Um caso de
mediunidade xenoglóssica
– Parte
1
por Indalício Mendes Reformador (FEB) Maio 1961
É muito comum ouvir-se de pessoas que desconhecem o Espiritismo a afirmativa graciosa de que os fenômenos espíritas são frutos de mera sugestão ou de alucinação dos sentidos, quando não de rematada facilidade de crer no que não existe. Estamos já habituados a ouvir essas tolices, até mesmo de pessoas cultas, mas contaminadas de preconceitos ou de vaidade. A nós, espíritas, pouco importa a opinião de tais pessoas, que desprezam a verdade pela incapacidade de a compreenderem ou pela covardia que demonstram de fazer frente aos fatos, com a honestidade de confessá-los.
Tantas e tão conclusivas têm sido as
observações de homens de Ciência despidos de preconceitos e suficientemente
honestos para não negar a realidade dos fatos espíritas, que não haveríamos de
estar preocupados com outras pessoas sem o mesmo grau de cultura e a mesma
probidade moral, que negam por negar, que contestam aprioristicamente do que
afirmamos, ou se escudam na sua pretensa “autoridade” considerarem o
Espiritismo um assunto superado. Entretanto, superados estão esses impenitentes
negadores que não sabem o que dizem...
Por isso, alegramo-nos com o
testemunho sincero que o médico português, Dr. Martins Oliveira, autor de
diversas obras, prestou a respeito do Espiritismo, em seu livro “Psicoses da
Morte e da Vida”, ao recorrer aos processos espíritas para “salvar” uma jovem
depois de esgotados todos os recursos ditos científicos.
Vamos, data vênia, transcrever
um caso verificado em Portugal por ele mencionado nesse livro, exemplo digno do
conhecimento dos leitores desta revista. Reproduziremos apenas os textos
indispensáveis, em virtude da carência de espaço.
“Havia já uns três anos que F. J. B.,
apenas com quinze anos de idade, começara a preocupar os pais. O seu estado
geral era porém, admirável e os especialistas, consultados sobre as suas anormalidades,
acabavam sempre por não acreditar nas descrições que ouviam e, julgando
exagerados os naturais receios paternos, nada mais faziam do que receitar
brometos e o mais rigoroso repouso. Mas um jovem médico, rapaz inteligentíssimo
e que dera provas na Faculdade de Medicina de um talento invulgar, assistira
uma vez, por mero acaso, a um dos frequentes ataques epilépticos (ou
pseudo-epilépticos) que a miúda (o
grifo é nosso) tivera. Novo e pouco experiente, resolvera logo curar a criança,
sem pensar sequer - isto foi-me confessado honestamente por ele próprio - em orientar-se
com os ensinamentos de médicos mais velhos e, consequentemente, com mais experiência
clínica em psico-neurologia. Resolveu, pois, hipnotizá-la para lhe sugerir a
cessação pura e simples da sintomatologia notada. Porém, F. J. B., logo
que mergulhou na inconsciência, começou a provocar distúrbios, acabando, para explicar
os seus atos, por se exprimir em várias línguas que lhe era impossível conhecer.
As
suas convulsões assustaram tanto o inexperiente rapaz, que ele, sem perda de um
momento, empregou logo todos os esforços para despertar a petiza (menina). Mas o fato só se realizou umas
três horas depois e, mesmo assim, após um trabalho enorme, que deixou o jovem
médico verdadeiramente extenuado. Desde esse dia, F.J.B. nunca mais deixou de
cair em transe e de se apresentar, durante a inconsciência com pomposos nomes
de estrangeiros ilustres, já há muito falecidos, e em cujos idiomas impecavelmente
se exprimia.
O fenômeno xenoglóssico, mostrando-se em toda a sua misteriosa
complexidade, fazia suar o médico assistente, velho amigo da família, que assistira,
havia quinze anos, o próprio nascimento da miúda. Volvidos tempos - já F.J. B.
contava dezoito anos de idade - tudo continuava na mesma e, embora a petiz de
outrora se tivesse convertido na mulher de hoje, a fenomenologia continuava a manifestar-se
e F.J.B. a cair espontaneamente em transe e, sem o menor estudo prévio a falar
todas as línguas!
