sábado, 20 de junho de 2020

O Cristo e o mundo



O Cristo e o Mundo  
Juvanir Borges de Souza
Reformador (FEB) Maio 1986

            Apesar de vinte séculos decorridos, a Humanidade ainda não tem a compreensão exata do que representa o Cristo de Deus.
            A figura excelsa do Emissário do Criador, o Messias tão esperado de que falam antigas profecias desde setecentos anos antes de sua chegada, passaria quase despercebida nos fastos da História, não fossem os registros dos evangelistas inspirados, como marcas indeléveis de uma planificação superior.
            O próprio povo no seio do qual apareceu, na Terra, que tanto se preparara para recebê-Lo, não o identificou como competia, num lamentável equívoco da raça.
            Sua mensagem não foi aceita senão por uns poucos discípulos que se Incumbiram de divulgá-la pelo mundo.
            Mas o mundo cedo a desvirtuou, não a compreendendo no seu justo sentido.
            As igrejas cristãs ainda hoje apresentam o Cristo sob uma visão distorcida, enquanto as religiões e seitas não cristãs, por ignorância ou indiferença, incorrem em grande erro a respeito de sua personalidade e de sua missão.
            Diante dessa realidade, seria necessária a presença do Consolador prometido, para ensinar coisas novas e restabelecer a verdade, recordando tudo quanto fora dito pelo Mestre Incomparável:

            “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito.” (João, 14: 26.)

            Que entenderam e propagaram as religiões ditas cristãs a respeito de Jesus?
            Baseadas em algumas passagens evangélicas, interpretadas isoladamente e segundo a letra, tomaram a figura do Messias como o próprio Deus feito homem, apesar das muitas advertências de que Ele, o Mestre, era o Filho de Deus e seu enviado.
            Os Evangelhos são repetitivos nessa advertência de suma importância, mas a Igreja Romana, estribada nos primeiros versículos do Evangelho de João e na exclamação de Tomé, chamando-o Deus e Senhor, proclamou-o Deus, instituindo o dogma da Santíssima Trindade, de tão difícil entendimento.
            A partir de então, generalizou-se a crença no Deus-Pai, no Deus-Filho e no Espírito Santo, a divindade trinitária, concepção semelhante à de outras crenças orientais.
            Por erro de entendimento da mensagem crística, erigiu-se o mistério como solução interpretativa, contrariando, ao mesmo tempo, os ensinamentos do Mestre e a razão humana esclarecida.
            Prevaleceu o dogma, criação humana, através dos séculos, contra a realidade imanente da Revelação.
            A reposição da verdade é obra que cabe à Doutrina dos Espíritos, nova etapa da Revelação.
            Milhões de inteligências, influenciadas pela crença ministrada por intermédio das religiões tradicionais, têm dominado os organismos do mundo, estendendo-se o engano ao plano invisível em que habitam essas almas.
            Agora, chegou o tempo das retificações, sempre trabalhosas e difíceis quando se trata da modificação de conceitos profundamente arraigados no imo dos seres. É trabalho que demanda paciência e perseverança, obra de reeducação envolvendo muitas gerações.
            O Espiritismo, o Consolador, conta para tanto com a força da verdade e com a sabedoria dos planos divinos, executados sem pressa mas inexoravelmente, de conformidade com as leis superiores que regem os destinos das criaturas e do mundo.
            Os Instrumentos serão os próprios homens chamados à colaboração com o Cristo, usando dos recursos inesgotáveis que o progresso contínuo vai proporcionando, nas idas e vindas das vidas sucessivas.
            É permanente o processo reeducativo, decorrência natural da lei de evolução. Variável de criatura para criatura nem sempre se torna perceptível no curso de uma existência na Terra, eis que por vezes toma a aparência da estagnação, tais os obstáculos erguidos contra o determinismo evolutivo da Lei Divina.
            Os óbices são criados pelos Espíritos, encarnados e desencarnados, nas múltiplas atividades de que se ocupam: nas ciências e nas religiões, quando, fugindo às suas altas finalidades de auxiliares do progresso material e moral, deixam-se dominar pela intolerância, pelo preconceito e pelo dogmatismo; na política e na administração, instituídas para realizar o bem comum, quando descambam para a tirania, as intrigas e a corrupção; nas atividades comerciais, desenvolvidas para o suprimento das necessidades individuais e coletivas, através das trocas consagradas desde remotas eras, quando se transformam em fontes de egoísmo e ambição; nas indústrias, tão necessárias à multiplicação dos recursos naturais, e no trabalho organizado e útil, lei da vida, quando se desviam nos descaminhos das fabricações dos artefatos de guerra e de corrupção, ou quando transformam a força de trabalho em agente da perversão e do crime; nas letras e nas artes, veículos naturais para a elevação espiritual, quando se deixam contaminar pela extravagância e pela insensatez, nos atentados contra o bem, o bom e o belo.
            O homem, nos seus desvarios resultantes do uso prejudicial da liberdade de que é portador, respeitada pela Lei Divina, mostra, por vezes, tristes sinais de invigilância, mesmo quando bafejado pelas mais belas claridades do Alto.
            Exemplos dessa invigilância encontramos até mesmo nas fileiras espiritistas, quando companheiros se deixam iludir por sutilezas e enganos revestidos de falsa ciência, conduzindo-os a combater o Evangelho do Mestre, a sublime fonte do Espiritismo, da qual não se pode desvincular, sob pena de desnaturação e aniquilamento.
            Como resultante, deparamos com o triste paradoxo de ver-se contraditada a Doutrina da libertação, luzeiro para toda a Humanidade, por alguns de seus adeptos, por certo não os mais simples e humildes mas os dominados pelo orgulho e pelo personalismo deprimente, a indagar, como na passagem evangélica: “Que temos a ver com o Cristo?”
            Enquanto o ateísmo e o materialismo, as clássicas formas de manifestação da descrença nos altos valores espirituais, vão perdendo terreno diante das doutrinas espiritualistas, especialmente diante das novas verdades evidenciadas pelo Espiritismo, alguns contraditórios adeptos da Doutrina dos Espíritos atravancam sua trajetória luminosa no mundo das formas distorcendo sua índole profundamente cristã, reeditando o procedimento de outros, no passado, ao mutilarem o Cristianismo primitivo.

