Não negues
por Antônio Túlio (Ismael Gomes Braga)
Reformador
(FEB)
Os erros mais tristes da história são negações. Grandes homens, no domínio das afirmações, tornam-se ridículos ou monstruosos quando enveredam pelas sendas tenebrosas da negação.
O
glorioso e brilhante Santo Agostinho, que até hoje é farol inconfundível na
filosofia cristã como afirmador, teve a desventura de se tornar negativista um
dia e a sua negação até hoje é lembrada, fazendo-nos arrepiar os cabelos. Negou
que existissem homens nossos antípodas (o que se situa em lugar diametralmente oposto), que pudesse existir um hemisfério
habitado em oposição ao nosso e excomungou os partidários dessa teoria. Naquele
tempo, não se possuíam provas bastantes da existência dos antípodas e muitos a
negavam. Santo Agostinho foi dos que negaram e assim um grande homem fez uma
grande estultícia (asneira). Hoje, quando até as crianças
escutam a voz dos antípodas pelo rádio, lhes ouvem os relógios dar horas, podem
visitá-los e ser por eles visitadas, todas as crianças estão aptas a
compreender o que era incompreensível ao grande filósofo.
Os mais prestigiosos e sábios
contemporâneos de Sócrates lhe negaram os ensinos e o condenaram como herege;
hoje, todos aceitamos como certos os ensinos do eminente filósofo e ficamos
pasmos da ignorância dos seus contemporâneos.
Os judeus mais versados nas
Escrituras, no princípio da nossa era, negaram a doutrina de Jesus, que
confirmava aquelas mesmas escrituras. De tal negação resultaram os crimes mais
monstruosos da história: a condenação de Jesus e dos seus discípulos, a
perseguição aos cristãos durante mais de três séculos.
Os contemporâneos de Joana d'Arc
negaram-lhe a missão e a levaram à fogueira dos hereges; porém, séculos mais
tarde, tornou-se a Pucela (donzela) de Orleans - o ídolo do povo
francês e foi canonizada como santa da Igreja.
Os contemporâneos de Colombo negaram
a existência da América e a possibilidade de chegar-se ao Oriente contornando o
planeta, mas nem por isso o Novo Mundo deixa de ser uma gloriosa realidade.
Os contemporâneos de Benjamim
Franklin negaram a possibilidade de construir-se o para-raios; mas, nem por
isso, nossas cabeças estão hoje menos defendidas por esse aparelho, tão simples
quão eficiente.
Os contemporâneos de Edison negaram
o fonografo; mas, aí está ele com os mais relevantes préstimos, servindo de
base a outras invenções preciosas.
Os vizinhos da família Fox negaram
as mensagens recebidas do outro mundo; mas, mesmo assim, o Espiritismo é uma
grande realidade.
Os filólogos do tempo de Zamenhof
negaram a possibilidade de construir-se uma língua artificial; mas, o Esperanto
é hoje uma língua em pleno funcionamento.
Reconhecidos assim os perigos da
negação, a insegurança em que fica o negador, seria muito aconselhável a prudência
de não nos pronunciarmos negativamente em situação alguma. O silêncio é a
atitude prudente, quando não podemos afirmar. Nossa ciência é demasiada pequena
e muito mutável no tempo, para que possamos estabelecer limites seguros ao possível.
Parece-nos impossível tudo quanto
está além dos horizontes do nosso saber; mas, esses horizontes se deslocam
diariamente, de sorte que amanhã poderemos possuir conhecimentos que revelem a
coisa hoje negada. E realmente assim vem sendo.
É muito fácil acertar-se, afirmando
ou silenciando; mas, assumimos tremendas responsabilidades quando negamos. O
espiritista não deveria negar nunca. Evitaria campanhas estéreis, ódios e
graves erros.
Deixar em silencio um mau livro, por
exemplo, para que o tempo se encarregue de anula-lo, é muito mais prudente do
que lhe negar a doutrina e o meter no Index das obras proibidas.
Os livros proibidos, realmente, não desaparecem em
virtude da proibição, nem da maldição que caia sobre eles: reservam-se o
direito de continuar vivos, se forem bons, ou morrem quando realmente são maus
e não correspondem às aspirações de futuras gerações mais esclarecidas. Nunca é
a negação que os destrói, sim a sua própria ruindade. Se as proibições pudessem
matar livros, de certo nenhum dos Evangelhos teria chegado ás nossas mãos; não
teríamos igualmente recebido a palavra de Sócrates através da pena de Platão,
porque Jesus e Sócrates foram negados e condenados; logo, suas palavras foram
proibidas pelas grandes forças de seu tempo.
Na literatura espirita tem aparecido
uma infinidade de livros ruins, sem nenhum valor, escritos por pessoas que só
possuem entusiasmo e audácia; mas, esses livros morrem por si mesmos, sem
nenhuma proibição, sem nenhum julgamento, porque não possuímos - graças a Deus
- um corpo de censores, com autoridade para decidir por nós o que é bom e o que
é mau. A seleção se opera pela lei natural: o que é bom sobrevive e o que é mau
morre, mais cedo ou mais tarde, quando já não nasceu morto.
Em via de regra, os nossos críticos não negam, não
condenam, apenas guardam silêncio sobre o que acham ruim e muito
excepcionalmente esclarecem um ponto que lhes parece erro grave contra a doutrina,
mas sem imporem seus pontos de vista aos leitores. Estes conservam toda a
liberdade de aceitar ou não o ponto de vista do autor ou do crítico.