Um dia, a convite do Dr. A. L., seu médico assistente,
eu fui vê-la.
E
embora o fenômeno fosse já muito meu conhecido, pois assistira, sem exagero, a
algumas centenas de casos semelhantes, gostei de ouvir F. J. B. que, depois de
modificar a expressão do rosto, até ao ponto de se tornar irreconhecível, engrossava
pasmosamente a voz, e exprimia-se no mais correto espanhol, no francês mais
puro, no inglês mais clássico ou no latim e no grego mais arcaicos. Para me elucidar
sobre estas línguas mortas, fiz-me acompanhar várias vezes de professores
especializados, filólogos distintíssimos, que me garantiram ser F.J.B. uma
pessoa cultíssima que conhecia a fundo os idiomas falados outrora. Os versos ditos numa cadência admirável
e com uma pureza de pronúncia surpreendente, deixava-os verdadeiramente
atônitos. Devia, pois, segundo a douta opinião deles, tratar-se de um autêntico
gênio, visto que só uma inteligência verdadeiramente genial poderia ter
assimilado tanto saber – com dezoito anos apenas.
Eu fingia acreditar na
opinião dos sábios filólogos, mas não a podia admitir, porque sabia de ciência
certa que a jovem F.J. B. não era o prodígio de inteligência que eles supunham
que fosse. De resto, o seu médico assistente, que a vira nascer e convivera com
ela dia a dia, garantiu-me que F.J.B. mal sabia francês. Ora, o Dr. A. L., velho
amigo dos pais, frequentava a casa havia mais de vinte anos e seguira passo a
passo a educação da pequena.”
Nota: Os grifos são de “Reformador”.
Um caso de mediunidade xenoglóssica – Parte 2
por Indalício Mendes Reformador (FEB) Junho 1961
No artigo precedente ficou claramente provado, com testemunhos insuspeitos de médico insuspeitíssimos, que F. J. B., era excelente médium xenoglóssico, de quem se haviam apossados alguns Espíritos desejosos de realizar com ela trabalhos que reputavam importantes. Todos os recursos médicos habituais haviam falhado. Não fora o providencial convite dirigido ao Dr. Martins Oliveira, conhecido por seus livros a respeito do hipnotismo, mas que, esclarecido e probo, não recusou validade à “teoria espírita”, o problema não teria sido enfrentado corretamente. Ilustres professores de línguas, ao verem-na exprimir-se com absoluta correção em francês, inglês, latim e grego, consideraram-na um gênio.
Naturalmente,
não lhes foi dito que ela apenas era instrumento de Espíritos cultos e seguramente
versados em tais idiomas. Mal sabia o francês e a isto se resumia o seu pretenso
poliglotismo. Nem era dada ao estudo, conforme se pode aferir destas palavras
do Dr. A. L ., velho amigo da família:
“Muitas vezes, até, desculpara a sua
cabulice (*), pretextando falta de memória e aconselhando repouso.”
(*) trapaça
“- Um dia - disse-me o Dr. A. L. - quando eu já estava farto de a desculpar, os pais perguntaram-me se, para lhe robustecer a memória, não seria conveniente fazer-lhe qualquer tratamento. Respondi que a ia examinar e que depois daria a minha opinião sobre o assunto. Claro que nunca pensei que F. J. B., carecesse de coisa alguma, visto que a auscultava amiúde e conhecia perfeitamente a sua saúde de ferro. Aquilo era tudo desinteresse pelos estudos e nada mais. Por isso, resolvido a censurá-la, chamei-a e, longe dos ouvidos paternos, perguntei-lhe porque pretextava falta de memória sempre que “gatava” nos exames. .... Avisei os pais de que a pequena detestava o estudo e ela foi retirada do colégio. Desde então nunca mais estudou.
