Não há
efeito sem causa
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Agosto 1943
- Coitados! Imagine
Você, que infelicidade! Morreu, ontem, um estivador, que eu conhecia, e deixou
a mulher e dois filhinhos, um de seis, e outro de oito anos, na mais extrema
miséria.
Quem
assim falava era Loureiro, que acabava de chegar da rua, do serviço de
cobrança, dirigindo-se ao guarda-livros, o Silva, que havia algum tempo
ingressara no Espiritismo.
- Ora, meu amigo - respondeu este último - não se aflija;
ninguém faz falta, neste mundo. Nós só pagaremos o que devermos; e não me
consta que seja crime dos filhos o fato de lhes morrerem os pais.
- Não entendo!
- É fácil de entender. Há uma lei de causa e efeito
segundo a qual nada pode suceder sem uma causa determinada. De acordo com essa
lei é que nós reencarnamos, para pagar as faltas cometidas em encarnações
anteriores; e, pois, nada do que nos sucede neste mundo é obra do acaso ou da
fatalidade, mas sim a consequência dos atos que tivermos praticado no passado.
Não poderemos, portanto, sofrer, seja o que for, senão em consequência dos
nossos próprios atos. Essas duas crianças, a que você se referiu, nada
sofrerão, pois, pelo fato de lhes ter morrido o pai. Se praticaram faltas graves,
terão que as pagar, e pagá-las-iam com o pai vivo ou morto; se as não
praticaram, não irão sofrer somente pelo fato de o pai ter morrido.
- Coisas muito bonitas em teoria. Mas... o pior é que, na
prática, não adiantam nada.
- Não é bem isso, Loureiro. Você conhece, certamente,
muitas crianças, órfãs de pai, a quem nada falta; e muitas outras que, com os pais
vivos, se fartam de passar fome e privações de toda a espécie. Porque será que
isso sucede?
- Bom; eu não sei porque isso sucede. O que sei é que
esses dois meninos, embora pobremente, iam vivendo; e, agora, que o pai lhes faltou,
irão passar muita fome.
- Pode ser que isso suceda, meu caro Loureiro. Não digo o
contrário; somente afirmo que, se suceder, não será devido ao fato de o pai
lhes ter morrido. A previdência dos homens nada vale, meu amigo. Por isso, diz
a sabedoria popular que o homem põe e Deus dispõe. Você não conhece nenhum caso
de pessoas, que pagaram prêmios de seguros, anos seguidos, sem que nada lhes
tenha sucedido; mas que, tendo-se, atrasado, um dia, no pagamento do prêmio do seguro,
a casa ardesse precisamente nesse momento? Não conhece? Pois, conheço eu. Já
tive conhecimento de três casos desses. Eram pessoas que tinham que passar por
essa provação e... passaram, a despeito de todas as previdências humanas.
- Mas, Silva, isso é fatalismo! ...
- Não; não é. É a certeza de que pagaremos tudo o que
devermos, e de que não pagaremos nada que não devamos. O que temos a fazer é,
naturalmente, lutar por todos os meios honestos, para fugir às provações; mas,
se, a despeito disso, as não pudermos evitar, resignemo-nos, lembrando-nos de
que estamos pagando o que fizemos e não o que qualquer outra pessoa faça ou
tenha feito.
Nesse momento, abriu-se a porta do escritório e o chefe
da casa, o Sr. Maurice, entrando, dirigiu-se aos dois, que assim conversavam, perguntando-lhes:
- Vocês, por acaso, conhecerão uma mulher honesta, que
saiba cozinhar umas coisas simples - o trivial - e que quisesse ir para minha
casa, para ficar tomando conta da minha garotinha, quando tenho que sair com
minha mulher?
- Conheço - informou imediatamente o Silva. Conheço uma,
mas tem dois filhos ainda pequenos.
- Tanto melhor - disse o Sr. Maurice.
Eu me encarregarei da educação dos filhos e assim, ela
será mais dedicada.
- Então, o Silva, com a alma vibrando de emoção,
voltou-se para o seu companheiro de trabalho, dizendo-lhe:
- Loureiro, mande, amanhã mesmo à casa do Sr. Maurice,
aquela senhora, viúva do seu amigo estivador...
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