Bens materiais
W.
Reformador (FEB) 1º Abril 1918
“Assim pois, aquele
de vós que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo.” Lucas
XIV. 33.
A nova revelação trazida por intermédio de Roustaing,
isto é, o comentário dos Evangelhos feito pelos próprios Evangelistas, servindo
de médium aquele escritor francês, pouco fala a respeito de semelhante versículo
de Lucas. Apenas sete linhas.
Essas sete linhas, porém, dizem tudo.
E, se forem bem meditadas, nenhuma palavra se faria mister
acrescentar-lhes.
O espírito humano, entretanto nos é, em geral, muito
amigo de meditações. Exige que se fale longamente, repetindo cada dia os casos
já sabidos, para poupar-lhe esse trabalho e inspirar no ânimo certos princípios,
que devem nele estar gravados salientemente, como o código ao qual lhe cumpre obedecer.
Daí a necessidade de comentários mais extensos em se tratando
de quem não gosta de meditar.
Será
difícil, no entanto, acrescentar alguma coisa de fundamentalmente novo ou de
valioso a estas palavras da obra de Roustaing, a propósito do versículo que encima
estas linhas:
Essa moral é a mais alta expressão do que as religiões adiantadas
ensinam e abrange os ensinamentos sociológicos mais elevados de qualquer das escolas,
colocando-se numa altura independente de qualquer deles.
Porque
a filosofia espírita não entrando na apreciação dessas escolas econômico-sociais,
por outra ser a sua tarefa, contém os princípios da lei divina, no qual devem
subordinar-se todas as humanidades, em todos os planetas, quaisquer que sejam as
reformas sociais apuradas no meio delas.
A humanidade atravessa um período de duras provações. Os
sofrimentos aumentam. As dificuldades de vida crescem para quase todas as classes.
E, sem falar na desgraça máxima representada pela contingência de pegar duma carabina
para matar por grossos os semelhantes ou inutiliza-los, antes de morrer também
ou ficar inutilizado – o mundo apresenta, no momento atual, o aspecto mais doloroso
que se possa imaginar, tal o acúmulo de males e desventuras que tendem agravar-se
em vez de minorar.
Em face disto, é dever do homem estudar a causa de todas
essas desgraças, a fim de remediá-las, em vez de estudar a causa de todas pelo
seu aspecto superficial.
Não se pode negar que a fonte de todos os males sociais reside,
juntamente com outros fatores, no amor exagerado aos bens materiais.
É
essa única ocupação incessante de aumentar os lucros, de acumular dinheiro, seja
unicamente pela satisfação de guarda-lo, de procurar fontes de gozo material,
requintes de prazer, além do que normalmente o homem pode e deve desfrutar, é
essa preocupação incessante a origem do mal estar geral que se nota hoje, com
mais veemência talvez do que em todas as épocas passadas.
Seria inexato, porém, afirmar que é a causa exclusiva.
Há outras que entram como fatores de primeira ordem: o
orgulho, a inveja, a falta de amor.
Mas o egoísmo é sempre um fator respeitabilíssimo nesse vasto
laboratório universal de sofrimentos.
E se o egoísmo deve ser estudado em múltiplos aspectos,
não há dúvida que pode e devo ser começado por esse dos bens materiais e é por isto
que a ele se refere de modo tão frisante a palavra do Cristo.
É
bem verdade que a caridade mais valiosa é a que se dirige ao espírito; que aquele
que procura satisfazer a necessidade moral do seu semelhante lhe presta maior benefício
do que com o dar-lhe uma esmola monetária; que o desejo do progresso espiritual
dos nossos irmãos e a cooperação para ele é mais benéfica do que o desejo de
aliviar as necessidades materiais e o que, neste sentido, se possa fazer.
É
bem verdade tudo isto. O que, todavia, não é menos verdade é que quem se não
interessa pelo minorar os sofrimentos corporais do próximo, menos se incomodará
com seus sofrimentos morais, com as necessidades do seu espírito. -
Não
falta quem diga, (e com isto exprimirá uma verdade consagrada na ciência espiritualista)
que todos os sofrimentos do homem tem origem na reparação, que lhe compete, de atos passados: que o sofrimento, a
miséria, as dores, as necessidades, representam cenas já anteriormente preparadas,
que devem desenrolar-se, a fim de, com isto, o homem resgatar as culpas que sobre
ele pesam.
Numa palavra, todos os portadores da nova revelação cristã,
afirmam que o sofrimento e a miséria de cada um é consequência e ao mesmo tempo
o remédio de faltas anteriores equivalente e realmente o enunciado deste princípio
fundamental foi a maior razão da luz até hoje projetada no domínio dos
conhecimentos e a crença da humanidade.
Isto,
porém, implicará nosso indiferentismo ou permitirá que cruzemos os braços diante
dos sofrimentos e das privações materiais dos nossos companheiros de degredo, sob
o pretexto de que estão cumprindo o seu destino e de que tal sorte lhe é imposta,
com todos os merecimentos, pelos executores da justiça divina, soberanamente justa?
De modo algum.
A
lei da reparação se cumpre com a justiça absoluta, bem o sabemos.
Mas com esta justiça só tem a preocupar-se os seus executores,
que não são, certo, os homens.
Com a explicação dessa - não diremos “pena”, que esse conceito
assim como foi varrido da concepção do moderno direito moderno penal, também o
foi pelo neo-espiritualismo racional - com aplicação aos homens desse remédio
desagradável, melhor assim se exprimirá, só tem que ver os espíritos prepostos à
execução das leis divinas, os quais naturalmente preparam a situação em que
cada um tem de nascer na Terra, situação matematicamente correspondente aos seus
atos e pensamentos na vida ou nas vidas anteriores.
