quarta-feira, 21 de abril de 2021

Na lei, por lei

 

Na lei, por lei

por M. Quintão

Reformador (FEB) Abril 1941

             O fanatismo, em religião como em ciência, é tão prejudicial à verdade, quanto o ceticismo.

            Nada julgar a priori e nada afirmar sem provas é o que nos parece de melhor conselho a quem deseje caminhar com segurança.

            Há crentes de boa fé, principalmente neófitos, que tudo atribuem à influência dos Espíritos desencarnados.

            Se os negócios lhes correm mal; se uma enfermidade lhes demora rebelde e importuna, prestes se julgam vítima de perseguições e vinditas de imaginários inimigos do plano espiritual.  

            E, porque seja sempre mais fácil conjecturar simplesmente, que discernir com esforço, ei-los a correrem para os médiuns e para os Centros, no louvável empenho de se descarregarem de penas e cuidados.

            E muitos, e quantos supõem que, em tal grau de apelação, basta faze-lo para que tudo se transforme e desvaneça, como nas mágicas teatrais, por mirífico encantamento e ao sabor de seus desejos e fantasias.

            Nada, entretanto, menos justificável e mais ilusório, em face da teoria e da prática espiritistas.

            A verdade iniludível é que, sendo a influência dos desencarnados um fato constante e geral - como afirmou Augusto Comte, se bem que noutro sentido, quando disse que os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos - essa influência não se exerce à revelia da lei de causa e efeito, nem cega, nem arbitrariamente, de modo a eximir-nos de qualquer esforço, ainda porque essa lei providencial e benéfica, em sentido profundo, é corretiva, antes que punitiva.

            Há, sem dúvida, injunção de estágios terrenos anteriores, ajustes de contas transmissíveis de umas a outras encarnações. Estes casos, porém, são mais raros do que ordinariamente se supõe.

            A maioria radica-se (fixa-se) imediata, não remotamente, à nossa incúria, leviandade e inópia (imperfeição), nesta e desta mesma encarnação. De qualquer forma entretanto, o que se impõe irrefragável é o estudo de nós mesmos, é a reforma do caráter, é a transformação dos nossos pendores que o Cristo de Deus tão bem prefiniu no homem novo. Desprezada essa objetiva, toda faina, toda aspiração resulta inane (sem conteúdo), verdadeira pedra de Sísifo. (da Mitologia grega – Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível e Sísifo tinha que reiniciar seu esforço montanha acima.)  

            Já por arguciosos adversários se glosou o estafado mote de que a crença na intervenção dos Espíritos conduz à passividade, à inércia mental, infirma o estímulo da iniciativa própria, enerva a inteligência.

            Argumento sutil e verdadeiro, até certo ponto - conquanto extensivo e quiçá mais ajustável a confissões de caráter dogmático, que a doutrina espírita não comporta exige se lhe contraponha desde logo os imperativos legítimos de esforço e trabalho consciencioso, trabalho de natureza mental e burilamento moral, sem o qual não pode haver progresso para a criatura, quer na Terra, quer no espaço.

            O auxílio do mundo espiritual pode e deve ser invocado, não, certo, qual o invocam irmãos de outros credos, em caráter de benefício divino, arbitrário e milagreiro, mas sim e só no sentido de alcançar luzes e forças para sofrer e vencer com proveito os lances difíceis da existência.

            De resto, racional e doutrinalmente considerado, é esse o único auxílio eficaz, e plausível, visto que, sendo as provas indefectíveis e por nós mesmos arbitradas no plano espiritual, nenhum Espírito teria a virtude de as anular.

            De tais artificiosas promessas e embelecos (imposturas) servir-se-ão, possivelmente, Espíritos levianos, mistificadores, ignorantes, para embair (induzir em erro) os incautos de boa fé; mas, os Espíritos do Senhor, que são os sábios da Sabedoria divina, eterna e inconfundível, estes não dispensam na lei e sim por lei.

            E a lei, dizem-no eles e aprendemos, e verificamos nós, é de sofrimento, trabalho e esforço próprios, para que sejamos auxiliados e providos sempre e só naquele nível que soubermos conquistar.


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