sexta-feira, 30 de abril de 2021

Esnobismo revesso

 

Esnobismo revesso (que não está de acordo com a verdade ou com a moral)

por M. Quintão     Reformador (FEB) 16 de Maio de 1934

             Foi Comte (Auguste Comte) quem disse que os vivos seriam sempre e cada vez mais governados pelos mortos.

            No sentido positivo da doutrina comteana, o apotegma (dito ou palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre) significa que não há solução de continuidade na evolução humana.

            Em política, em sociologia, em moral, a vida se perpetua por entrosagem (entrosamento) manifesta, de caráter subjetivo.

            A hereditariedade racional é um fato tão natural, como a hereditariedade biológica.

            O Espiritismo não confirma apenas, porque amplia, o conceito de veridicidade da lei.

            Os que se passam ao plano de outra vida não perdem, antes, presuntivamente, ampliam e aclaram os problemas desta vida e nela prosseguem colaborando.

            Não há duas humanidades estanques, não há lindes (limites) divisórias entre os que partem e os que ficam, para só haver uma humanidade que se permeia para a realização de um destino global, comum.

            Sendo assim, porque assim é, também não há conceber o que por aí se taxa de passadismo, à luz da doutrina espírita.  

            Por que?

            Porque, neste caso, toda a doutrina teria passado com o Cristo e Kardec teria sido um legitimo passadista (retrógrado), valendo-se dos ensinos de Erasto, Melanchton e vultos quantos, outros, amando-os, servindo-os, apontando-os à veneração dos pósteros.

            Passadistas assim somos todos os que ainda hoje preferimos ouvir e venerar um Bezerra, um Bittencourt, a entoar o hino das Ideologias Novas, que ninguém sabe qual lhe seja a clave, porque cada qual o canta, quando não regouga, (fala em tom áspero e gutural), a seu modo, com o registro de voz que Deus lhe deu.

            Se a Grande Guerra, como a Bastilha; se as Guerras Púnicas, como a Renascença, ou a descoberta da América constituem eventos aferíveis por marcos de referência na tela histórica da evolução planetária, também podemos e devemos coligir (chegar à conclusão) que não foram improvisados com e para exclusão dos que os precederam, ou neles foram parte.

            Destarte, vultos há cujos feitos, ideias, exemplos não prescrevem na consciência para a veneração dos pósteros.

            Não falaremos de Jesus, vigente para a eternidade dos evos (das eternidades)...

            Falamos dos que lhe viveram a doutrina em essência, a qualquer tempo, e têm, por isso, credenciais de atividade permanente.

            Pois assim é que cultivamos, queremos e veneramos a memória de um Bezerra ou um Bittencourt, cujas ideias, exemplos e atitudes se impõem a todas as ideologias, novas e velhas, por isso que culminaram na única ideologia real - a do amor a Deus e ao próximo, sem preocupações cronológicas.

            Que todos os chamados à sua hora venham colaborar oportunamente na transformação renovadora do planeta, é necessário, é previsto e é louvável; mas, que o façam sem visos (sinais) de maior fraternidade, para só valorizarem a própria atuação, espezinhando o passado e quantos nele sentem um ritmo de afinidades, isso é o que não podemos compreender, para só lamentar.

            Porque, no fim de contas, a obra espiritista é construtiva, é progressiva, é solidária e nunca revolucionária e demolidora. E passado, presente e futuro não podem valer, para nós outros, senão como índice de momentos na eternidade, para a eternidade.

            E tudo mais que aí lampeja, em fulgurações de fogo fátuo, vai por desafio ao clássico - sunt verba et voces, praetereaque nihil... (são palavras e vozes e nada mais...)

            Mas, vejam lá: - no idioma de Cícero e Virgílio, em testemunho de ranhosa (de má qualidade) confissão de abençoado passadismo.


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