Credo
Filosófico por Emmanuel Darcey
Livraria Clássica Editora
de A.M. Teixeira
Lisboa
- 1919 Tradução e anotaçõ :
Arantes Pereira F º
Nascer, morrer,
renascer ainda, progredir sempre: tal é a Lei.
Profissão de Fé
Aos que me lerem:
O homem relativo, finito e limitado como é, não pode
alcançar tudo.
Eu creio que os nossos destinos não estão limitados a
este plano, átomo da Criação, mas sim que se estendem continuamente pelos
páramos infinitos do Universo.
Creio na evolução integral do ser e da vida no Universo.
Creio na salvação de tudo que vive e de tudo que respira.
Creio na pluralidade dos mundos e das existências; na
ascensão universal dos seres e no progresso continuo da alma; nas suas
arremetidas e nas suas paragens, com as suas crises e com as sanções que daí
dimanam.
Enfim, creio em Deus.
E como assim creio desejaria também que os outros cressem.
A leitura destas páginas singelas e sem estilo outro fim
não tem que levar a Luz aos lares onde Ela ainda não brilha.
Emmanuel Darcey.
CREDO FILOSÓFICO
Neste plano em que
nos encontramos acidentalmente e a que por convencionalismo chamamos mundo, não
nos é possível distinguir a sua forma, o seu fim, o seu início nem a sua
posição. Não distinguimos a luz, além do nosso berço, nem além do tumulo. A noite
circunda-nos e inunda-nos, infiltrando-se em nós mesmos. A criatura humana
encontra-se em um estado de completa ignorância.
A Terra é um mundo imperfeito, isto é, limitado, no qual
não observamos senão os efeitos; as causas, essas encontram-se escondidas,
cobertas com o véu de Isis, que o homem, no seu progresso continuo irá erguendo
lentamente. É-nos vedado abraçar o Infinito; já nos basta a possibilidade que
temos de chegar ao limiar do mistério, deixando-nos antever a claridade
brilhante, que reina nesse Plano Harmônico em que se baralham todos os destinos
e onde podemos já distinguir que é ali o reino da Justiça e da Verdade
Supremas.
*
Além da inteligência humana, dos esforços da ciência e da
razão; além dos dogmas oficiais e dos cultos estabelecidos, gravitam duas
grandes ideias que são o fundo comum da intuição e da consciência: Existência
de um ser supremo, príncipe e governador da Vida; perpetuidade da consciência
individual, isto é, em palavras explícitas e nítidas, a ressurreição ou
continuidade do ser.
Simples, como tudo quanto é verdadeiro e grande, estas
duas verdades fundamentais da vida, que paradoxalmente são elementares e
profundas, afirmam-se por si próprias.
*
Aqueles que nos dizem que no mundo não existem nem a
Verdade, nem Ordem, nem Providência; que o mundo é composto por fenômenos
sucessivos, posto em jogo pelo acaso, iludem-se e iludem-nos. Estudam mal e não
reparam ou, então, se reparam não põem em jogo senão uma leve observação,
meramente automática. Tudo se realiza, porém, ao contrário, segundo leis
imperiosas e imutáveis. Na vida e nas pessoas existe uma harmonia indefinível,
e a vida é o mais rigoroso dos silogismos para aqueles que Sabem distinguir- as
premissas e esperar pacientemente a sua conclusão.
*
O Universo não é
surdo nem cego. O desenvolvimento da vida está protegido em toda a parte pela
Providência inteligente que, tanto concede ao indivíduo a liberdade dos seus
movimentos e o mérito dos seus esforços como salvaguarda à Ordem Universal. A
vida não é um labirinto emaranhado, confuso, intrincado, um caos informe, nem
tão pouco uma dolorosa mistificação. O mundo não tem por Causa o acaso, pois que
o acaso sendo cego, como pretendem os materialistas, não tem aptidões necessárias
para realizar uma obra tão vasta que confunde a razão humana.
O seu Autor, foi uma Inteligência Superior; foi Ela que
estabeleceu e coordenou todas as leis que nos regem, cujas leis a nossa própria
inteligência vai constatando e seguindo na sua execução, passo a passo, e a capacidade
constante e relativa da sua realização progressiva. Este sistema tão vasto que
a nossa razão reencontra e reconstrói com esforço, é o fruto de uma Razão
Poderosa; a concepção das suas leis, cuja simples descoberta coroa de louros e
de uma glória imortal aquelas criaturas que nós, no nosso vocabulário chamamos
gênios da humanidade, são filhas diletas de um Gênio Superior. E nós, então, na
maioria, desconhecemos tamanha e tão fecunda Mentalidade! Os povos selvagens,
que desconhecem os argumentos da filosofia e os fatos da ciência, mas que creem
em uma Fonte Sobre humana, fazendo o seu juízo crítico das coisas que estão
acima do poder humano, são bem mais lógicos e coerentes, bem mais racionais e
inteligentes, apesar de selvagens, que os homens que se julgam formados à sua
própria custa junto do altar da ciência.
Que se lhe chame Deus, Jeová, Alá, Brama, conforme as línguas,
as épocas e os lugares, pouco importa ao caso, já que nada pode influir na evidência
da demonstração de um Criador, de uma Razão primitiva, de uma Causa consciente
para todos os efeitos, visto que é essa demonstração uma verdade imutável e que
é necessário admitir-se como se admite o infinito do tempo e do espaço. Sem
essa crença em Deus é incompreensível este mundo. Negar Deus é o mesmo que
negar a existência do Universo e da razão humana; -é negar a sua própria existência.
Uma fatalidade cega não podia produzir seres capazes de conceber e de raciocinar.
O homem pensa; portanto Deus existe.
*
Existe no homem um princípio inteligente, indestrutível,
que lhe conserva a sua individualidade depois da morte. É tão impossível
destruir a personalidade humana, como aniquilar um átomo da matéria. O nada é
uma palavra vã; nada cessa de ser. A morte não é um fim; é apenas uma
transformação, uma metamorfose necessária: um renovamento. Somos eternos pela
base do nosso ser; temos para sempre a vida. Seremos porque somos.
O aniquilamento não existe; apenas se sucedem diferentes
estados, uns após outros: a eterna transmissão de uma ordem de coisas
sucedendo-se a outra; de uma economia a outra; de uma necessidade a outra.
Tudo, na sua hora própria, atinge o seu melhoramento e aperfeiçoamento que só
consegue pelo seu trabalho próprio e incessante. O túmulo não é o termo da
marcha do homem na eternidade. Os mortos voltam; os VIVOS passaram já pela
morte. Os que vêm para a vida, assim como os que a deixam, vêm e vão continuar
a sua missão, na qual colherão, respectivamente, o que semearam. O nascimento
não representa um princípio; nascer não é começar; mas sim mudar de fisionomia.
As nossas vidas nada mais são que continuações permanentes e necessárias, isto
é, meras consequências para o nosso bem. O nascimento e a morte não são
opostos: sono e sonho, morte e nascimento é tudo a mesma coisa: - uma transição
semelhante, um acidente previsto.
*
Desaparecemos dos
nossos parentes, quando morremos, por um mero efeito de ótica. O homem não é
uma sombra, um vapor que se dissipa no ar; a forma humana não é senão uma crisálida
do que será. Os nossos mortos não morreram: vivem, estão conosco, ao nosso
lado, nos nossos combates, participando das nossas alegrias e dos nossos pesares.