“Depois, numa voz que revelava o amigo e o médico:
“- E até foi bom, porque o seu histerismo
chegara a um ponto tal, que qualquer preocupação só poderia prejudicá-la.
“E, como que numa revelação, muito
baixinho, continuou:
“- E agora!.. Agora, como lhe disse,
até cai em “sonambulismo” e, como se fora um médium espírita, interpreta os
pensamentos de “almas do outro mundo”!
É claro que eu não creio nessas aparências do fenômeno; mas a verdade é que
tudo se passa com se ele fosse real.
“- E já fizeram alguma coisa -
perguntei eu - para lhe minorar, ou fazer cessar o sofrer?
Muitos psiquiatras de
renome se ocuparam já do seu caso. Até agora, porém, continua tudo na mesma...
“Depois, aborrecidíssimo, prosseguiu:
“- E esse jovem doutor, que operou
sem me consultar, só conseguiu, como sabe, exacerbar o seu estado. Por isso lhe
pedi que interviesse...
“-
Devo concluir então, que há mais de três anos ela continua na mesma...
“- Não! - acudiu
prontamente o Dr. A. L. - Na mesma, não! Pelo contrário, tem piorado de ano
para ano, visto que, de início; antes de ser hipnotizada, nunca se nos
apresentou como intérprete fiel de inteligências estranha... Os pais, que são
ricos, não se tem poupado a nada. Ultimamente até, a conselho de um especialista,
resolveram casá-la com um rapaz pobre que a adora. Ela, porém, conhecendo o seu
estado, nega-se terminantemente a sair do convívio paterno.
“Nesta
altura, pedindo licença quando já estava dentro da sala, entrou F. J. B. e, com
a vivacidade de uma pessoa cheia de saúde, perguntou-nos sorridente:
- Então não lhes parece que faço bem?
“E logo a seguir, ficando multo
pálida, voltou-se para mim e exclamou, exaltada, como se fora o culpado de todo
o seu infortúnio:
“-
Quer então que na primeira noite de casada o meu marido fuja horrorizado,
quando eu lhe falar, inconscientemente, na linguagem absurda dos meus “mortos”?!
“- Tranquilize-se - atalhei eu prontamente
- acalme-se! A senhora diz que a sua única esperança está em mim, Pois bem: Se
me desobedecer no mais mínimo, apesar da grande estima que tenho pelo seu
médico assistente, nada farei.
“Ela, rompendo em lágrimas,
sentou-se.
“- Deixe-me ao menos chorar. Sou tão
infeliz!
“Prometi, então, estudar o seu caso,
e, de colaboração com o Dr. A. L. empregar todos os esforços para lhe dar
solução."
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Chamamos a atenção do leitor para os
pormenores desse caso Interessante. A senhorita F. J. B. ao aludir a meus mortos sentia que estava sendo
apenas instrumento de Espíritos desencarnados. O próprio Dr. A. L. refratário
ao Espiritismo e avesso à interpretação espírita, já se manifestava de maneira
menos radical, pois que admitia que a “doente” se apresentava como “intérprete
fiel de inteligências estranhas”. Ele já havia dito que F. J. B. “como se fora
um médium espírita, interpreta os pensamentos de “almas do outro mundo”, mas logo
atalhara: “É claro que eu não creio nessas aparências do fenômeno." As
coisas, porém, iam tomando corpo e, simultaneamente, a resistência daqueles que
se recusavam a aceitar os fatos como de natureza espirítica ia enfraquecendo
gradativamente...
Mas, deixemos que o Dr. Martins
Oliveira, médico hábil no exercício do hipnotismo, que demonstrou não estar
jungido a inferiores preconceitos científicos, nos conte o que se passou e como
conseguiu chegar ao resultado final, provando que, no caso, a Ciência nada
poderia fazer como não havia feito nada até aquele momento. Preste o leitor
bastante atenção ao caminho por ele percorrido inteligentemente, empregando a “técnica”
espírita.
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“- Com o fim de elucidar os meus
leitores, desejo descrever em pormenor o processo que empreguei para curar F.
