A partir
de agora ...
José Brígido (Indalício Mendes) Reformador (FEB) Novembro 1963
- Pensando bem, é isso mesmo. Mas você...
- Sim, eu ... Sei o que você está pensando.
Não diga mais “você”: diga “nós”... Compreendo ser também
assim, embora às vezes pense estar liberto dessas imperfeições.
- Curioso: Já em baixo o orgulho não nos deixa ficar
juntos e conversar assim, com sinceridade, como estamos conversando aqui. Você
me evita, eu evito você... Como as coisas mudam, não é?
- Sem dúvida. Ainda somos felizes por poder verificar
essa diferença. Tudo também pode depender, até certo ponto, do ambiente em que
vivemos. Na realidade, todos somos excessivamente individualistas. Egoístas,
diria melhor. Julgamos sempre valer mais do que realmente valemos. Aí está o mal.
- Agrada-me que você pense assim, tão superiormente. Se
disto nos lembrarmos quando regressarmos ao corpo que nos espera, poderemos
fazer as pazes e voltar a ser amigos.
- Se não nos
lembrarmos de tudo, haveremos de guardar alguma coisa e esse nada nos ajudará a
desbastar as arestas dessa desafeição idiota em que nos achamos na Terra. Se
somos compreensivos agora, poderemos ser compreensivos também na Terra. Sabemos
que nos falta humildade. Sabemos aqui, mas lá não nos lembramos de socalcar (comprimir
bem) a nossa vaidade e dominá-la.
Nessa ocasião, uma
luminosa entidade se aproximou de ambos e entrou na conversa... A voz mansa,
mas firme, denotava experiência:
- Você tem maior responsabilidade - disse para o primeiro
dos Interlocutores - porque está no Espiritismo, conhece a Doutrina Espírita e
o Evangelho. Não deveria incorrer nos erros em que, às vezes, se afunda como um
nadador desatento.
Voltando-se para o outro, ajuntou:
- Mas nem por isso você é menos responsável, embora não
aceite o Espiritismo e não conheça a Doutrina Espirita. Já possui uma preparação
mental capaz de lhe dar a medida. da responsabilidade de cada ser humano em
face de um seu semelhante. A sua experiência já lhe permite distinguir o bem e
o mal. Portanto, não se considere isento de culpa, mesmo porque o seu passado
espiritual lhe aconselha mais vigilância nos atos e nas palavras. Os deveres
que cada uma das criaturas humanas traz ao encarnar não são diferentes só
porque um professa esta religião e outro professa religião diferente. Nada
disso. Todo homem tem um programa a cumprir, uma obrigação a realizar, quando
deixa o mundo espiritual e penetra no mundo terreno. Todos carregam o seu fardo
cármico, com as suas responsabilidades, as suas aflições, as suas dores. Todos são
devidamente instruídos ao deixarem o plano espacial e nenhum pode alegar ter
sido lançado à Terra sem prévia advertência dos mentores que trabalham pela
redenção de cada um. Além disso, nenhum anda SÓ. Todos têm um acompanhante
fiel, que procura alertá-lo, ajuda-lo nos momentos cruciais da vida. Mas nenhum
acompanhante pode agir em detrimento do livre-arbítrio daquele que lhe cumpre
seguir. Se a sua responsabilidade é menor em face deste seu companheiro de
jornada terrena, nem por isso lhe isenta de culpa. Todos os que quebram ou
favorecem a quebra dos laços de fraternidade, sejam quais forem os pretextos,
são corresponsáveis pela desarmonia. Quem o diz não sou eu, mas o espelho cármico
que todos possuímos, no qual se refletem as nossas virtudes e as nossas imperfeições
morais.
Depois de observar o efeito de suas palavras sobre os
dois Espíritos que, temporariamente divorciados da Terra, aquiesciam em trocar ideias
no Espaço, a entidade recomeçou a falar:
- Vocês estão vendo esses dois amigos que lhes estão
próximos? Não? E agora, conseguem vê-los? Bem. São os seus Espíritos-guias. Os
seus “anjos da guarda”, como costumam dizer lá em baixo. A neblina materialista
impede que vocês os vejam, mas eles estão sempre presentes em sua vida, na hora
alegre e na hora triste. Exercem a fidelidade como um sacerdócio sacrossanto.
Têm muito trabalho para evitar que vocês se desviem do bom caminho e sofrem
extraordinariamente quando falham, menos por eles do que pela impertinência de
vocês. Felizmente, dizem-me eles, vocês não são muito rebeldes. Isto já
representa alguma coisa.
Num tom ainda mais amistoso, a entidade prosseguiu:
- Vamos conversar um pouco mais intimamente, porque o
raiar do dia se aproxima e vocês terão de iniciar suas tarefas terrenas logo
que regressarem à Terra. Não pensem que sou um santo. Já fui também como vocês.
Até bem pior. Não gostava de ser contrariado, procurava fazer valer as minhas
opiniões, ainda que absurdas. Irritava-me por qualquer coisa, não admitia discordâncias.
Como sofri! Eu mesmo criava em torno de mim uma atmosfera desfavorável, fluidos
que impressionavam desagradavelmente a quantos de mim se acercavam. Em lugar de
compreender que eu era o causador desse ambiente inferior, queixava-me de
todos. Ninguém servia para mim, todos, por melhor que fossem, tinham um defeitozinho...