O éter não está morto nem estéril. A atmosfera não está vazia; o ar, como o
oceano, é habitado. Seres habitam o ar, sem sombras nem silhuetas; escondem-se
na luz, escapando aos nossos olhos. E estas almas, sempre vivas e agindo
constantemente, que trazem consigo o resultado do seu passado intelectual e
moral, o seu céu e o seu inferno, estão submetidas, como nós, aos efeitos das
forças inflexíveis da Natureza, aguardando constantemente a hora do seu
regresso ou da sua ascensão, que lhe é determinada segundo os seus progressos e
méritos.
*
Existem dois mundos: o ponderável e o imponderável; o
mundo dos corpos e o dos espíritos, ou mundo invisível que se estende pelo
espaço, entre o qual vivemos sem por ele darmos fé. Os espíritos não são seres
abstratos, vagos, indefinidos; mas sim seres concretos, não lhes faltando senão
a visibilidade dos humanos, ou melhor, tão transparentes que escapam à grosseria
do nosso centro ocular. O seu invólucro fluídico, correlativo ao seu grau de
adiantamento e de perfeição, torna-os distintos uns dos outros, como no nosso
plano se dá com o nosso corpo. O fluido universal estabelece-lhes uma
comunicação constante: é o veículo da transmissão do pensamento, como o ar o é
do som.
A morte não é um aniquilamento, já o dissemos, nem tão
pouco é uma transformação que concede à alma toda a perfeição, pondo-a,
subitamente, de posse de toda a Verdade; as suas concepções, os seus prejuízos,
os seus erros e as suas paixões continuarão existindo, numa constante relação
com o grau do seu adiantamento, pois que tudo na natureza, quer visível quer
invisível, é relativo. O homem não pode deter-se na sua marcha, repentinamente
sem a sua participação em todos os seus efeitos, seja para estacionar, seja
para se aperfeiçoar por completo. O progresso do Espírito não se realiza senão
com o auxílio do grande fator do tempo, tanto na vida do espaço, como na
corporal. É apenas sucessivamente que ele se vai depurando das suas
imperfeições, recebendo conhecimentos novos que lhe faltaram. O estado
espiritual e o estado corporal são para o Espírito duas espécies de progresso,
solidárias uma com a outra. Em toda a parte ele encontra um campo de ação para
a sua inteligência e faculdades, para que possa tomar parte, também, na obra
continua do Supremo Arquiteto.
Os “imponderáveis”
representam um papel importante no mundo moral e, até certo ponto, no próprio
mundo físico. Exercem uma influência sobre nós pelas ideias que nos sugerem e
lutam constantemente para se tornarem os mentores da nossa inteligência. As
correntes de inspiração; muitas vezes contrárias, que reinam nesta terra, perto
dos homens, não têm outra causa, e muitos dos conhecimentos que desviam as
nossas previsões, são devidos à influência dos mortos sobre os vivos. Esta ação
do mundo invisível sobre o mundo visível, e reciprocamente, encarada como
absurda e impossível, é uma lei tão exata e rigorosa, como as leis do movimento
e da atração, necessárias à harmonia universal.
*
Quando abandonamos esta vida, não nos encontramos logo em
um estado definitivo. Não quer Isto dizer que nos seja recusado um bem melhor
estado ao que se ocupa neste planeta, enquanto vivo; mas por uma única prova
não podemos ser julgados. Nada se conclui neste plano. Nenhuma inteligência criada
pode ter aprendido o suficiente para prescindir de aprender mais. Todo o ser
tem que chegar ao seu fim no sistema da Natureza. Deus, na Sua infinita
Bondade, lançou nos nossos corações uma força motriz para que possamos seguir avante:
- a paixão do melhor. A mesma força que nos faz ser, obriga-nos a seguir além.
Viver é começar a ser e começar a ser é aspirar. Deus não impôs uma Lei para
que deixasse de ser cumprida e, enquanto que um ser humano tenha alguma coisa a cumprir, isto
e, a realizar um progresso, alguma coisa lhe falta ainda. Necessário é,
portanto, que o realize.
Não devemos encarar a morte, senão como um transbordo na
nossa viagem. A morte é uma encruzilhada de vias que partem em todas as
direções do universo e sobre a qual continuamos o cumprimento do nosso destino
infinito. A mobilidade é a nossa lei; não existe um repouso definitivo. O ser
finito por oposição com o ser infinito, encontra-se perpetuamente submetido a
uma lei progressiva. O momento presente resulta do precedente e o seguinte
deduzir-se-á do presente. O céu não é uma morada: mas sim um caminho. “O Paraíso
é o infinito dos mundos”.
*
Tudo morre para renascer; tudo evolui tendendo sempre
para um estado superior. Na Natureza tudo obedece à lei da mutação; tudo se
transforma e se aperfeiçoa; tudo se prolonga e se renova. O homem avança e
progride sempre. Vivos ou mortos, aqui ou além, temos sempre sobre a nossa
fronte o dever de nos aperfeiçoarmos. A morte e a vida sucedem-se sempre num
turbilhão perpétuo e o homem tem por essencial obrigação atravessar a criação.
O nosso minúsculo globo não foi escolhido como única
residência da vida. A Terra não é o corpo central mais importante do Universo,
nem tão pouco a vida presente é o único teatro das nossas lutas e dos nossos progressos.
O início da Terra não representa o início do mundo, nem também o seu fim quer
dizer que seja o fim de tudo. O Universo não tem lacunas. A solidão e o vácuo
não existem em parte alguma. A Humanidade terrestre não passa dum mero povoado
do Universo. Neste mundo infinito existem mundos infinitos, e um mundo
representa uma ponte de condução a outro: em toda a parte palpita a vida
universal. Ao contrário do que se supõe: a criação é eterna e o trabalho de
Deus é constante. Constantemente se organizam novos globos, aparecem novos
seres, formam-se novas consciência e desabrocham almas novas. Deus, como Deus,
não podia estar nunca inativo.
*
O homem é uma alma encarnada, e esta uma concepção
divina. A alma vem de Deus, mas é necessário ter-se em conta que não é dessa
Fonte que ela chega pela ocasião do nascimento. Ela não é criada no mesmo
momento que o corpo, visto que ele não suporta mais que uma incorporação. Deus
não criou almas selvagens, nem civilizadas; todas elas evoluem da mesma maneira
desde a sua base. Por ocasião da criação nada existe em estados superiores: “Todos
nós somos lançados na mesma balança e pesados com os mesmos pesos”, Tanto a
desigualdade moral como a intelectual não se explicam senão por um rosário,
mais ou menos longo de existências anteriores e por uma marcha mais ou menos
ativa para a perfectibilidade. Desde o berço é que o ser manifesta os seus bons
ou maus instintos, os quais ele conserva ainda desde a sua existência
precedente. Tudo quanto de mau se nota no homem, não representa obra da Providencia,
mas unicamente dele próprio: eis, portanto, o seu verdadeiro pecado original (1).
(1) O pecado
original não passa de uma figura simbólica, assim como as personalidades de
Adão e Eva. As crenças vulgares a tal respeito procedem de se ler estas frases
do Velho Testamento apenas segundo a letra; encaradas, porém, segundo a sua essência
espiritual, a verdadeira, isto é, como devemos encarar todos os ensinamentos do
Velho e Novo Testamentos, vê-se que o pecado original é simplesmente uma figura
de todas as misérias morais da humanidade. (Nota do tradutor).
Criada
simples e ignorante, mas capaz de aprender, apta para progredir e, em virtude
do seu livre arbítrio, suscetível de enveredar por um bom ou mau caminho, a
alma humana é unicamente o resultado do trabalho da vida.
Apesar das várias línguas, crenças e costumes, todos os
homens são cidadãos da mesma Pátria, membros da mesma Família e ramos da mesma Árvore;
todos tem a mesma origem, o mesmo destino e urna aspiração comum; todos
iniciaram a ascensão, embora alguns tenham subido mais que outros. Entre eles
não existe senão a diferença de progresso, como nas escolas dos nossos países
existem as classes e turmas.