J. B.. Ele é, porém, tão invulgar, tão extraordinário, que vai certamente originar
discussões e até - quem sabe? – algumas centenas de cartas que me causem sérios
desgostos.
Mas
seja como for e suceda o que suceder, eu é que, por honestidade científica, não
posso ocultar, por comodidade, o estranho método que empreguei para fazer cessar
um efeito cuja causalidade, para mim, transcende toda a psicologia.
“Como disse, a primeira ideia que me ocorreu foi
rodear-me de filólogos competentes para banir do meu cérebro a hipótese de uma
simulação. Posta esta de parte, só restava admitir o fato em si, e eu, depois
de o admitir, pus-me a estudá-lo em detalhe.”
Um caso de mediunidade xenoglóssica – Parte 3
por Indalício Mendes Reformador (FEB) Julho 1961
Continuou o Dr. Martins Oliveira:
“- Sempre que mergulhava F. J. B. em
qualquer estado hipnótico, mesmo ligeiro, ela
transfigurava-se
e punha-se a falar-me em várias línguas e
a fazer dissertações que revelavam uma cultura e uma inteligência absolutamente
superiores. Eu, que nunca tinha assistido a fenômeno xenoglóssico tão
complexo como este, via-me um tanto desorientado e resolvi em dada
altura, atuar diretamente na subconsciência do “sujet”. Impus o esquecimento
total daquelas entidades e, consequentemente, das suas manifestações. Logo a seguir a uma gargalhada irônica como que
a fazer pouco de mim e da minha ciência, eu ouvi então uma dissertação primorosa
sobre psicologia moderna, mas com tal soma de detalhes e revelando tão profundos
conhecimentos da matéria, que me deixaram surpreendido, para não dizer aniquilado.
Apesar disso, eu continuava sempre, e, embora nada conseguisse de concreto, pois
as imagens mentais se me apresentavam cada vez mais vivas, trabalhei durante
quase dois meses para obter o olvido. Porém, a sugestão nunca era admitida –
nem nos mais profundos e estados da hipnose!
O fato surpreendeu-me tanto, que eu, após mil esforço«
que seria longo supor, fui levado e a rever tudo que conhecia sobre o fenômeno
xenoglóssico.
No fim, com a coragem que só a
honestidade científica nos dá, pois, se na guerra se se carece de valentia, em
ciência o heroísmo é por vezes indispensável, pus a mim próprio as seguintes
questões:
1º - Ninguém duvida já do fenômeno xenoglóssico, visto ele ter sido estudado nos seus complexíssimos efeitos por cientistas notáveis de todas aa nações do mundo;
2º - Também não existe a menor
dúvida de que o impulso que o origina é auto inteligente, auto dinâmico e, o
que surpreende todos os investigadores, revela vontade própria, independente do
“sujet” e do próprio operador:
3º
- Só na causalidade as opiniões se dividem; uns, os animistas, atribuem o
fenômeno à “memória cósmica” onde o “sujet”, em estado particular de acuidade
rara, vai beber os conhecimentos que revela; outros, os espíritas, creem que
todas as revelações se devem a “entidades astrais”, de um mundo espiritual, e
cujos conhecimentos nada têm de sobre-humano, porque foram adquiridos em nosso
próprio globo e em nossas próprias escolas, em períodos palingenésicos anteriores.
Temos, portanto, duas hipóteses.”
Depois de expor as duas hipóteses, sem comentá-las, o médico em questão resolveu seguir a espírita, considerando:
- “A hipótese tem milênios - pensei e ainda ninguém ousou
destrui-la. Que perco eu se a admitir por momentos? De resto, esses intelectuais
do astral apresentam-se realmente com nomes conhecidos, que o próprio “Larousse”
biografa. Que perco eu - repeti comigo próprio - em experimentar a hipótese?
Não é experimentando princípios conjecturais, que se chega a verdadeiras teorias?
Quantas hipóteses se alimentaram após trabalhos experimentais de laboratórios?
