sábado, 12 de setembro de 2020

Disciplina e liberdade

 

Disciplina e Liberdade

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Julho 1967

             Não há incompatibilidade nenhuma entre liberdade e disciplina. Pelo contrário, ambas se interpenetram, ambas se sustentam, porque uma é indispensável à outra, tanto que somente podem sobreviver sem perder a sua legítima substância, quando coexistem unidas. Tanto isso é verdade que a ausência da disciplina, no exercício da liberdade provoca inevitavelmente o abuso, a confusão. Da mesma maneira, se o sentido da liberdade abandona a disciplina, esta se transforma em sujeição, em coação, em escravidão, enfim, na supressão total do respeito à pessoa humana e, obviamente, aos mais elementares e imprescindíveis direitos humanos.

             A Doutrina Espírita respeita a liberdade da criatura humana, dando-lhe como pauta de seu comportamento cotidiano o livre-arbítrio, isto é, conferindo-lhe a exclusiva responsabilidade pelos próprios atos. Entretanto, ensina como adotar um procedimento, tanta quanto possível isento de erros, armando cada criatura humana dos recursos morais necessários à conservação da boa liberdade e ao seu uso correto. Esses meios nada mais são que a disciplina a que todos temos o dever de seguir, a fim de assegurarmos a limpeza do nosso carma, suportando com coragem e fé as provações e sustentando a mesma vontade enérgica para não infringir os preceitos disciplinares e, concomitantemente, para se assegurar a posse da legítima liberdade.

             Há quem tenha noção deturpada da disciplina. Suponhamos que, numa reunião, se estabeleça o silêncio como regra para a manutenção da ordem dos trabalhos. Isso, evidentemente, não quer dizer que todos devam comparecer à sessão com a boca fechada a esparadrapo. Se houver real necessidade de um pedido de informação ou por qualquer outro motivo verdadeiramente ponderável, poder-se-á falar, muito baixo, apenas o imprescindível, sem que tal importe em perturbar o silêncio necessário, porque, afinal, numa sessão, o silêncio é valioso, mas não se deve ir ao absurdo de exigir que todos emudeçam inexoravelmente, porque sempre poderá surgir um motivo respeitável para falar, sem quebra da disciplina determinada.

             A Doutrina Espírita é admirável também como norma de respeito à liberdade e à disciplina, porque ambas são absolutamente essenciais onde quer que se procure união, ordem, eficiência e entendimento. Uma sessão espírita, seja simplesmente de estudos doutrinários, seja de trabalhos mediúnicos, necessita de silêncio e ordem, que subentende disciplina. Todavia, pode-se alcançar a disciplina e a ordem sem afetar a liberdade natural dos que a frequentam, desde que haja um serviço de orientação dos assistentes, sem repúdio à tolerância esclarecida, que Kardec prescreveu no lema “Trabalho - Solidariedade - Tolerância.” - Essa liberdade não pode nem deve ferir a disciplina preestabelecida, devendo-se, amistosamente, amorosamente mesmo, procurar a conciliação da liberdade com a disciplina, para alcançar-se a ordem que propiciará a eficiência das reuniões.

             É do equilíbrio geral que emerge a solidariedade indispensável à formação dum ambiente elevado e homogêneo. Desde que possa haver constrangimento íntimo de coação, descontentamento secreto, sopitada irritação, estará comprometido o ideal de homogeneidade perseguido, em virtude de provocar a incapacidade de uma concentração compatível com a finalidade da reunião.


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