*

            Neste Orbe cheio de iniquidades, onde seus habitantes lutam contra as próprias imperfeições, manifestadas sob múltiplas formas, sempre foi difícil a aceitação das luzes do Céu.
            Muitos foram os mensageiros do Cristo, em todas as épocas e no seio de todos os povos e raças da Terra. Suas ilusões, como alavancas de progresso moral e espiritual, foram sempre árduas, diante do atraso moral e da rebeldia dos homens.
            Jesus Cristo, o Filho de Deus, testemunhou em pessoa, perante a Humanidade, a misericórdia do Pai para com seus filhos da Terra, deixando-lhes a mensagem sublime da redenção humana.
            Todavia, uma parcela imensa dos terrícolas permanece indiferente, mergulhada no primitivismo dos interesses imediatistas.
            Os que conseguiram vislumbrar alguma luz, além do véu da matéria, por sua vez lutam com os deslumbramentos da inteligência desperta e da inquietude dos programas transitórios, enquanto os que, aquinhoados por crenças herdadas do passado, mas limitados por uma fé cega, continuam enleados em sucessivas reencarnações pelas consequências de erros conceituais cristalizados, de difícil correção.
            O Cristo contínua, assim, o grande desconhecido para uma enorme parcela de seu próprio rebanho.
            Os trabalhadores da última hora, a serviço do Consolador, diante desse quadro gigantesco de carências estão sobrecarregados de responsabilidades.
            Além da realização do trabalho de espalhar por toda parte as verdades evangélicas e de divulgar as coisas novas, reveladas pelos Espíritos, precisam oferecer o testemunho da excelência da exemplificação do que pregam. Muitos precisam conviver com resgates de débitos. Outros não se podem furtar aos ataques da ignorância, da má-fé, dos interesses contrariados, tanto de César e de Mamon, quanto dos seguidores de religiões e filosofias equivocadas.
            Dentro das próprias fileiras espíritas surgirão os desviados da estrada reta e estreita do dever perante o Mestre, colocando-se a serviço do personalismo.

