que a Verdade, no caso e para o
caso, não dependia de Kardec, que não sentenciou na lide, nem dos Espíritos que
o assistiram, e não deram, no curso de toda a sua tarefa, opinião definida a
respeito.
O critério de autenticidade que o
divulgador da Boa Nova atribui a essa comunicação é interessante e merece
transcrito e comentado:
(1) “Jesus de Nazaret” – Honório Rivereto
Outro Espírito, não diremos mistificador, mas imbuído das mesmas
ideias do seu auditório, não poderia deliberadamente tracejar o retrato e dar
em seguida aquela comunicação...
De outra forma falasse ele,
dissesse, por exemplo, que Jesus não veio em carne – porque nem toda carne é a mesma carne – e seria um intrujão sem
honras de cita na galeria de “La Survie”.
Perfilhado o critério das opiniões
singulares, não uma, porém dezenas e até centenas de comunicados apontaríamos,
confirmativos da teoria do corpo fluídico.
E tomados, e recebidos, seja dito, em circunstâncias
fortuitas, que são, in partibus, elementos de credibilidade.
A esse recurso preferimos consignar
a consagração de verdadeiras obras compactas e complexas, vazadas do plano
espiritual, a indiciarem contexturas solidíssimas do postulado em equação.
Leia-se, por exemplo, Bittencourt
Sampaio (2), em obra mediúnica, que lhe
ressumbra o estilo e a personalidade inconfundível:
Pois saibam que se trata de obra não
esporádica mas predita em comunicação espontânea, inserta no livro “Trabalhos
Espíritas” pelo Dr. Antônio Luiz Sayão.
Eis como os signatários da
apresentação da obra de Bittencourt Sampaio, todos confrades integérrimos,
encabeçados pelo venerando Dr. Bezerra de Menezes, se referem ao fato:
E
para a obtenção de tão auspicioso desideratum prometeu ditar um livro, em que
se apresente aos olhos da Humanidade a Imagem de N. S. Jesus Cristo, perante a
história do Cristianismo.”
Não se trata, como vemos, de ligeira mensagem oportunista, dessas que, com foros de autenticidade, sem fundamentos lógicos, despidas de senso crítico-filosófico, dadas antes para lisonjear opiniões humanas preconcebidas, em estilo contencioso e autoritário, correm mundo a suscitar dissídios e prevenções à maioria dos crentes, desatentos ou simplesmente desapercebidos para a conspecção das finalidades superiores da Doutrina, que são de ordem divina e, como tais, transcendentes ao senso comum.
Trata-se, ao contrário, de uma obra
da cerrada exegese, decalcada, esmerilhada e sustentada com os próprios textos
evangélicos. Do seu mérito, mais alto ainda que a idoneidade moral e
intelectual dos que a receberam e aceitaram, falam dos óbices que suscitou, as
lutas que desencadeou, porque verdade também é que os grandes princípios não se
firmam nem se ampliam, que na Terra, quer no Espaço, sem hostilidades e sem
atritos.
O pensamento, o objetivo precípuo do
seu autor ressalta, ali, de uma evidência meridiana quando se fala de restabelecer e firmar a puríssima doutrina
evangélica.
Sim, absolutamente. Quem não vê,
quem não sente aí sintetizado todo um programa atinente à Terceira Revelação,
vital por excelência?
Sim, porque a verdade é que Allan
Kardec, estruturando a doutrina codificada no Cristianismo, não nos deu dos
Evangelhos, em suas obras, senão a parte moral, aquela que, já consignada e
resumida no Decálogo, não pudera suscitar ataques e controvérsias.
Ou porque os Espíritos prepostos não
lho denunciassem, ou porque ele mesmo, no seu critério de homem, como todo
homem sujeito a prejuízos contingentes de tempo e meio, julgasse inoportuno ou
prematuro, a verdade é que não abordou nem solucionou as Escrituras no que elas
têm de substancial e transcendente, isto é – as questões de origem e fins,
aquelas mesmas que engendraram a divinização do Filho do Homem.
Mas verdade é que ele, Kardec, se
não afirmou, também não negou, de modo claro e absoluto, a hierarquia
extraterrena do Filho de Deus.
