“Procès
des Spirites” – Preciosidade bibliográfica (*)
por Tobias Mirco (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1976
(*) Reprodução foto mecânica do original francês, de
1875, do Processo dos Espíritas, precedido de ampla Apresentação,
por Hermínio C. Miranda, em português que equivale a preciosa síntese da obra.
A referida Apresentação,
convenientemente ilustrada e anotada, será publicada, também avulsamente,
permitindo o suficiente conhecimento do empolgante assunto àqueles que, pelo fato
de não conhecerem a língua francesa ou por preferirem livro de preço mais
baixo, dispensam os detalhes documentários e bibliográficos do original e seus
anexos.
- Uma obra absolutamente autêntica que
revela a vitória do Espiritismo
sobre terrível conspiração contra a
sua estabilidade.-
Sra. Amélie Rivail
Segundo já foi
amplamente divulgado pela revista, o Departamento Editorial da Federação Espírita
Brasileira elaborou cuidadoso programa de lançamentos para registrar o Centenário
de “Reformador” e da Casa de lsmael, exumando da nossa Biblioteca obras raríssimas,
bem como levando a termo pesquisas especiais pertinentes ao Espiritismo.
Trata-se de um esforço extraordinário e inédito, no gênero, para marcar de maneira
positiva e exaltar convenientemente o grande acontecimento do Espiritismo, não apenas
no Brasil, mas no mundo, dada a situação relevante que o movimento iniciado por
Allan Kardec na França alcançou no Brasil, graças a valorosos e intimoratos
pioneiros, cujos exemplos de coragem e amor à causa permitiram a consolidação
da Doutrina dos Espíritos neste país.
Tivemos oportunidade de manusear o importante “Procès des Spirites”, editado pela Senhora
Marina P.-G. Leymarie, esposa de um
dos principais indiciados, o Senhor Pierre-Gaëtan
Leymarie, então gerente da “Revue Spirite” envolvido injustamente no processo
contra o fotógrafo-médium Edouard Buguet,
acusado de fraude e mistificação. Também
foi arrastado à barra do Tribunal um outro médium, Alfred-Henri Firman, de nacionalidade norte-americana. Finalmente,
a 16 de junho de 1875 foi realizada a primeira audiência sob a presidência do
Juiz Millet.
Pierre-Gaëtan Leymarie
Lemos com profundo interesse e não menor emoção os
interrogat6rios levados a efeito, as armadilhas da acusação, pretendendo
confundir Leymarie, absolutamente
alheio aos erros e falhas de Buguet,
médium, sem dúvida, mas leviano, que recorria a truques sempre que a sua mediunidade
se ausentava. Leymarie ignorava os
meios de que se fazia valer Buguet
em várias ocasiões, para iludir aqueles que o procuravam para obter fotografias
de parentes e amigos já desencarnados. Leymarie
afirmava, com a pureza do seu caráter limpo, que ele era realmente um médium e
que, as vezes em que o viu atuar sua mediunidade era naturalmente exercida e as
fotos obtidas correspondiam perfeitamente, segundo o testemunho espontâneo e idôneo
das pessoas interessadas, que reconheceram como autênticas as fisionomias retratadas
mediunicamente. E esses testemunhos foram inúmeros, partidos de pessoas de
diferentes níveis sociais e intelectuais; entre elas a distinta e virtuosa viúva
de Allan Kardec, Senhora Amélie
Gabrielle Boudet. Nada menos de
quarenta e duas pessoas foram ouvidas. Os depoimentos, publicados na íntegra
por essa obra, com permissão da Justiça francesa, possuem um conteúdo interessantíssimo,
alguns reveladores da autoridade moral e do conhecimento espírita dos
depoentes. Cada interrogatório oferece ao leitor uma soma de impactos emocionais.
Sra. Marina Leymarie
Na época, o Espiritismo tinha contra si, mais do que hoje,
evidentemente, adversários sistemáticos e rancorosos, que buscavam pretextos
para entravar, inutilmente, o seu desenvolvimento. Em compensação, elevado número
de pessoa de bem acorreu espontaneamente para testemunhar, sem ausentar-se da
verdade, o que sabiam, formando, destarte, uma barreira que confirmava a
retidão de Leymarie e a grande expressão de sua personalidade moral.
O Índice do "Processo dos Espiritas" relaciona,
sob o título "Affirmations, déclarations
importantes”, vinte e oito nomes, muitos indiscutivelmente ilustres,
todos convocados da melhor sociedade francesa.