Ao lado dessa lei de justiça, cuja execução é dirigida no
mundo espiritual, existe a lei da solidariedade e e do amor, cuja observância nos
é imposta, em progressão sempre crescente, de conformidade com os surtos de nosso
desenvolvimento moral.
Achamo-nos, todos os homens recolhidos a uma vasta penitenciária
ou hospital (que outra coisa não é a Terra, sob o ponto de vista neo-espiritista)
e nossa tarefa não é a de indagar se tal pena de “A” ou “B” é merecida e sim de
procurar, por todos os meios ao nosso alcance, tratar de minorar a situação
aflitiva dos que estão em piores condições que nós.
Este o dever fundamental do homem: todo os outros
deveres-lhe são subordinados.
Se alguém sofre provações, objeta-se, é porque assim o
merece.
Também não é menos verdade que se, de qualquer modo, o favorecemos
é porque assim ele a isto fez jus, pois tudo quanto acontece é merecido.
Ninguém deseja, com uma tal afirmação, que os
capitalistas e os homens arranjados venham para a praça pública distribuir a fortuna
pelos desocupados ou pelos enfermos nas choupanas, ou pelos indigentes sem
abrigo.
Não se trata da dissolução da fortuna: trata-se da sua boa
aplicação. Não se trata de dar cegamente: trata-se de dar de modo inteligente,
direta ou indiretamente.
Não há dúvida que é uma responsabilidade bem grande para
o capitalista, para o homem economicamente independente não cuidar de minorar as
necessidades materiais dos mártires do dinheiro.
E
se o próprio fato de ter amor - exagerado aos prazeres trazidos pela posse da fortuna,
prejudica extraordinariamente o desenvolvimento moral, ocasionando em outra vida
de regresso à Terra, uma situação justamente contrária, isto é, de privação de
bens, - que diremos dos homens de fortuna que não só se deixam embriagar pela comodidade
do conforto material, mas, além disto, não tratam de empregar uma parte uma
parte do supérfluo na mitigação da miséria dos semelhantes?
Até hoje, pondo de parte as raras exceções de filantropia e desprendimento, o mais que o homem comum faz é privar-se de uma parte mínima do que, na sua fortuna, lhe é supérfluo.
Já também nos não referiremos a essas expansões deploráveis
de avareza, por não estar isto, felizmente, na generalidade dos homens.
Lançando um relance d'olho pela obra até hoje realizada, é
bem de ver a dolorosa realidade do que muito deixa ainda a desejar.
Cuidamos, ainda, demasiadamente, do nosso conforto.
Preocupamo-nos demasiadamente com o nosso futuro e
pensamos pouco no mal estar social, na privação dos nossos semelhantes.
Praticamos
pouco o pensamento contido na doutrina cristã.
O homem de governo, o homem de finança, o homem do alto comércio,
o grande proprietário pouco pensa ainda no sofrimento dos semelhantes. Há-os que
pensam um tanto. Chegou, porém, o tempo de se pensar mais.
Ao homem de governo, especialmente, cabe, neste particular
uma responsabilidade bem grave, pois a resolução do problema de aliviar os
males sociais, em grande parte, está nas suas mãos, exigindo apenas que ele se
interesse um pouco, que procure, sentir
um pouco a sorte dos homens necessitados.
A isto, quase sempre objetam que não há recursos orçamentários
para despesas de tal ordem.
Mas, num só dia, às vezes, em qualquer país, se gasta em
despesas extraordinárias inúteis, francamente inúteis, criminosamente inúteis, uma
importância que seria suficiente para resolver o futuro de mil pessoas infelizes,
para fundar um hospital onde mil doentes, sem recursos, recebessem o alívio de suas
enfermidades!
Que grande responsabilidade para os homens do governo,
perante a lei divina!
Não há recursos? pois que se procurem onde os houver! Que
se criem esses recursos!
Não há princípios de direito administrativo, de finanças
ou de economia política que possam preterir os da dá lei divina.
Implica isso numa taxação maior para as classes mais favorecidas?
Bendita essa taxação que tivesse por escopo divisar alguns
grãos de trigos de um celeiro para salvar a quem morre de fome!
Seria suficiente que desistíssemos todos de uma centésima
parte do que ganhamos para que a felicidade material se estabelecesse no
planeta para todos os habitantes.
Porque não se reúnem os homens para fundar institutos,
associações de beneficência, não um, mas dois, três, dez, cinquenta, tantos
quantos se fizerem necessários?
Porque não se reúnem os mais arranjados, organizando uma
distribuição constante, ampla de recursos aos milhares que sofrem, o encaminhamento
de desamparados para atividades sociais, a reparação de faltas que levam
infelizes meninos a abraçar a vida desonesta?
Porque não vamos ao encontro das necessidades dos nossos irmãos,
sem esperar que eles nos procurem?
Tudo isso unicamente porque dentro de nós há ainda o egoísmo
a governar.
Procuramos só em nós, só no que desejamos e nos abstemos
de pensar no que os outros e no de que precisam.
Temos ainda demasiado apego aos bens materiais, ao dinheiro.
Estamos longe de uma tentativa de prática do pensamento
contido no comentário da nova revelação.
Porque, a mal cumpri-lo, deveria cada um perguntar a si
próprio todos os meses: pondo agora de lado
o que me é restritamente necessário, - de que modo poderei aliviar as
necessidades e sofrimentos de meus irmãos, com o restante dos meus vencimentos
ou lucros mensais?
Como estamos longe de semelhante preocupação!
Mas, também quanta responsabilidade vamos assumindo com o
nosso indiferentismo!
Que vida futura nos vamos preparando, sem cuidar de
raspar essa crosta de egoísmo que nos envolve e domina o espírito!
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