E o que fizesse, desautorizando-se a
si próprio na afirmativa de que a Doutrina dos Espíritos é progressiva no tempo
e no espaço, não fora isso motivo para violentarmos e a consciência e repelir
sistematicamente as vozes que da outra margem nos chegam por aclarar o assunto.
Isto de mutilar textos fazendo do
Espiritismo colcha de retalhos com pontos de vista e tramas pessoais, é
entregar a Humanidade ao arbítrio dos Espíritos, dando-lhe foros de juiz em
causa própria. Abstrair da doutrina o seu ascendente religioso, divino, é o
mesmo que estancar-lhe as fontes renovadoras, para dividi-la e subdividi-la em
prismas escolásticos, estéreis quão dissolventes.
Se o Evangelho é a bússola dos
Espíritos, se ele é o paradigma incontroverso da Verdade para o nosso ciclo de
evolução intelectual e moral, a obra de seu discernimento não pode e não deve
ser fragmentária, facultativa, acomodatícia, aleatória.
Naturalmente, quereriam os
adversários da teoria do corpo fluídico que os Espíritos lhes viessem de forma categórica
explanar, senão demonstrar praticamente, materialmente, a formação desse corpo.
Não lhes bastam as materializações específicas por outrem obtidas... Mas porque
eles, que fazem tanta questão da matéria, a ponto de lhe subordinar de forma
absoluta a existência e a evolução do Espírito, não nos dão de formação da
célula, do plastídio, uma noção específica, concreta, capaz de timbrar os
nossos sentidos corporais? Que é, que será a matéria em sua lídima expressão
filosófica?
Deus, onipotente, rege, conforma,
materializa o Universo. É um postulado que os nossos sofômanos (os
que tem mania de se passarem por sábios)
não contestam. Deus cria os Espíritos,
atualiza a vida em cambiantes infinitos, mas Deus não pode, contudo, suscitar a
vida num corpo terreno, fora das leis conhecidas da procriação sexual!
Mas, em nome de que princípio
científico, com que autoridade filosófica se pode garantir que a ontogênese dos
nossos dias (referimo-nos à apreciável) fosse a mesma de todos os tempos e seja
a mesma para todos os tempos?
Então, não é claro, lógico,
intuitivo, racional o que nos ensina a Paleontologia, que a modificação
geológica é acompanhada da transformação zoológica? Quem poderia sentenciar que
de milhares ou milhões de seres que antecederam ao nosso estágio mesológico,
sem deixar traços de fossilização, muitos houvessem abrolhado por geração
assexuada?
E quem poderá, igualmente, garantir
que amanhã, modificada ab-rupta (de forma repentina) ou lentamente as condições do ambiente, não possam
prevalecer outros processos biogenéticos?
É isto um sacrilégio, um absurdo? Se-lo-á
para os que, encastelados no seu misoneísmo (repulsa a tudo que é novo), confinados no próprio orgulho,
supõe reter a última expressão da Verdade infinita, de forma definitiva.
Não o é, porém, para nós que, dentro
da mesma ciência revelada, sabemos e estimamos indefinida a vida universal.
Certo, estas elucubrações, estes
postulados da Razão e da Consciência não são vulgares, não interessam à
generalidade dos crentes, que prefere focalizar e se contenta com as soluções mais
humanistas, mais imediatamente adstritas à vida planetária, mais rasteiras, por
assim dizer, da Doutrina dos Espíritos.
Para estes, a obra inicial e
preliminar de Kardec tem caráter definitivo, satisfaz completamente, encontram
nela a solução do todos os problemas que os afagam ou que os torturam.
Mas não foi para estes, certamente, que o insigne Codificador
lançou a hipótese de uma breve reencarnação, a fim de completar a sua obra.
Muito menos foi para eles que o
Cristo de Deus, em rasgo de iluminação própria do seu ascendente dominador de
tempo e espaço, assegurou:
Eternamente convosco! Será que a Eternidade seja este nosso
presente fictício e atribulado? Será que já saibamos todas as coisas?
Como conciliar estas declarações tão
claras, tão categóricas, com a ideia primacial de progressividade indefinida,
de onisciência e onipotência absolutas de Deus?
São perguntas que deixamos à argúcia
dos exegetas do kardecismo o encargo de responder.
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