A perda de um filho
“O Senhor já sabe, é claro, mas não custa
lembrar que estou lhe enviando hoje, dia 20, meio de repente, o meu filho mais
velho,... Sei que ele é muito moço para fazer essa viagem, mas o Senhor sabe
como são os adolescentes. Disse um representante Seu por aqui que, apesar de
sua pouca idade, ele já havia completado sua missão. Até aí tudo bem, mas acho
que deveria haver uma lei que impedisse que as missões dos filhos fossem
menores que as dos pais, pois a carne de que fomos feitos não se dá bem com
filosofias, alimento do espírito; o cérebro entende e o corpo geme. Mas estou
lhe escrevendo a fim de que possa preparar tudo para recebê-lo bem: ele aí só
conhece a avó e, tenho que lhe dizer, é tímido e difícil de fazer amizade. Devo
ainda lhe dizer outras coisas para que o convívio de vocês não seja atrapalhado
por picuinhas de menor monta: ele demora muito no banho, joga as toalhas pelo
chão e não tem o menor cuidado com a roupa; dorme até tarde e, por favor, nunca
apague a luz, pois sente medo; nunca fale de suas orelhas, pois as acha grandes
demais, assim como o nariz. Para que o Senhor não diga que só lhe mando
problemas, tenho que lhe dizer que é bem humorado, como eu, bonito e bem
informado. Se houver discussões políticas ou esportivas, evite falar mal do PT
e do S. Paulo, pois vira uma fera. Compre a Folha, nunca o Estado. Se for
possível, encaixe-o no setor de informática, não só porque era o que estudava
aqui como também - acredito - porque Sua organização está precisando
modernizar-se. Ah, outra coisa, ele se pendura no telefone, mas se for preciso,
fale com ele, porque é bom menino e certamente vai atendê-lo. E por ser bom
menino é que vamos sentir muito a falta dele; consola-nos saber que,
finalmente, terá aí uma vida nova, bem melhor que a nossa, e como o Senhor é
homem de palavra, certamente lhe dará as alegrias prometidas. Minha missão aqui
ficou meio capenga, mas vou levá-la até o final, confiando no contrato que
temos. Cuide bem dele.”
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