Em absoluto não
existe arbitrariedade nem abandono. Anjos e demônios (1), não existem no
sentido vulgar; apenas existem espíritos superiores ou inferiores. Não existem
também criaturas que tenham sido deserdadas, nem tão pouco que fossem lançadas
eternamente ao mal e ao sofrimento. Jamais o clarão divino deixou de iluminar a
alma humana. “A alva, esta clareza que se
jaz na noite, também se fará na alma do escravo, do negro. Os mais vis tem por
lei respeitar os superiores”.
(1) Estes dois
qualificativos empregaram-se nos antigos ramos do espiritualismo para que as
inteligências rudimentares mais facilmente pudessem assimilar estas duas
categorias de espíritos - os bons e os maus. Hoje, são impróprios do nosso século;
só o fanático intolerante os pode admitir. (Nota do tradutor).
*
O Ideal não se encontra à primeira tentativa, mas após
muito esforço. O homem não é um ser decaído e em vez de começar a sua carreira
no vértice da escala donde se pretende que ele tenha saído, ele eleva-se
progressivamente, porém submetido por toda a vida às transformações inerentes
da sua natureza constitutiva. Se a primeira estação da vida fosse a perfeição,
o homem não passaria de uma inexplicável anomalia em contradição evidente com
os Leis da Natureza.
O homem não é o que a sua fraqueza imagina. O homem
terrestre não é o mestre da criação, nem tão pouco o último elo da cadeia que
une a criatura ao Criador. Entre Deus e nós não existe um vácuo, um deserto. O
espaço é povoado de uma hierarquia de seres mais perfeitos e poderosos que nós;
o orgulho, porém, cega-nos. Não é em nós que o progresso atingiu o seu apogeu.
Depois de Deus não somos nós os primeiros; pelo menos temos na nossa frente
mais degraus a percorrer que sob os nossos pés. “A vida existe em toda a parte; a alma em todas as coisas. Todos os corpos
escondem um Espírito. Não é só o homem que é seguido por uma sombra: - tudo, o
próprio calhau miserável, tem uma sombra atrás e adiante: tudo é alma que vive,
viveu e viverá”.
*
A harmonia do Universo resume-se em uma única lei: o
progresso em tudo e para tudo, tanto para o animal como para o vegetal e
mineral. Na natureza tudo está animado e espiritualizado; apenas nesta
espiritualidade existem graduações. O ser inferior possui um embrião o que no
superior se encontra já evoluído e em ação. Nada se perde nem se sacrifica;
todas as tendências se confinam e todas as existências se elevam: tudo segue a
mesma rotação, tudo vive da mesma maneira e morre utilmente. É na morte que a
Vida possui os seus elementos. Ela justifica-se por uma serie continua de
transformações infinitas; parte do infinitamente pequeno ao infinitamente
grande. Com isto, Deus não se amesquinha, porque sob a lei universal do
progresso, toda a vida manifestada se coordena e se encadeia. O princípio
espiritual, que possui existência própria, não pode sofrer nenhum golpe.
*
Tudo quanto vive é encarnação,
assim como evolução e transformação. As criaturas tanto progridem pela alma
como pelo invólucro. A doutrina do transformismo é verdadeira, mas deve-se
notar que essa Verdade se não reflete na reprodução pelos sexos, mas sim pela
das reencarnações. Os corpos não subsistem senão por intervalos. Permanente na
existência, mas temporária na forma material, a alma encarna-se segundo os
limites inerentes ao seu grau de evolução. Os costumes sucessivos que ela
assimila quando encarna, não passam de meras etapas na sua rota para o
progresso. A alma tende sempre a aperfeiçoar-se, como a enfermidade tende a
debelar-se. Tropeçando no mal, fixando-se no bem, caindo, levantando-se e
gravitando em volta de formas mais perfeitas, de órgãos mais sutis e mais flexíveis,
a alma fortifica-se, retempera-se, alarga as suas ideias, estende as suas
faculdades, instrui-se, melhora e vê desenrolar-se ante si a vida em longo rosário
de existências. “A cada um dos seus
passos no progresso o véu do destino vai-se erguendo, descobrindo ante seus
olhos a obra do Criador sob aspectos sempre novos em relação.”
Existe uma ligação íntima e solidária entre a pluralidade
dos mundos, verdade material, e a pluralidade das existências, verdade moral, únicas
determinantes que podem explicar os problemas da origem da Vida e das anomalias
aparentes que se apresentam na vida deste plano: estas duas verdades caminharam
e caminham sempre juntas. A reencarnação, por vezes inadmitida pelo fraco juízo
com que é encarada, é uma lei da Natureza, uma necessidade absoluta, uma
consequência lógica da lei do progresso. Todo o homem forma um resumo de existências
anteriores e compõe-se de numerosas personagens que se fundem, apenas, em uma única.
*
O gênero humano está submetido a uma longa e penosa
educação. O progresso é lento e a nossa tarefa difícil. Na via competente e
justa não podemos caminhar senão a passos lentos, não nos sendo possível nem
percorre-la com rapidez nem tão pouco evita-la. Bem distante se encerra o termo
da depuração e do aperfeiçoamento, a que o homem tem de atingir, para que o
possa distinguir daqui. Nenhuma alma pode assimilar, em uma única existência,
todas as qualidades morais e intelectuais que a devem conduzir ao fim (1). Ligam as nossas
existências umas ás outras, todas as qualidades adquiridas que lenta e
paulatinamente se vão desenvolvendo em nós, as quais representam o papel de fio
de união entre elas.
(1) Nada mais
verdadeiro. Assim como uma criança de tenra idade enlouqueceria se se lhe
ministrasse ensinamentos de alta anatomia, também o homem enlouqueceria, por
certo, se de um golpe pudesse abranger a solução do grandioso problema que se
esconde no Universo. Teria, pois, o homem, firmeza suficiente para encarar o
brilho da luz que se irradia desse problema? Não nos fere a luz do sol quando
tentamos fixa-lo de frente? (Nota do tradutor),
Portanto, para resgatar um erro no qual o homem viveu
prudentemente, é necessária mais uma vida para adquirir esse resgate, ou seja,
urna virtude que se lhe oponha. “É bem
mais fácil observar-se os atos exteriores, que deixarmos que a reforma nos
atinja moralmente”. Dificilmente nós nos desviamos das más influências; e
pouca coisa existe que tanto nos custe como isso e a que sinta tanta relutância
a nossa vontade. Nós não somos capazes de sofrer voluntariamente o que nos
conduz além da nossa esfera e quantas vezes deixamos de avançar por simples
comodismo ou desleixo.
Só a nós nos parece longo o tempo; aos olhos de Deus ele
não existe. Os nossos séculos nada formam na Eternidade. Todos os homens
percorreram as fases já atravessadas pelo gênero humano na variedade dos seus
caracteres modificáveis e das suas aptidões progressivas, padecendo as consequências
das suas quedas ou alegrando-se com o resultado dos seus esforços.
A vida terrestre não é para nós uma novidade, muito
embora disso não tenhamos consciência. Fomos as gerações do passado e seremos
as do futuro. Colhemos, seja a título coletivo, seja a título individual, o que
semeamos; o que hoje semeamos colheremos quando nos desembaraçarmos das nossas
rudezas terrestres, das nossas paixões orgulhosas e dos nossos interesses
grosseiros que nos prendem â matéria, e, quando tivermos transposto os
estreitos limites da vida deste mundo, ficamos, então, aptos para produzir
mais, para mais sabermos e para mais amarmos o que se não comporta na nossa acanhada
esfera material. Assim melhorados, embebidos em vibrações ativas voamos, então,
para regiões melhores e mais elevadas onde encontraremos a compensação do nosso
esforço, compensação essa que em nós se refletirá somente.