Só muito raramente algum espiritista
tem a ilusão de possuir autoridade para condenar um livro, para inclui-lo nas
obras proibidas e que se não podem ler. Nega-lhe a doutrina, acusa-o de
heresia, abre campanha contra a obra e o autor, contra o editor, contra o
tradutor; entretanto, a obra continua sua marcha para a vida ou para a morte,
conforme seja boa ou má, e o tal julgador se torna apenas ridículo, visto
supor-se com uma autoridade que ninguém lhe concedeu, investido de direitos que
ninguém lhe reconhece. Logo, não há campo para os negadores dentro do nosso
movimento.
Intuitivamente
os espiritistas são contra os negadores e a favor dos afirmadores. O negador, mais
cedo ou mais tarde, verifica que está exercendo um mandato que ninguém lhe
conferiu, que se vai tornando ridículo, e envergonha-se de sua atitude
negativista. Graças a Deus é assim. Os espíritas não são negadores, não são
almas fechadas dentro de estreitas limitações. Ao contrário, são positivos,
preferem construir mal, a destruir bem; e, por isso mesmo, realizam grandes
obras, apesar de serem em tão pequeno número. Errar afirmando ou silenciando é
menos mal do que errar negando, atacando, fulminando os que pensam de modo
diferente, ou fazem coisa diferente. De negações, ataques, lutas destruidoras,
o mundo já tem excesso em sua penosa história.
Não é necessário negar o mal; cumpre afirmar o bem, o
que vale o mesmo, mas evita lutas estéreis. Um filosofo hindu já disse que nas
grandes línguas da Índia não existe a palavra “direito”, só existe a palavra “dever”
que a substitui, mudando-se o sujeito da oração.
Por exemplo, em vez de dizer: “O rei tem o direito de ser obedecido pelo
povo”, diz-se: “O povo tem o dever de
obedecer ao rei”; em vez de dizer-se: “O
povo tem o direito de ser protegido pelo rei”, diz se: “O rei tem o dever de proteger o povo”.
Pela falta da palavra “direito” naquelas línguas, dá-se uma alteração muito
profunda na mentalidade: só se pensa em deveres a cumprir e não em direitos a
reclamar. Não é o credor que tem o direito de receber, é o devedor que tem o
dever de pagar suas dívidas.
Se tivéssemos autoridade entre os
nossos irmãos de propaganda espirita, ousaríamos propor-lhes uma alteração
semelhante na linguagem: substituirmos sempre uma oração negativa por uma
afirmativa, ou pelo silêncio. Por exemplo, em vez de dizermos: “Eu não gosto da guerra”, diríamos: “Eu gosto da paz”. Em vez de dizermos: “Eu não sou católico”, diríamos: “Eu sou espiritista”. Em vez de: “Ele não sabe o que diz”, diríamos: “Como todos nós, ele ainda tem muito que
aprender”.
Na aparência é uma puerilidade, puramente material, essa alteração em nossos modos de dizer; mas, na verdade, seríamos levados a adquirir novos hábitos mentais, lutando sempre para evitar as frases negativas e construirmos somente orações afirmativas. Com o tempo desapareceria dos nossos hábitos e, depois, dos nossos dicionários o adverbio “não”. Sabemos que seria difícil, porque há milhões de anos vivemos negando; contudo, justamente nessa dificuldade é que estaria a ginástica proveitosa para o nosso melhoramento.
Aí fica a lembrança. Se algum dos
nossos Irmãos a achar sensata, faça uma experiência em seus escritos, em suas
palestras e, depois, comunique-nos os resultados. Sir Oliver Lodge nos sugere eliminemos do dicionário a
palavra “impossível” e tem razão; todavia, se conservarmos o adverbio “não” e
dissermos: “Não é possível!” estaremos burlados do mesmo modo. Parece-nos que o
que se faz preciso é lutarmos contra todas as formas de negação, a fim de
sermos espíritos positivos, construtivos. Nosso grande mal tem sido a negação;
contra esse mal temos que lutar sempre; temos que estar sempre em guarda.
Toda a longa série de mandamentos
negativos: Não furtarás, não matarás, não cometerás adultério, não levantarás
falso testemunho, não cobiçarás as coisas alheias, fica substituída por um só,
afirmativo: Ama a teu próximo como a ti mesmo.
A fórmula negativa que dizia: “Fora da Igreja não há salvação”, o Sr.
Allan Kardec opôs outra negação, porém, de ordem muito mais elevada, universal,
antisectária: “Fora da caridade não há
salvação”. Chegará, no entanto, o tempo em que esta fórmula do Mestre será
substituída por outra ainda mais simples, como, por exemplo: “Quem ama está salvo”, ou “A salvação está no amor a todos os seres”,
ou “Quem ama a Deus através de todos os
seres já está salvo”.
Preferimos a palavra “amor”, como realmente está no original do Evangelho, em vez de “caridade”, porque o sentido desta última se acha muito deturpado, implicando a ideia de esmola, assistência, pobreza, riqueza, quando, no sentido cristão, todos necessitamos desse afeto, dessa solidariedade humana, desde os mais ricos até aos mais pobres; quando, erradamente, se liga à palavra “caridade” a ideia de socorro econômico aos necessitados.
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