            “Guardai-vos dos falsos profetas que vêm ter convosco cobertos de peles de ovelha e que por dentro são lobos rapaces.” (Mateus, VII, 15.)
            “Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; - e porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará. - Mas aquele que perseverar até ao fim se salvará. (Mateus, XXIV - 11 a 13.)

            Na luta entre a luz e a treva, a verdade e a mentira, o amor e o ódio, o trabalhador sincero ver-se-á muitas vezes acossado pela calúnia, pelo ridículo, pela impiedade e pela maldade, armas a que terá de opor a coragem, o estoicismo, a certeza da verdade, a fé raciocinada, a caridade, a humildade.
            Será taxado de visionário, quando não de lunático, como já tem ocorrido tantas vezes, porque para muitos, ainda em nossos dias, “Espiritismo é coisa de loucos”.
            Estejamos advertidos, os trabalhadores de boa vontade, das dificuldades da tarefa. Não é fácil restabelecer a verdade e a pureza do Código da Vida deixado pelo Cristo, deturpadas por séculos de obscurantismo e dogmatismo, servindo a interesses mundanos.
            Apesar das transformações trazidas pelo progresso incessante, firmando-se as liberdades contra as tiranias, tornando impraticável a imposição religiosa das maiorias, com a iníqua inquisição, as perseguições e o derramamento de sangue em nome do Cordeiro de Deus, ainda existem muitas consciências retardatárias, incapazes de reconhecer os novos tempos cristalizadas no vício do “crê ou morre” e na necessidade das “guerras santas”.
            A era do Consolador caracteriza-se como reformista, não no sentido do grande movimento renovador do século XVI, iniciado como protesto contra a mercancia de indulgências e sacramentos pela Igreja Romana, mas como programa de reeducação do homem, para que possa conhecer-se a si mesmo.
            Agora, não haverá derramamento de sangue, porque os novos cristãos-espíritas têm noção plena de suas responsabilidades. Desejam tornar conhecida a verdade para a libertação das consciências, edificando-as retas e dignas.
            Há séculos o Governador do Planeta vem orientando os planos e preparando a deflagração da campanha da liberdade com responsabilidade para os Espíritos que fazem sua ascensão neste Orbe. As grandes descobertas marítimas, a invenção e o rápido aperfeiçoamento da Imprensa, a Reforma, as liberdades políticas, com o reconhecimento dos direitos do homem, a revolução industrial e o incrível progresso científico e tecnológico são alguns pontos desse programa, cada qual no devido tempo, que possibilitam a atuação do Consolador prometido por Jesus.

            “Aproxima-se o tempo em que se cumprirão as coisas anunciadas para a transformação da Humanidade. Ditosos serão os que houverem trabalhado no campo do Senhor, com desinteresse e sem outro móvel, senão a caridade! Seus dias de trabalho serão pagos pelo cêntuplo do que tiverem esperado. Ditosos os que hajam dito a seus irmãos: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra”, porquanto o Senhor lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes impor silêncio às vossas rivalidades e às vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para a obra.” Mas, ai daqueles que, por efeito das suas dissensões, houverem retardado a hora da colheita, pois a tempestade virá e eles serão levados no turbilhão.”
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            “Deus procede, neste momento, ao censo dos seus servidores fiéis e já marcou com o dedo aqueles cujo devotamento é apenas aparente, a fim de que não usurpem o salário dos servidores animosos, pois aos que não recuarem diante de suas tarefas é que Ele vai confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo Espiritismo.
            Cumprir-se-ão estas palavras: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos céus.” - O Espírito de Verdade (Paris, 1862) in “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 91ª ed. FEB. págs. 329/330.
            Aquele a quem o Pai “constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo” (Paulo, Hebreus), conta com seus trabalhadores sinceros, os que já compreenderam sua grandeza, na obra ingente e paciente de transformação do homem e do mundo.

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