*
A vida não é um banquete, um jogo, uma ilusão, que se
deve passar somente entre as fumaças dos gozos; é antes uma obra laboriosa,
grande e santa, um combate permanente, uma luta continua e titânica entre o Bem
e o Mal. A verdadeira filosofia não é aquela que multiplica os gozos e as
necessidades fictícias. Tudo não é bem estar. O homem não conclui o seu destino
na ocasião em que consegue fazer fortuna. A riqueza não é um fim. Os dias prósperos
dificilmente são dias de virtudes. A felicidade como é interpretada não pode
existir; é necessário que o esforço subsista neste mundo. Não estamos neste
planeta para nos saciarmos de todas as satisfações físicas, mas sim para que
nos empenhemos na luta, no trabalho e no combate. Para o desenvolvimento do
Espírito é indispensável a luta e o fim do homem é atingir a perfectibilidade e
esta, por sua parte, é filha dileta do esforço e do labor.
Para a felicidade
do mundo não contribuem as letras, as artes, o luxo, a indústria e a retórica.
A civilização é, acima de tudo, um efeito moral; o culto do dever e a religião
do coração estão ameaçados de ruína e desabam por completo mais tarde ou mais
cedo, segundo o grau da sua relatividade, desde que não os caracterize uma
absoluta e proba honestidade. O homem está condenado ao progresso e, por
consequência, lógico é que ele caminhe; e o verdadeiro alvo da vida consiste no
dever que incumbe a todo o ser humano de avançar sempre, custe o que custar,
não se importando com os tojos (tipo de planta)
nem com as pedras que, por certo,
encontrará pelo caminho do seu percurso. Deve purificar-se, elevar-se de degrau
em degrau, na escala espiritual; finalmente, cumpre-lhe submeter a matéria ao
espírito e não deixar jamais que os fatores se invertam por um segundo sequer.
*
Não se justifica o homem pela sua fé nem pela sua crença:
nenhum valor tem estes sentimentos eloquentes se não tiverem por berço o
coração e por mentor a razão. A Bondade é a base de todas as coisas humanas, e
no plano em que ela repousa, nada a pode igualar. Todos os requintes do mundo,
todos os talentos da Terra não valem um bom sentimento nem o menor ato de
Caridade (1). A verdadeira fé, a fé fecunda, é aquela que abranda
a nossa sede de prazeres, enfreiando as nossas concupiscências, arredando-nos,
enfim, dos nossos arrebatamentos. A ciência por excelência é aquela que melhor
nos pode conduzir, porque a fé também carece de ser científica para não atingir
o surdo, quando cega e leiga.
(1) S. Paulo, o apóstolo
dos gentios, legou-nos tudo quanto de melhor existe sobre tão nobre sentimento,
na sua magnífica 1ª Epístola dos Coríntios, cap. XIII. Nela demonstrou-nos ele
que, sem a Caridade, os melhores dotas da humanidade nada valem e que se esvaem
rapidamente como a neblina. (Nota do tradutor).
A prática do bem é a lei superior e a condição “sine qua non” do nosso futuro. Nada
poderemos ter para nós próprios senão com a condição de querermos para todos os
nossos semelhantes, também. Aquele que se enrosca, qual serpe, no seu egoísmo,
limita esta sua existência e para os outros demarca os limites da sua natureza
moral, preparando para si as trevas que o cercarão, infelizmente, nos seus
destinos ulteriores.
Este mundo não é uma rixa em que cada um se digladia como
pode, já que nada fazemos impunemente. O homem em evolução é tributário dos
seus erros e dos seus maus pensamentos. Ele não deve esperar senão de si próprio
o seu bem e o seu mal. No plano em que vigora, por excelência a Vontade Divina,
o vício não pode suplantar a Virtude. A felicidade ou a infelicidade dos homens
dependem absolutamente da observância e da violação da lei universal que rege a
ordem na Natureza.
*
A lei moral é uma verdade absoluta. A Justiça, a
Sabedoria e a Virtude existem na carreira do mundo, assim como a realidade física.
Não se pode avançar um grau na iniciação humana sem merecimento e sem trabalho.
Todos nós devemos ser experimentados, tanto nas grandes contrariedades, como
nos acontecimentos de pouca importância que nos atingem. A felicidade não se
conquista sem percorrermos todos os nossos erros, sem vermos e conhecermos
tudo; sem sofrermos tudo e sem que tenhamos experimentado toda a espécie de
Vida sempre em relação, é claro, com os respectivos progressos.
As riquezas, as grandezas e a força, que tão cobiçadas
são por nós, infelizmente, são-nos prejudiciais enquanto nos conservamos nas
trevas, isto é, sem que saibamos utiliza-las como devemos; a pobreza, a
humildade e a fraqueza, podem ser uns auxiliares nossos para adquirirmos as
luzes necessárias do complemento do nosso destino. Desde que as saibamos
aproveitar todas as condições de vida, desde a mais elevada à mais humilde,
constituem a prova e encerram ensinamentos fecundos que se tornarão vias para a
nossa ascensão progressiva.
O homem tem de chegar só à Verdade; é, pois, forçoso que
ele alimente a sua fé, para merecer a sua felicidade. A felicidade, que é a lei
igualitária do Universo, para valer todo o seu preço deve ser adquirida e não
outorgada. O alvo a atingir é tão elevado que não poderemos atingi-lo senão à
custa de muitos esforços e sacrifícios.
*
A lei moral é uma
lei de vontades livres, sendo, por isso, de relativa possibilidade viola-la,
embora o não devamos fazer por nenhum princípio; mas se a violamos, resulta só
da nossa inteira responsabilidade esse ato de violação. A Providência
combina-se com a liberdade do homem. A Justiça Divina diz ao livre-arbítrio: “Faze o que desejares; com certeza, porém,
que tudo está de tal forma organizado que, ou te punirás a ti próprio, ou te
recompensarás”. N'esta síntese congrega-se a vontade de Deus com a do
homem. Na realidade os homens fazem o que a sua vontade individual lhes dita; o
que não podem, porém, é desmantelar nem derrogar os planos gerais em que essa
vontade se movimenta.
As penas e os castigos, são as reações da Natureza,
ultrajada nos seus princípios eternos. A dor é nossa obra; ela indica-nos
claramente que avançamos para além dos limites que fixam a consciência, a moral
e a Lei.
Todo o vício e degradação são sofrimentos. Aquele a quem
o orgulho dirige os apetites materiais, que abusa das coisas, dos homens, da
vida e de Deus, viola as leis constitutivas do Universo, afasta-se da harmonia
geral e sofre com este atentado de violação, como sofreria uma azagaia (tipo de lança) inteligente
e sensível se algo viesse destruir a igualdade dos seus raios.
Não é Deus que nos castiga, mas sim somos nós que nos
punimos. Deus não pune nem recompensa; basta-Lhe ter estabelecido as suas leis
de tal maneira que a Justiça tem um reinado absoluto e imutável.
*
Existem um Inferno
e um Paraíso filosóficos, isto é, um sistema natural que liga estreitamente os
efeitos às causas aquém e além do Tempo. Uma espécie de necessidade encadeia o
homem às suas obras. Nelas, quer sejam boas ou más, há qualquer coisa que se
incorpora à Vida futura. Sucedemo-nos, sempre, a nós mesmos. Pelo caminho que
trilhamos no presente, podemos já determinar o que no futuro seguiremos (1).