A questão era observar. Em vez de me contentar com as qualidades das pessoas,
eu procurava, com a tenacidade de um garimpeiro, descobrir lhes as deficiências.
E, ao apontá-las, nunca me ocorria que eu as tinha duplicadamente... Sofri
muito!
Suspirou com certa tristeza, recomeçando logo:
- O sofrimento exerceu sobre mim, paulatinamente, uma
ação retificadora. Foi dando polimento ao meu estado moral. Reencarnei diversas
vezes sem melhorar muito até que, numa dessas reencarnações, apesar da
descrença que me dominava a respeito de religiões, encontrei no Espiritismo a
bússola que me irá fazer reencontrar o rumo perdido, o caminho da minha educação.
Não foi fácil. Os princípios da Doutrina Espírita nos ensinam a arte do bem
viver na Terra e os meios de cultivar a amizade e a simpatia dos nossos
semelhantes, a fim de que, ao voltarmos ao mundo espiritual, achemos a subida
menos difícil. Mas, tudo custou muito. Eu lia muito, frequentava muitos
Centros, ouvia palestras, porém não conseguia reter os belos ensinamentos para
cumpri-los sem defecção. Falhei muito, vendo malogradas inúmeras tentativas de
exemplificação, porque o meu Espiritismo era para uso externo. Eu aconselhava a
Doutrina a outros irmãos, mas não a seguia.
Citava passagens do Evangelho, sem,
contudo, delas me recordar quando precisava dar o exemplo. Semelhante
procedimento fez que eu sofresse ainda mais. Lutei, perseverei, vendo magníficas
oportunidades perdidas. Sinto-me agora menos inseguro e mais animado para
continuar o meu trabalho de auto aperfeiçoamento. A dor causada pela falta de
exemplificação, pela oportunidade que nos é oferecida e não a aproveitamos, é indescritível.
É uma dor moral profunda, meus amigos. Mais vale sofrer por fidelidade à
Doutrina do que por apego a hábitos e costumes que a contrariam. Ninguém pode
exemplificar bem a Doutrina sem exercer a humildade legitima.
Ouvimos em silêncio todas as palavras do mentor esclarecido.
Que poderíamos dizer, se o nosso nível espiritual não nos permitia sequer
sentir sem abalo a forte vibração fluídica desse amigo? É fácil conquistar a humildade?
Ele sentiu a nossa pergunta e respondeu:
- Não, é difícil, muito difícil. Ela tem de ser conseguida
através da renúncia diária ao que presumimos ser indispensável à importância da
nossa vida terrena, moralmente falando. A sua conquista pode ser fácil quando o
passado cármico não é demasiadamente denso. Caso contrário, não será trabalho
de um dia. Pode levar anos. Para ser sólida, precisa de cultivo permanente, de
todos os instantes, cotidianamente. É fruto de ação pertinaz e indefectível.
Não é humildade o sentimento que se exerce esporadicamente. Exige a reforma do
sentimento íntimo. Não é tarefa difícil de realizar, mas a sua conquista
constituí a maior vitória do Espírito. Mas não confundam humildade com subserviência.
A humildade dignifica o Espírito; a subserviência o rebaixa. Ninguém deve
renunciar ao esforço reconstrutivo quando fracassar. A cada queda, nova
tentativa, novo esforço para não cair, até que consiga manter-se de pé e, com
alegria, verificar a vitória obtida sobre si mesmo. A reeducação espiritual é
trabalho tão precioso na Terra quanto o da alimentação cotidiana a que vocês estão
sujeitos na vida material. Mas cuida-se pouco do Espírito. Não é só frequentar
Centros Espíritas e igrejas que promove o apuramento da alma. É mister seguir o
itinerário espiritual com coragem e persistência para obter benefícios. Esses
benefícios serão tanto maiores quanto maior for o interesse que tomarmos pelos
nossos semelhantes. Há muitas formas de ajudar, muitas maneiras de fazer o bem.
O exercício da caridade é o caminho mais curto da salvação, diz “O Evangelho
segundo o Espiritismo”.
Ditas essas palavras, a entidade espiritual se despediu,
deixando nos dois ouvintes inefável sensação de paz. Eles, então, se abraçaram
e se desculparam mutuamente dos agravos que haviam trocado.
- A partir de agora, seremos mesmo amigos. Os laços da
amizade que tecíamos estavam fracos. Os incidentes em que nos vimos envolvidos
serviram para nos tornar mais lúcidos em relação aos deveres que temos com os
outros, na vida de relação. Portanto, a partir de agora ...
A verdade é que os dois homens despertaram mais humanos, mais fraternos. Não se lembraram do que havia ocorrido durante o sono do corpo, mas sentiam estar predispostos a olhar os semelhantes com maior boa-vontade e tolerância. E quando se encontraram, em vez de passarem silenciosamente, cumprimentaram-se, a princípio discretamente e mais tarde com menor reserva. Até que o dia de conversarem amistosamente chegou e se abraçaram.
Esta é uma lição verídica e demonstra quanto podem fazer os
Espíritos esclarecidos acerca do cultivo da fraternidade na Terra.
Vocês que leram esta história, se tiverem algum caso a
resolver, tomem uma decisão, prefiram ter a iniciativa da reconciliação, porque
isso será importante para o futuro espiritual de cada um, encarnado ou
desencarnado. Portanto, decida, pondo de lado preconceitos e temores, vaidade e
orgulho. Diga como aqueles dois amigos o fizeram:
- A partir de agora...
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