Depois de dar estas satisfações à
minha própria consciência de cientista, comuniquei a minha resolução ao Dr. A.
L., e ambos, de comum acordo, embora extremamente cético quanto ao resultado,
acordamos em realizar o trabalho.”
Note o leitor que o Dr. Martins
Oliveira, tanto quanto seu colega, estava extremamente
cético quanto ao resultado do trabalho que ia realizar, o que empresta ainda
maior expressão ao fenômeno. Ele não era espírita, não era um crente do Espiritismo.
Decidira lançar mão do processo espírita
porque, à sua consciência de médico honesto compreendera que, baldadas todas as
tentativas feitas com o amparo da ciência oficial, restava recorrer corajosa e
honestamente à teoria espírita, porque somente esta poderia solucionar o
estranho caso. Semelhante atitude enaltece a personalidade moral e científica daquele
médico português.
Iremos agora tomar conhecimento do trabalho, da técnica
espírita por ele adotada, depois de ver malgrados todos os seus esforços no sentido
de afastar as "entidades espirituais”, fazendo a senhorita F. J. B. esquece-las
por sugestão imposta hipnoticamente.
Onde ele diz “operador”, “operar”, “operação”
devem os leitores brasileiros entender: “executante”, “atuante” ou “realizador”,
“executar”, “realizar” ou “fazer”, “execução”, “ação” ou “realização”.
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“Para se operar no maior silêncio - porque a passagem dos “elétricos” (*) pela rua Costa Cabral é ruidosa e importuna - marcamos a hora da operação para depois de uma da madrugada. Contudo, ainda não era meia noite e o nervosismo já nos invadia. Não era o terror do incognoscível que nos preocupava; era, sim, o resultado da a experiência, pois, se ela falhasse - e era possível que não desse o mínimo resultado - a que nos agarraríamos depois? Não conhecíamos outras hipóteses e os psiquiatras, que seguiam de perto o que fazíamos, eram de opinião que só a neurocirurgia poderia resolver o problema. Eu acreditava que a perda provocada da sensibilidade, mesmo que arrastasse consigo a faculdade estranha agora observada, inutilizaria, em, parte, o sistema sensorial da F. J. B.; isso me afligia, afligia os pais e o próprio médico assistente.
(*) Bonde elétrico
Passava já de uma da madrugada, quando F. J. B. caiu em sono profundo ou - como lhe chamam os espíritas - em transe mediúnico. Eu hipnotizara-a muito docemente e ela muito docemente mergulhara no sono hipnótico.
Momentos volvidos, o rosto
transfigurou-se lhe a voz tornou-se lhe grossa e áspera, e ela, endireitando-se
como se fora um grande senhor, faz-nos uma dissertação em espanhol!
Obedecendo ao acordo estabelecido, ouvimos a lição atentamente e só de longe em
longe interrompíamos o mestre para solicitar certos esclarecimentos que pareciam
necessários para compreendermos a exposição transcendente que estávamos ouvindo.
O nosso respeito - aliás sincero, porque tanta
sabedoria nos empolgava - fez que a entidade comunicante começasse a simpatizar
conosco e a tratar-nos por “irmãos”.
Eu, pegando a situação pelos
cabelos, não perdi um segundo: Dirigi-me respeitosamente ao mestre e
solicitei-lhe que abandonasse para sempre o cérebro da infeliz. Ele, quase zangado,
procurou demonstrar-me que o mistério da morte só poderá ser explicado se estudarmos
a fundo o fenômeno da vida.
E
acrescentou, logo a seguir:
- Ora, para bem se conhecer a vida,
torna-se absolutamente indispensável o estudo prolongado de casos
extraordinários como este...”
Um caso de mediunidade xenoglóssica – Parte 4
por Indalício Mendes Reformador (FEB) Agosto 1961
Prossegue o Dr. Martins Oliveira:
Eu insisti no abandono da incorporação
mas a entidade, interrompendo-me bruscamente, continuou:
-
Mas não é fácil de encontrar um "instrumento humano tão bem organizado como
esta, para se obter a fenomenologia convincente que tanto impressiona os homens
chamados vivos...