(1) Consequência
lógica e concludente da máxima do Cristo – “A cada um segundo as suas obras,
que o povo, o eterno filósofo, traduziu no adagio popular – “Quem melhor fizer a cama, melhor nela se
deita.” (Nota do tradutor).
A vida é o efeito
das obras de cada um, e por isso, julgam-na um contra senso. Todos nós temos no
nosso íntimo o gérmen da nossa felicidade ou da nossa infelicidade. O homem é o
juiz de si próprio; recompensa-se e pune-se a si próprio; colhe o que semear e
alimenta-se do que colhe, fortificando-se ou debilitando-se, segundo os
alimentos que ele próprio produz e prepara. Em toda a parte onde se encontrar a
alma, ela leva consigo o seu próprio castigo e a responsabilidade direta dos
seus atos, na proporção da sua liberdade, isto é, da sua inteligência e da razão.
O inferno não é um lugar, mas sim uma condição de ser, um estado de alma e só a
nós próprios pudemos imputar a nossa saída dele, assim como unicamente de nós
depende o nosso estacionamento nele.
*
Toda a lei carece de sanção. E particularmente ela se
torna indispensável à lei moral, não só porque a Virtude obtém a sua
recompensa, uma felicidade prevista, mas também porque a Justiça é o verdadeiro
complemento, ficando a chave de ouro na mão da Razão. É necessário que a lei
moral, que exige a reforma de cada um, seja sancionada pelos sofrimentos. Se o
homem nada receasse, nenhuma precisão o conduziria na busca do melhor, nem tão
pouco nada o obrigaria a melhorar-se; entorpeceria na inação e não progrediria -
tornava-se apático.
Cada homem tem em si o seu destino e o que se lhe
apresentar no futuro, será o fruto do que ele merecer. Nenhum desvio do
verdadeiro caminho ficará impune: quem dele se afastar, sofrendo uma pressão misteriosa,
a ele será conduzido de novo, fatalmente. A boa ou má sorte, a boa ou má estrela
não passam de meras criações poéticas que o homem criou, talvez, para se
desculpar dos seus desatinos; o que existe, porém, são forças e leis a que nada
consegue escapar, porque o progresso é a lei soberana que a tudo assiste e a
que nada escapa. Não há nenhum defeito, nenhuma imperfeição moral ou nenhuma
ação condenável que não tenha o seu oposto e as suas consequências naturais.
Nenhuma ação meritória, nenhum ato louvável fica sem a sua justa recompensa,
assim como também nenhuma falta se cristaliza sem a sua reparação, igualmente
justa. A nenhum ato nos podemos eximir; ninguém pode negar as suas faltas nem
emendar as suas virtudes. O homem jamais se encontra só: não podemos por isso
esconder as nossas ações e os nossos pensamentos.
*
Neste Universo,
obra de uma infinita Sabedoria, nada falta nem nada se faz sem um fim
inteligente e sem uma soberana justiça. Tudo tem a sua razão de ser, o seu
destino e o seu fim. Tudo quanto nos consome e aflige não é obra do acaso. Por
vezes, onde vemos desordem e deslocação, um vidente saberia concluir os efeitos
das causas e apenas veria um acontecimento normal, sujeito à sua lei respectiva
ou à lei básica e genérica: - tudo está adaptado a um fim. O acaso não existe;
é outra invenção poética dos lunáticos e visionários; nós, que possuímos uma
inteligência e uma clarividência limitada, é que o formamos.
No mundo, todas as coisas estão ligadas entre si por
estreitos laços de afinidade: nada se encontra isolado, desamparado. O mundo
material é solidário com o espiritual e ambos se confundem reciprocamente. As
misérias do homem e das nações têm um sentido, o mal moral é o princípio do físico.
Toda a perturbação física corresponde a uma outra moral equivalente. Entre as
leis da harmonia cósmica e as leis morais existe uma correlação intima. Os
cataclismos que amedrontam os povos e que parecem desencadear-se cega e
irresistivelmente, enfim todas as violências de uma natureza em delírio, não são
senão o reflexo da nossa mentalidade egoísta e orgulhosa. Tudo faz parte de um
Todo, tudo se congrega e se relaciona; tudo se encadeia e se liga ao moral e
ao físico, mutuamente. No campo dos fatos, desde o mais rudimentar ao mais
complexo, tudo obedece ao regulamento da lei respectiva.
*
O erro e a injustiça não existem no Universo; mas sim a
Justiça infalível do Criador que refletindo-se no já realizado e no realizável;
no eterno encadeamento do passado, do presente e do futuro, conduz as suas
paragens pela própria lógica das coisas, deixando ao Tempo o cuidado de desligar
os efeitos das suas causas. A esta justiça, lógica e absolutamente justa nada
consegue subtrair-se.
A Providencia pune, ou antes as suas leis punem, como um
tribunal humano; porém não tem necessidade de exercer a sua punição no tempo
para justificar o seu modus-operandi, já que constantemente estamos sob a sua
alçada pelo efeito das suas leis. Os homens exercem-na em face dos relatórios
tirados da sua vida atual e do seu estado: o presente; Deus, porém, exerce-a em
relação às nossas existências sucessivas e à universalidade das nossas vidas.
No invisível nada existe que não tenha a sua configuração
material, visível. A vontade humana faz em pequena escala o que Deus faz no
absoluto, muito embora a Justiça Divina não seja nada semelhante a humana. Esta
não pode atingir as ações que a consciência reprova. Aquela tem o castigo fixo
nas leis da Natureza para todos os vícios que contaminam a alma.
*
A lei da justiça, que não passa do funcionamento normal
da ordem moral do Universo, quer que toda a vida culpável seja reparada. Todo o
mal e toda a falta que cometemos representa uma dívida onerosa que contraímos e
que tem de ser paga, quer de um momento para o outro, quer em uma existência,
quer ainda em várias, até que se encontre definitivamente saldada. O
arrependimento é o primeiro passo para o melhoramento; porém ele não basta. É
necessária a expiação, a reparação. O sofrimento como grande educador que é, é
o único elemento que nos pode reabilitar. “O
futuro existe virtualmente no passado, determinado aí por causas que o conduzirão”.
As coisas futuras existem sempre. O que será espelha-se sempre no que é. E no
futuro, a despeito das nossas filosofias, das nossas negativas e das nossas
crenças e, ainda, além do que nós poderemos fazer para lhe escapar, o destino
virá bater-nos à porta com a sua memória à mão, tal qual um credor implacável,
um agiota impertinente.
Nenhuma lógica é mais cerrada nem mais inflexível que a
da vida humana. A fatalidade aparente que espalha pela vereda da nossa vida os
males que nos atingem mais ou menos, não passa de uma consequência do nosso
passado. O efeito remonta sempre à causa, isto é inegável. As nossas vidas
seguem-se sem semelhança, mas encadeados umas às outras por uma dependência
continua. A vida terrena é conjuntamente uma reparação e uma preparação. Nenhum
de nós é o que deve ser, nem para si próprio nem para o seu semelhante; mas é
indispensável que a Razão se cumpra, que a Justiça se faça e que o Bem
predomine em todas as suas expressões.
Estas leis imutáveis, de todos os tempos e países, regem
o indivíduo e aplicam-se à família, à nação, às raças, individualidades
coletivas, dominadas pelo orgulho e ambição, e fazem em conjunto o que um
indivíduo faz isoladamente à família que enriquece à custa doutra, ao povo que
subjuga outro, à raça que deseja amesquinhar outra. E nós não devemos dizer que
os males gerais atingem o culpado e o inocente, pois há sempre uma íntima
correlação entre a pena e a falta. O inocente de hoje pode ser o culpado de
ontem. A Justiça Divina nunca se reflete em falso e desde, que um sofrimento
não é um produto da vida presente, devemos em seguida procurar a causa em uma
vida anterior.