Não se trata, porém, como poderia presumir, de um livro
árido, como soem ser algumas obras relativas a processos judiciários, sujeitas à
rígida nomenclatura jurídica. Não. As numerosas cartas transcritas contêm pormenores
curiosos e instrutivos, inclusive sobre o Espiritismo, como, por exemplo, a do
Senhor Ernest Bose, que desenvolve
temas como o da imortalidade da alma, referindo a obra “Heures de travail”, do
escritor espírita Eugène Pelletan,
mencionando grandes nomes de filósofos e literatos que partilhavam das mesmas
ideias acerca da alma imortal, como Cyrano
de Bergerac, Dupont de Nemours ,
.Jean Reynaud, Balzac, Michelet, Edgar Quinet, Lamartine,
Victor Hugo, L. Figuier, Pezzani, Vacquerie
e outros. É transcrita igualmente uma bela carta de Victor Hugo, datada de 7 de novembro de 1871, etc.
A correspondência do fotógrafo Buguet, que dissera no Tribunal que todos os seus empregados
estavam persuadidos de que Leymarie
conhecia seus truques, comprometendo imerecidamente um homem decente, como ele
próprio reconheceria em carta contendo sua retratação e o pedido para que o
perdoasse, essa correspondência é de inestimável valor: “'Em nome da minha pequena família, venho pedir-lhe perdão por haver
pecado tão inconscientemente, sem me dar conta do que estava fazendo; eu peço
míl vezes perdão a Deus, e a todos vocês, esperando que o seu coração não mo
negará, evitando, assim, mais desgosto a um pai de família” (pág. 108).
Um astrônomo, engenheiro e membro ao Panteão de Roma,
Senhor Tremeschini, conhecido na
época por sua autoridade, idoneidade moral e absoluta imparcialidade, ao dar
seu testemunho, afirmando também, como Leymarie,
sua convicção na autenticidade de numerosas fotografias tiradas por Buguet, terminou desta maneira
incisiva: “Minha declaração parecerá tanto
mais espontânea e sincera, porquanto tive várias vezes ocasião, e provavelmente
ainda terei motivo, de combater e de atacar o que se convencionou chamar de
Kardequismo” (pàg. 126).
O que motivou a interpelação a Leymarie foi o fato de Buguet
haver confessado que não era médium, ao contrário do que sempre havia
sustentado, O comportamento desse fotógrafo foi censurado por destacadas
personalidades, como reiterou o advogado Lachaud,
que testemunharam a realidade das fotos mediúnicas por eles solicitadas.
Estamos passando pela rama desse famoso processo, apenas
para dar ao leitor urna ideia da riqueza de pormenores que ele encerra, com as
consequentes lições daí decorrentes.
A viúva Allan
Kardec frisou, em documento assinado, que a autoridade a perturbou,
impedindo que desenvolvesse naturalmente seu pensamento, quando depôs, porque
introduziu, quando se procedia ao seu interrogatório, “estranhas reflexões
pretendendo, assim, ridiculizar o Senhor
Rivail, dito Allan Kardec, como se
este fosse um simples compilador e negando seu título de homem de letras” (pág.
8), enfatizando: “Protesto energicamente contra
essa maneira de interrogação e espero ser novamente ouvida, porque é costume na
França serem as senhoras respeitadas, sobretudo quando já tem cabelo brancos.”
(pág. 8).
O “Processo dos Espíritas”,
reafirmamos, é uma preciosidade bibliográfica que todo espírita deve ter entre seus
livros de maior agrado, não só por seu conteúdo histórico, inavaliável, como pelo
que encerra de ensinamentos de ordem moral, de esclarecimentos de natureza espírita.
É livro, embora fundamentado num processo judicial, não cansa, não é árido;
antes, atrai, seduz, emociona, quer no relato pormenorizado dos depoimentos, na
agudeza dos debates travados, quer pelo extraordinário papel desempenhado por Leymarie, pela viúva Allan Kardec, adeptos do Espiritismo e mesmo por outras
figuras eminentes, sem ligação partidária com a Terceira Revelação. O
Espiritismo saiu engrandecido dessa luta encarniçada que contra ele moveram seus
adversários, ostensivos e ocultos, graças à personalidade moral do que
corajosamente reafirmaram a verdade do mediunismo sadio diante da Justiça.
A mediunidade e os médiuns, tantas e tantas vezes
caluniados, injuriados e negados, em nenhum momento ficaram obnubilados pelos
negadores sistemáticos, porque a Verdade, embora às vezes multiforme, tem uma
única estrutura, contra a Qual se esboroam os argumentos mais cavilosos.
Aguardemos a lançamento dessa grande e raríssima obra,
que põe em relevo de maneira inequívoca e estupenda, a integridade do
Espiritismo, como religião, ciência e filosofia.
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