Tentei interromper de novo, mas ele,
como se não ouvisse os meus argumentos, continuou:
- Com fatos desta natureza, inexplicáveis pela vossa “matéria orgânica”, a
prova testemunhal do fenômeno não pode ser posta em dúvida por ninguém; e a
sobrevivência das espécies acabará, assim, por ser admitida e estudada pelos sábios
oficiais. O homem, sabendo de ciência certa que não morre e que é responsável pelos
seus atos, pensará de forma diferente do que tem pensado até aqui... As
próprias guerras acabarão e a vida tornar-se-á muito melhor e mais digna...”
Interrompi outra vez e após
discussão laboriosa, que seria maçante descrever, consegui arrancar-lhe a promessa
de que se afastaria, Garantiu-me, porém, que me seria difícil, senão
impossível, conseguir das outras entidades um afastamento semelhante. Desta vez,
como é natural, senti-me um pouco receoso, tanto mais que ele me avisara,
honestamente que, logo a seguir ao seu afastamento, se incorporaria em F.J.B.
uma entidade diversa. Pedi-lhe então que se conservasse presente e que me
ajudasse a convencer os outros “espíritos” a fazer que a pobre senhora. (*)
regressasse à normalidade.
(*) Nessa ocasião, F.J.B. contava dezoito anos. Haviam decorrido três, desde que ela se tornara instrumento mediúnico.
Foi só depois de mais de uma hora de discussão que consegui arrancar-lhe mais esta promessa. Mas valeu a pena, o trabalho, porque, a partir daquele momento, eu pude contar com um aliado - ou, melhor, com um amigo - num mundo de mistério e de sonho.
Nessa noite, a meu pedido, “aquilo”
ficou por ali. Eu já não podia mais: o cansaço começava a invadir-me.
Na noite seguinte, sem que nada o fizesse
prever, manifestou-se a mesma entidade protetora;
mas, desta vez, exigindo que eu tomasse notas pormenorizadas sobre a sua
identidade. Ele não queria - disse - passar pela minha inteligência como um
meteoro vagabundo passa pela atmosfera da Terra. Desejava, pelo contrário, que
eu ficasse convencido de sua existência real.
Para lhe ser agradável mostrei-me verdadeiramente interessado no “controle” que
me oferecia; e a verdade é que o estava de fato, pois a minha curiosidade científica
apresentava-se, por vezes, muito mais forte do que eu.
Tomei,
pois, todas as notas detalhadas que ele espontaneamente me ofereceu: datas do
nascimento e da morte; datas do casamento e do nascimento dos filhos que tivera;
nome completo, com os apelidos de família; nomes das esposas e dos seus três
filhos; morada de solteiro e depois de casado, com data precisa de mudanças de
residência, tanto em casado como em solteiro; fatos notáveis da sua existência
e até pormenores surpreendentes, ignorados da esposa e dos filhos.
Como
averiguei mais tarde, em Espanha, quando, em 1950, fui ao Congresso Internacional
de Barcelona (*), TUDO ERA VERDADEIRO! Não posso, porém, fazer revelações,
porque isso me foi exigido. Só direi sinceramente que tudo quanto consegui
esclarecer se me apresentou concorde com os pormenores ditados pela entidade
astral; e, mesmo assim, se o faço, é porque prometi confessar honestamente a
minha impressão final.
(*) Notas de “Reformador”:
Parece-nos que o Autor se refere
a um Congresso Médico.
Grifos e notas são de “Reformador”.
Pois bem. A minha impressão é esta: Estou convencido, embora o não possa demonstrar de momento, que falei, de fato, com um ser que, outrora, em carne e osso, habitou o mundo em que vivo. Importo-me pouco do conceito de que de mim façam as pessoas que não estudarem o assunto. Sei muito bem que é preciso heroísmo para se fazer esta afirmação, mas sei também que os meus leitores me teriam com ignóbil se eu não tivesse a coragem de confessar de público e raso a conclusão a que cheguei.”