É por um efeito seguro e justiceiro que se expiam as
injustiças e crueldades perpetradas em uma vida precedente. É por repercussões
sucessivas que se desenrolam, de geração em gerarão, esta série de castigos que
atingem os culpados. Nos nossos sofrimentos encontramos a reparação do que nós,
por nossa parte, já fizemos, passar. Todo o efeito tem uma causa, e cada causa
realiza um efeito idêntico a ela própria. Por toda a parte sempre se ergue a
pena de Talião, tanto nos indivíduos, como nas nações, como nas raças, como nos
povos.
*
Se, por vezes, julgamos que a Terra é um calvário, um
purgatório ou um inferno a ninguém podemos lançar as culpas senão a nós próprios,
porque somos nós que assim a fazemos ser. Somos nós que criamos os nossos
sofrimentos pelos nossos vícios e pelos nossos excessos em uma infinidade de
coisas. As múltiplas misérias que, por vezes, nos afligem; as calamidades públicas,
as mortandades, os latrocínios, as ruínas nascem da natureza humana, da sua
inferioridade moral - prova irrecusável da sua origem. O mal está em nós e não
fora de nós; portanto nós é que devemos mudar e não o que nos rodeia.
A adversidade é a nossa melhor escola, o principal fator
da nossa elevação progressiva; ela instrui-nos melhor que os livros sobre as
regras do dever e da moralidade dos nossos atos. Os preceitos sem prova são
vãos. O sofrimento é a Lei necessária da vida; isto é, da formação. A aflição
só dá a inteligência das coisas reais; a dor é necessária ao aperfeiçoamento
moral: é o aguilhão que faz o homem avançar na via do progresso,
impossibilitando-o de estacionar no estado presente; o despertador infalível
que o avisa logo quando trilha um mau caminho, obrigando-o, em seguida, a
seguir o bom caminho, o justo, o devido. É assim que a Lei natural utiliza os
nossos erros e os nossos sofrimentos, de que somos a causa, para nos obrigar a
progredir, abandonando nós assim uma situação penosa. Do que nós chamamos mal,
tira essa Lei igualitária todo o bem é eis aí, então, o que chamamos expiação.
A dor absorve o mal. As penas porque passamos são
purificadoras e não constituem, como muita gente crê, uma vingança irremediável.
A verdadeira justiça não é a que pune, simplesmente por punir; mas sim aquela
que pune para que dessa punição resulte um progresso, algo de melhor - tal é a
justiça de Deus.
Deus, que sabe todas as
coisas, que nos conhece antes e depois, que fez a alma imortal e o mundo
infinito. Deus, dizíamos, não criou os homens para os perder após rápidos
instantes passados sobre este globo. O Ser Supremo que é o Pai dos pais não é
contra as suas criaturas, de quem conhece a sua fraqueza, porque se assim
fosse, porventura, seria anatematiza-las, lançar lhes uma sentença fatal,
irremediável, o que jamais nenhum coração paternal da Terra ousaria pronunciar,
sequer.
*
Cada existência é,
ao mesmo tempo, a consequência e o início de uma outra. A forma como cada um
coloca o pé na Terra, no momento em que aí chega não mais que a continuação da
forma como andava precedentemente no universo. Ninguém ocupa as mesmas
condições de existência em comparação com as de uma outra; e as condições de
existência que nos são atribuidas, por mais penosas que elas sejam
aparentemente, são, no fundo, as mais honrosas possíveis. Elas constituem, de
fato, o melhor regime a que podemos ser submetidos no interesse único do nosso
aperfeiçoamento moral.
A vida presente e o seu cortejo de mal-estares, físicos e
morais, assegura a cada um as condições que lhe convém e que estão em harmonia
com as suas culpabilidades passadas. Se os acontecimentos vulgares da vida
privada não são mais que a consequência natural e imediata do caráter e da
maneira de agir de cada um, as vicissitudes da vida terrestre têm a sua causa
fora desta existência.
Cada um é o que foi no seu ser anterior; foi o próprio
que preparou o seu berço. O homem nasce onde coloca a sua alma. O jogo da vida,
coloca-nos em presença dos seres e das coisas com quem temos de tratar
pessoalmente. Um homem não nasce em tal meio ou tal família sem que fenômenos
antecedentes tenham determinado o parentesco ao qual deveria pertencer; sem que
estados vários colocados em um “nascimento prévio”, mais ou menos distantes,
tenham sido o ponto de partida dos seus declives, das suas predisposições mentais
ou fisiológicas.
“Quem sofre muito na Terra, pode dizer que
tinha muito a expiar.” As anomalias corporais, as enfermidades crônicas e
cruéis, as mortes trágicas, a curta existência de seres queridos, as ideias
inatas, os encontros fortuitos, os acontecimentos inexplicáveis que modificam a
nossa existência em absoluto, as calamidades que atingem um indivíduo ou um núcleo
humano e que à primeira análise parecem ser um capricho da sorte, não são mais
que a execução da Lei, as sanções de cada vida para aquela que lhe seguirá.
Os renascimentos em órgãos incompletos, formas hediondas
que causam piedade, outra coisa não são que os efeitos da justiça das leis de
Deus. As misérias físicas apagam as taras morais. Almas deserdadas desde o seu
nascimento neste mundo, expiam, em corpos disformes e sofredores, os efeitos
passados, e, como tudo se encadeia desde as coisas mais insignificantes às de
maior vulto, a Providência serve-se do punido para punir outros e as crianças
são os instrumentos de expiação para os pais que lhe deram nascimento.
Sem a crença nas existências anteriores nada se explica,
nem as diversidades das condições humanas, quer no individuo, quer mesmo nos
povos, nem a razão dos males, nem a utilidade das penas, quando elas não são o
resultado de nenhum ato do presente, têm uma explicação concreta e lógica. Se
não fosse a Lei das reencarnações a justiça de Deus desapareceria no monstruoso
fantasma do acaso.
*
Os homens não se resolveram ainda a procurar neles próprios
a causa inicial dos seus males. Crer que não se pode reformar a sua própria
natureza e que é possível esquivar-se aos seus delitos pela fraqueza da sua
posição ou pelo atavismo individual, não é. mais que um fogo-fátuo para se
escapar à responsabilidade. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes
ao espírito. Nosso bem e nosso mal não dependem senão da nossa vontade. A
carne, que não tem pensamento nem vontade, não prevalece senão pelo espirito,
que é o ser pensante e voluntario. Os corpos obedecem quando as almas são
resolutas. É o espírito que dá à carne qualidades correspondentes aos seus
instintos. A carne só é fraca quando o espírito é fraco. O temperamento é um
efeito e não uma causa.
O Espírito não procede do Espírito: O pai não é senão o
transmissor da vida às crianças; não é o autor, não cria: - procria. Os nossos
pais, de quem temos, por vezes, os traços distintivos do rosto e disposições
determinadas a certas afecções físicas, não nos podem transmitir as suas
faculdades intelectuais e morais. Quando nos parecemos moralmente com os nossos
pais, é porque já nos parecíamos com eles em antes de nascer. Os germens
espirituais da humanidade psíquica estão fora da geração material. A
transmissão hereditária é impotente para explicar as oposições de caráter e de
moralidade nos filhos de mesmos pais. A Lei da hereditariedade não é fatal no
homem; o que é fatal é que cada um de nós deve sujeitar-se às leis de concordância
e dependência, anexadas à reprodução da sua natureza. Não é outra coisa a
hereditariedade.
