Treino
para a morte
Irmão
X por
Chico
Xavier
Reformador (FEB) Outubro
1975
Preocupado com a
sobrevivência além do túmulo, você pergunta, espantado, como deveria ser levado
a efeito o treinamento de um homem para as surpresas da morte.
A indagação é curiosa e realmente dá que pensar.
Creia, contudo, que, por enquanto, não é muito fácil
preparar tecnicamente um companheiro à frente da peregrinação infalível.
Os turistas que procedem da Ásia ou da Europa habilitam
futuros viajantes com eficiência, por lhes não faltarem os termos analógicos
necessários. Mas nós, os desencarnados, esbarramos com obstáculos quase
intransponíveis.
A rigor, a Religião deve orientar as realizações do
espírito, assim como a Ciência dirige todos os assuntos pertinentes à vida
material. Entretanto, a Religião, até certo ponto, permanece jungida ao superficialismo
do sacerdócio, sem tocar a profundez da alma.
Importa considerar também que a sua consulta, ao invés de
ser encaminhada a grandes teólogos da Terra, hoje domiciliados na
Espiritualidade, foi endereçada justamente a mim, pobre noticeirista sem
méritos para tratar de semelhante inquisição.
Pode acreditar que, não obstante achar-me aqui de novo,
há quase vinte anos de contado, sinto-me ainda no assombro de um xavante,
repentinamente trazido da selva mato-grossense para alguma de nossas
Universidades, com a obrigação de filiar-se, de inopino, aos mais elevados
estudos e as mais complicadas disciplinas.
Em
razão disso, não posso reportar-me senão ao meu próprio ponto de vista, com as
deficiências do selvagem surpreendido junto à coroa da Civilização.
Preliminarmente, admito deva referir-me aos nossos antigos
maus hábitos.
A cristalização deles, aqui, é uma praga tiranizante.
Comece a renovação de seus costumes pelo prato de cada
dia. Diminua gradativamente a volúpia de comer a carne dos animais. O cemitério
na barriga é um tormento, depois da grande transição. O lombo de porco ou o
bife de vitela, temperados com sal e pimenta, não nos situam muito longe dos nossos
antepassados, os tamoios e os caiapós, que se devoravam uns aos outros.
Os excitantes largamente ingeridos constituem outra
perigosa obsessão. Tenho visto muitas almas de origem aparentemente primorosa,
dispostas a trocar o próprio Céu pelo uísque aristocrático ou pela nossa
cachaça brasileira.
Tanto quanto lhe seja possível, evite os abusos do fumo.
Infunde pena a angústia dos desencarnados amantes da nicotina.
Não se renda à tentação dos narcóticos. Por mais
aflitivas lhe pareçam as crises do estágio no corpo, aguente firme os golpes da
luta. As vítimas da cocaína, da morfina e dos barbitúricos demoram-se largo
tempo na cela escura da sede e da inércia.
E o sexo? Guarde muito cuidado na preservação do seu
equilíbrio emotivo.
Temos aqui muita gente boa carregando consigo o inferno
rotulado de “amor”.
Se você possui algum dinheiro ou detém alguma posse
terrestre, não adie doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las.
Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que
concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós, em muitas ocasiões,
à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões
de cheque.
Em família, observe cautela com testamentos. As doenças
fulminatórias chegam de assalto, e, se a sua papelada não estiver em ordem,
você padecerá muitas humilhações, através de tribunais e cartórios.
Sobretudo, não se apegue demasiado aos laços consanguíneos.
Ame sua esposa, seus filhos e seus parentes com moderação, na certeza de que,
um dia, você estará ausente deles e de que, por isso mesmo, agirão quase sempre
em desacordo com a sua vontade, embora lhe respeitem a memória. Não se esqueça
de que, no estado presente da educação terrestre, se alguns afeiçoados lhe
registrarem a presença extraterrena, depois dos funerais, na certa intimá-lo-ão
a descer aos infernos, receando- lhe a volta inoportuna.
Se você já possui o tesouro de urna fé religiosa, viva de
acordo com os preceitos que abraça. É horrível a responsabilidade moral de quem
já conhece o caminho, em equilibrar-se dentro dele.
Faça o bem que puder sem a preocupação de satisfazer a
todos. Convença-se de que se você não experimenta simpatia por determinadas
criaturas, há muita gente que suporta você com muito esforço.
Por essa razão, em qualquer circunstância, conserve o seu
nobre sorriso.
Trabalhe sempre, trabalhe sem cessar.
O
serviço é o melhor dissolvente de nossas mágoas.
Ajude-se, através do leal cumprimento de seus deveres.
Quanto ao mais, não se canse nem indague em excesso,
porque, com mais tempo ou menos tempo, a morte lhe oferecerá o seu cartão de
visita, impondo-lhe ao conhecimento tudo aquilo que, por agora, não lhe posso
dizer.
(Fonte: "Cartas & Críticas”(Ed. FEB) por Irmão
X, psicografia de Francisco Cândido Xavier)
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