***
Essa atitude do Dr. Martins Oliveira define uma personalidade independente e forte, um caráter sólido, rigorosamente científico e impermeável a influências sectárias e a preconceitos deprimentes. Honra lhe seja, portanto, por não se haver, como tanto outros, acovardado na hora decisiva do testemunho franco"
Mas, prossigamos.
***
Logo que tomei as notas e prometi referir--me ao caso, embora ocultando nomes e pormenores que me não pertencem, a entidade comunicante prometeu que me ajudaria e que, dentro de uns dias “todos” se afastariam. Contudo, como convinha, eu teria que falar com “eles” um a um e levá-los, “pela persuasão”, a deixarem tranquila F.J.B..
Ele, do “outro lado” auxiliar-me-ia.
Confessei-lhe que me seria impossível fazer-me compreender, visto ignorar as línguas em que
muitos deles se exprimiam. Disse-me que arranjasse um tradutor, pois eu já
tinha arranjado filólogos para verificarem o fenômeno...
Isto foi-me dito com tal ironia, que eu senti dentro de
mim o sangue ferver-me nas veias. Guardei silêncio durante uns segundos e
mantive o domínio de mim mesmo. Depois, com absoluta calma, pedi-lhe que fosse
ele o intérprete dos meus pensamentos e obtivesse das outras entidades aquilo
que eu desejava:
A sua resposta, curiosíssima sob
todos os aspectos, foi rápida, precisa, terminante:
- Mas eu não sei latim ou grego nem mesmo alemão ou inglês. Nós aqui não aprendemos línguas...
Mas - interrompi eu prontamente - as
vibrações do pensamento não constituem então, como eu supunha, uma linguagem
universal?
Apôs um silêncio que se prolongou
por mais de quatro minutos, “ele” deu-me razão e prometeu ajudar-me. Depois,
com uma cortesia admirável, despediu-se e garantiu-me que na noite seguinte
começaríamos o trabalho.”
Um caso de mediunidade xenoglóssica
Parte 5 e final
por Indalício Mendes Reformador (FEB) Setembro 1961
A solução de tão interessante caso de mediunidade poliglota aproximava-se.
Esclarece em seu já citado livro o
Dr. Martins Oliveira:
“Uns quinze dias volvidos e a seguir
a sessões de estudo que me deixavam fatigadíssimo, acabei por obter uma resposta
coletiva de que tudo havia cessado.
“Surpreendido
e um tanto descrente, olhei para o Dr, A. L. e notei que ele partilhava da
minha
surpresa e da minha admiração. Eu não esperava um resultado tão rápido e muito
menos uma afirmação tão categórica, como a que acabavam de me fazer: a partir daquele dia, tudo havia cessado!
E, como que confirmando a promessa, F.J.B.
acordou por si própria e olhou para nós
sorridente.
“0 Dr. A.L. ia dizer-lhe qualquer
coisa, mas eu fiz-lhe sinal para se manter em silêncio.
Depois
levantando-me, despedi-me, como habitualmente, com um simples “até amanhã”- e sai,
como fazia todos os dias, acompanhado do médico.
“Já na rua e ainda sob o domínio da
surpresa, quase perguntamos ao mesmo tempo!
“- E agora?!”
“- Agora - respondeu ele - só o
tempo dirá o que há de verdade em tudo isso.
“Concordei. Mas sugeri que continuássemos
as experiências durante mais uns dias, como se nada de concreto tivéssemos
obtido ainda.
“- Foi para isso - esclareci - que eu disse “até amanhã”,
como sempre fazia ao despedir-me da família. J. B. O médico concordou e nós, no
dia seguinte, voltamos a hipnotizar a pequena. Ela, desta vez, aceitava facilmente
as sugestões, mesmo nos estados mais ligeiros, como o de credulidade!