*
Quando chegamos a este mundo, não somos iguais; há tantas
diversidades entre as almas, como entre os corpos. Na Terra, entre os homens,
encontra-se uma variedade infinita de talentos e inclinações. No mundo não
existem dois seres que professem uma harmonia perfeita de ideias e sentimentos.
As almas não desabrocham neste planeta com o mesmo grau de força e no mesmo
ponto da iniciação. Cada criança traz ao nascer faculdades diferentes,
predisposições especiais, conhecimentos inatos que se não explicam senão pela
conclusão de trabalhos anteriormente encetados. Cada existência é um novo ponto
de partida onde o homem é o que se fez. O homem renasce com o seu dever e haver; nada perde do que adquiriu: só esquece, porém, a forma como
realizou essa aquisição.
O esquecimento periódico do passado em cada passagem por
um meio novo é a condição indispensável de toda a prova e de todo o progresso.
Para que o esforço não perca nada do seu valor é necessário que seja
inteiramente livre e voluntário, ao abrigo, porém, das influências do passado.
O homem deve tornar-se bom por si próprio, pelo amor que dedicar à virtude, sem
ter porém uma esperança para o futuro nem tão pouco deve cismar no que sofreu
já.
Em vez de o auxiliarem, o conhecimento do passado e das
sanções inevitáveis do futuro, embaraçariam mais o homem; ele negligenciaria no
presente, dominado pelo pensamento das coisas futuras, a visão de uma
infelicidade certa, persegui-lo-ia todos os dias que a precedessem. E se o véu
do esquecimento nos não escondesse uns dos outros, as inimizades
perpetuavam-se, as rivalidades, os ódios e as discórdias reviveriam de vidas para
vidas, de séculos para séculos. Assim estaria constantemente transtornada a
ordem na Terra.
Ainda se não encontram suficientemente elevadas as almas
que veem à Terra
para que lhes possa ser útil
o conhecimento dos seus estados anteriores. Esta recordação, comprimida, escondida
sob a nossa forma material, fica conservada na íntegra na substância essencial
da alma para reaparecer, após a morte, à medida que o ser vai progredindo. A
memória integral do passado é uma vista superior que se não deve revelar senão
a muita Luz, isto é, quando a alma tiver atingido a completa maturação da razão
e a plenitude do raciocínio.
*
É certo e positivo que cada um de nós expia, na sua existência,
que julga inicial, pelo sofrimento e miséria não somente as faltas atuais, como
também as faltas do passado que ainda restam por ser reparadas; de tal sorte
que por muito infeliz que se seja não nos devemos lamentar senão de nós próprios.
O homem está ligado ao homem neste e no outro mundo; todos os homens são
criados para cada homem e cada homem para todos; logo, portanto, ninguém se
pode considerar estranho aos seus semelhantes. As felicidades ou infelicidades
do homem formam parte integrante da felicidade ou infelicidade dos seus
semelhantes. Somos solidários como as células de um mesmo órgão e se toda a
infelicidade esconde uma falta não nos pertence a nós julgá-la, mas sim é nosso
dever aliviar o infeliz, aquele que é o atingido.
A caridade é uma obrigação íntima que está fora de
qualquer recusa. Se todo o sofrimento corresponde a um fim divino, a Lei da
solidariedade é o nosso estrito dever, unicamente no nosso interesse próprio e
pela ação dessa Lei cumpre-nos auxiliarmo-nos mutuamente, socorrermo-nos uns
aos outros sem pensarmos, sequer, em contrariar e entravar a marcha e a
execução da justiça divina. Todo o auxílio que prestarmos aos outros formam
parte do seu e do nosso destino. Aquele que consola uma dor é, na sua humilde
esfera, um obreiro ao progresso humano.
*
A esperança do homem não é um logro. O futuro encobre nas
suas profundezas a felicidade que em vão procuramos ao redor de nós. O bem é a
lei do Universo e o mal um estado transitório, sempre reparável; uma das fases
inferiores da evolução dos seres para o bem. O mal, como a sombra, não tem
existência real, é um efeito de contraste; esvai-se logo que o bem apareça.
Deus não é o autor do mal. Criou Ele o homem livre e na
sua liberdade é que está a possibilidade do mal. A alma não foi criada em um
estado de absoluta perfeição, mas sim com susceptibilidade de a vir a ter, a
fim de que, pelas suas obras e esforços, a possa merecer e usufruir
condignamente. Se Deus nos tivesse criado absolutamente perfeitos, se fossemos
onipotentes, onde então ficaria o esforço e, por consequência, o mérito e qual
seria o fim da criação? Dando ao homem o seu livre arbítrio, o Criador quis que
ele chegasse, pela sua própria experiência, a distinguir o bem do mal e que a
prática daquele fosse o resultado dos seus esforços e da sua boa vontade para
se afastar do exercício nefasto deste.
*
“Deus mostra-nos o
que quer e esconde o resto”. O plano providencial da educação da humanidade
apropria-se ao estado dos espíritos e manifesta-se segundo as idades de cada um
dos períodos da sua história. O Criador dá às humanidades nascentes, para lhes
mostrar o caminho, vislumbres da verdade que a liberdade humana usa, em
seguida, como deseja; mas estes vislumbres não passam os limites do que o homem
pode conceber no degrau em que se encontra. Deus criou vários mundos, e cada um
tem o seu limite que nenhum povo ou indivíduo pode transpor. Tal qual como o
ensino, que é facultado à razão do desenvolvimento do aluno: - não se ensina na
infância o que ensinamos na idade madura. A Verdade não se nos mostra senão por
fragmentos. A revelação é progressiva e proporcionada às forças o espírito.
É preciso que os
altos destinos se conservem incertos aqui. Se a existência de Deus, a
imortalidade da alma e as sanções necessárias se demonstrassem como verdades
geométricas, constrangeriam a razão e não nos deixariam inteira liberdade; elas,
se assim não fossem, seriam uma consequência inevitável e absurda do
cumprimento do dever; o bem não seria, então, um derivado da boa vontade, mas
sim de instrução e inteligência. As esperanças certas e infalíveis seriam um
obstáculo ao esforço porque produziriam na humanidade uma apatia funesta,
inspirando-lhe uma confiança firme de mais. E se os homens estivessem
seguramente convencidos de uma outra vida que não fosse pior que esta lhes é,
os mais infelizes teriam pressa de sair deste mundo e então, em vez de temerem
a morte pedi-la-iam ou tomavam a por suas próprias mãos, o que de todos os
modos seriam contrariar a vontade Divina. Portanto é indispensável que eles
prossigam nesta vida com as condições que hoje possuem até que tenham concluído
a tarefa de moralizarem a sua personalidade e que tenham conseguido subir mais
um degrau na escada do progresso para auferirem novas regalias que hoje, na
condição atual do homem, só lhe seriam embaraçosas e prejudiciais.
A soma quantitativa e qualitativa dos progressos de um
mundo, está na razão direta da sua natureza. A ideia que tivéssemos do nosso
mundo, por mais elevada que fosse, levava-nos a reclamar da sorte benefícios
que se encontram proporcionalmente além do nosso estado moral e físico. Devemos
ocupar, portanto, uma situação modesta. A terra, berço da nossa infância tão
querida ao nosso coração não é, nem por sombras, o melhor dos mundos, e ela não
poderá ser melhor sem cessar de ser o que hoje é. Haverá sempre males em
qualquer parte deste mundo e erros sempre se cometerão. Ele receberá
eternamente novos recrutas que perturbarão a sua harmonia.
As defeituosidades do nosso invólucro e da nossa natureza
têm a sua razão e a sua necessidade perante o plano geral do universo. A terra fez-se
para os homens e estes para ela - estamos sempre em harmonia com o meio em que
vivemos. Inferiores na ordem da evolução, somos a aurora da vida consciente do
amanhã, e todos nós, todo o gênero humano, prossegue sempre, em uma
solidariedade universal pelas cadeias das vidas sucessivas, para um
aperfeiçoamento infinito.
Não fomos criados unicamente para colonizarmos esta
terra. Existe uma relação manifesta entre a imensidade e nós próprios. Há
outros planos onde a razão e o bem predominam, onde as almas se interpenetram,
onde os nossos dias, as nossas violências e os nossos sofrimentos são
desconhecidos, onde, enfim, a vida é melhor para o homem evoluído.
*
Aqui, neste plano, cremos mais nas abstrações que na
vida.
A lei é simples: - tudo foi criado para um bem final. Se
toda a criatura geme, toda a criatura será consolada. A Sabedoria Suprema não
fez uma obra, neste ponto, imperfeita, onde o mal não pudesse ser reparado. A
alma pode erguer-se de todas as suas quedas, porque sobre nós não pesa o
irremediável. Não existe a condenação definitiva nem os castigos sem fim. A dor
é libertadora e ninguém sofre muito tempo senão por erro e culpa sua. O maior
dos nossos erros é o desespero e, por sinal, ele é inútil; ele - desespero - é
um vento agreste que aumenta a chama devoradora, um turbilhão caótico que nos
arrasta aos mais profundos abismos. O pessimismo não tem lógica alguma e a
tristeza é um desfalecimento. No Universo tudo se acalma e se regulariza; tudo
tende para a paz, para a certeza, para a tranquilidade. O que a mão ou o
cérebro do homem semeia nunca se perde nem estiola; é apenas uma questão de estação que retarda o seu nascimento,
porque tudo nasce sempre nas ocasiões próprias. As aspirações dos que lutam
pelo triunfo da justiça e da razão, dos que amam, dos que choram e dos que
pedem jamais ficam sem a competente realização e o sacrifício; seja qual for,
tarde ou cedo, receberá a sua recompensa justa e igual.
Na natureza não existe nenhuma contradição e quando
alguma se nos depara no curso das meditações que tivermos feito ou façamos,
fiquemos certos que ela não vai além de uma deficiência pronunciada de
penetração. O nosso mundo, que nós nas nossas exclamações apodamos de
maravilhoso, não é mais que uma parte infinitesimal do conjunto das coisas, um
mísero ponto do mundo universal. Para concluirmos a razão de qualquer acidente
que nos atinge é necessário refletir-se no destino da terra e na natureza dos
seus habitantes, é necessário reintegrar o fragmento no Todo a que pertence e
do qual é uma parte complementar. O nosso fim aqui não é mais que um fim de
esperança. Os nossos desejos não se realizarão senão em um desses mundos que
gravitam sobre as nossas cabeças. Admitir-se a existência do progresso indefinido
na Terra não passa de uma vã pretensão utópica. O grau de aperfeiçoamento que o
homem aqui pode atingir está em relação direta com os meios que lhe são dados
de conhecer e agir e jamais conceberemos, se não repararmos previamente nas
condições materiais do corpo humano, a possibilidade de possuirmos livremente o
verdadeiro, o belo e o bem. Mas é necessário à grandiosa obra do Universo o
esforço e o concurso de todos. Ninguém pode ficar indiferente ao que se faz e
ao que se prepara; é pois necessário que os homens se proponham e se determinem
um ponto de perfeição para além do seu alcance. Jamais o ser se abalançaria a
caminho se julgasse que não chegava onde efetivamente chegará.
*
Nós devemos morrer
uns após outros; que os que partem e os que ficam não se aflijam, pois. Morrendo
primeiro não saímos da humanidade e não fazemos senão preceder os que ficam
ainda.
A última palavra da vida não se resume na morte; o túmulo
não é o nosso epílogo. A morte não é o magual (?) (mangual = instrumento para debulhar cereais) da criação nem a pena capital; não é mais que um
instante impossível de medir porque tudo continua. A morte não entrava a vida
porque nada pode contra ela. Não há vida sem uma seguinte - a vida apenas muda
de forma. Nenhum risco corremos se nos vemos desligados para sempre dos seres
queridos. Separações eternas não existem. O féretro não se fecha sobre as
nossas afeições como sobre os nossos corpos; aquelas estão ligadas à nossa
individualidade no percurso das nossas vidas efêmeras e às nossas personalidades
mutáveis. Nenhum laço espiritual periga. A morte não arruína nem dilacera
nenhuma afeição pessoal nem tão pouco extermina as nossas afinidades eletivas, as
nossas amizades enlaçam-se para a Eternidade, o que não podemos, porém, eternizar
é a forma sob que elas se manifestam.
O presente nada mais é que uma simples etapa na grande
peregrinação humana. A humanidade como as estrelas do firmamento perde-se no
infinito. “Outros mundos habitados, em número
incalculável, aplainam, na imensidade do espaço, para as almas, um campo inesgotável”.
Nós, os seres humanos, nos encontraremos todos um dia com a recordação dos
nossos estados anteriores e com a consciência dos nossos progressos. Com os
olhos fixos no mesmo futuro, assistiremos, então, ao reencontro feliz dos nossos
confrades, dos nossos seres queridos.
*
Não podemos, por mais que se tente, conceber toda a
grandeza do problema da imensidade do caminho a percorrer - é um abismo insondável
que a sonda não atinge e a que ninguém conseguiu ainda tocar o fundo.
O que nós sabemos, porém, é que o “infinito do universo
corresponde, na criação material, à eternidade das nossas inteligências na criação
espiritual”; que somos conduzidos pelo caminho da vida moral para destinos
superiores; que vimos de baixo e que vamos para cima; que vimos de Deus e que
para Ele vamos. Eis o que nos basta saber, por agora, para nos esclarecer sobre
o caminho da nossa perfeição.
Uma lei rege a criatura; esta é a lei da liberdade de
bem-fazer ou de mal fazer que o Criador Eterno nos legou. O exercício desta
liberdade é regulada por um princípio soberano com o qual é necessário
conformarmo-nos se desejamos melhorar a nossa posição futura – “Condenemos em nós o que condenamos nos
outros”, e “Não façamos aos outros o que não desejamos que se nos faça; mas façamos-lhes,
porém, todo o bem que estimaríamos nos fosse feito”.
Toda a sabedoria, toda a ciência, toda a filosofia e toda
a religião condensam-se nessas simples mas grandiosas máximas.
*
A doutrina das vidas sucessivas e da evolução progressiva
da alma, sem a qual tudo se engloba aqui em uma desordem, não é uma verdade
nova.
Afirmada pelos maiores pensadores de todos os séculos e
países, a lei da preexistência que muito tempo esteve envolvida nos domínios da
metempsicose, é tão antiga como a noção da existência de Deus na consciência
humana; tão divino como o sentimento da imortalidade e da responsabilidade do
nosso ser, sentimento este que ela corrobora e afirma.
Apoiando-se no estudo da natureza e da consciência, na
observação dos fatos, nos princípios da razão e baseada num inabalável otimismo,
esta crença traz aos homens um consolo imediato, um refúgio seguro. Não há alma
sofredora e de boa-vontade que nela não encontre um refrigério, uma direção e
um apoio. Uma fé assim que se enraizasse em todos os corações dos homens desta
humanidade renovaria, por completo, a face do mundo!.. Mas é indispensável que
esperemos da Terra apenas o que ela nos pode dar! ...
Sejamos pacientes já que somos imortais!
FIM