“O fenômeno xenoglóssico parecia, na verdade, ter
deixado de existir. Contudo, e como aconselhava a dúvida científica,
os trabalhos prosseguiram por mais uma semana, após a qual, o Dr. A.L. deu F.J.H.
como curada.”
..........................................................................................
“F.J.B. casou há dez anos, logo a seguir à cura, e conta, portanto, 28. Tem dois filhos, é verdadeiramente feliz e nunca mais voltou a sofrer de xenoglossia nem foi mais jamais objeto de outra fenomenologia estranha.
“O fato, por eloquente, fez-me
preferir a hipótese milenária ('*), à recente (**). Mas isso, para o nosso
caso, para o caso da hipnose, pouco ou nenhum valor tem. O que pretendi
demonstrar com ele foi apenas o perigo de despertar latências em pessoas
predispostas para as anormalidades psíquicas. Se F.J.B., n.ão tivesse sido
hipnotizada por um inexperiente o fenômeno “xenoglóssico talvez nunca se manifestasse.”
(*) Hipótese espírita (**) Hipótese materialista
*
Neste ponto, permitimo-nos discordar do Dr. Martins Oliveira. Para nós, espíritas, o mediunismo não constitui anormalidade psíquica.
Todos os indivíduos são, em maior ou
menor proporção, dotados de faculdade mediúnica. Muitas vezes, a mediunidade “não
desperta” com intensidade, mas de algum modo sempre se manifesta. Queremos
crer, no caso que acabamos de reproduzir, que tenham sido justamente as
entidades espirituais mencionadas que induziram o “inexperiente” a hipnotizar F.J.B.
para que sua mediunidade latente “despertasse” de uma vez. Isso poderia suceder
mesmo que não surgisse em o caminho o hipnotizador incipiente, pois a envergadura
moral do Espírito que se entendeu diretamente com o Dr. Martins Oliveira leva-nos
a crer que ela estava sendo “preparada” para o exercício da mediunidade. Tanto assim
que, antes da intervenção do hipnotizador inexperiente, já demonstrava os “sintomas”
do mediunismo: fazia aos pais descrições que eles consideravam estranhas e
absurdas. Vários médicos haviam sido já consultados a respeito de suas “anormalidades”.
Entretanto “o seu estado geral era admirável”. Está no livro do Dr. Martins
Oliveira. O médico inexperiente servira, ele próprio, de instrumento dos
Espíritos, que se valeram da sua interferência para precipitarem as coisas. É o
raciocínio que fazemos.
Dizer, porém, que, não fora isso, “talvez
nunca o fenômeno xenoglóssico se manifestasse”, parece-nos temerário, embora o
ilustre médico prudentemente recorresse àquele “talvez”.
........................................................................
E assim ele encerra a empolgante descrição do fato: “Hoje,
F.J. B. já casada e com filhos, abraça-me quando me vê e tem sempre esta frase gentil,
como se fora um agradecimento eterno à minha dedicação:
“- Continuo a ser a mulher mais
feliz do mundo!"
*
Os leitores do “Reformador” que ainda não leram “Xenoglossia”, do eminente Ernesto Bozzano, devem fazê-lo para se inteirarem com minúcias dessa interessante, curiosa e Importantíssima faceta da mediunidade. Nessa obra editada pela Federação Espírita Brasileíra, Bozzano, com o rigor científico indispensável, estuda e analisa, sem parti-pris, os diversos aspectos da “mediunidade poliglota”.
São dele estas palavras:
“...As
manifestações de “xenoglossia” se contam entre as mais importantes da fenomenologia
metapsíquica, por isso que eliminam de um só golpe todas as hipóteses de que
dispõe quem queira tentar-lhe a explicação; sem se afastar dos poderes
inerentes à subconsciência humana. Da minha afirmação deriva, como
consequência, que a interpretação dos fatos, no sentido espiritualista, se impõe
agora de modo racionalmente inevitável. Quer isto dizer que, por obra dos fenômenos
de xenoglossia, se tem que considerar provada a intervenção de entidades espirituais
extrínsecas ao médium e aos presentes, nas experiências mediúnicas.”
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