Abroquelemo-nos
na fé (Amparemo-nos
na fé)
Redação
Reformador (FEB) Dezembro
1942
Apesar
da celeridade com que o Espiritismo tem avassalado o mundo, nos decênios
decorridos desde o seu aparecimento em corpo de doutrina, conquistando
multidões de almas e impondo-se à meditação de sábios, de cientistas e de filósofos,
numerosos são ainda os que, ao ouvirem aquelas cinco sílabas, arqueiam os lábios
num sorriso de mofa, ao mesmo tempo que procuram exprimir a comiseração
escarninha que lhes inspira o pobre crente da Doutrina dos Espíritos! De muitas
cátedras e púlpitos chovem ainda sobre ele as zombarias e as argumentações
capciosas de que, à falta de armas leais e nobres, se valem os que imaginam
poder destruí-lo! E uns e outros, ao tomarem essas atitudes, como que antegozam
a raiva, a indignação, a revolta, ou, quando nada, o aborrecimento que de tal
maneira supõem causar aos espíritas.
Triste ilusão a de todos eles, quer quanto ao mal que
pensam fazer à doutrina, quer quanto ao efeito que julgam produzir nos seus
adeptos, pelos motejos e pelos ataques! Se tal acontecera, se o aborrecimento
ou a indignação os empolgassem, então, sim, motivo teriam os espíritas para
duvidar da veracidade e superioridade das crenças que professam e propagam.
Quem é que, depois de tatear nas trevas, buscando o caminho
que o levará onde os anelos incessantes do coração lhe dizem estar o repouso, a
paz, a alegria, se perturbará, tendo achado esse caminho, com a grita dos que,
por não poderem ou não quererem ver as cintilações do astro que lhe serve de
guia, se obstinam em procurar veredas escusas, ou se deixam cair, desesperados,
à beira de um abismo que os tragará ao primeiro passo em falso? De todos os
motejos, zombarias e hostilidades se consolam os espíritas, os verdadeiros
espíritas, lamentando do fundo d’alma os que tão cegos se mostram, tão
descuidados daquilo mesmo que tanto almejam e que, por experiência própria,
duramente obtida, todos sabem jamais encontrarão neste mundo - a felicidade.
Não há, porém, molestarem-se, com a piedade e a compaixão
que infundem aos espíritas, os que lhes arremessam as setas do escárnio e
violentos os agridem, procurando paralisar lhes a ação. Não julguem que tais
sentimentos lhes nascem de se acreditarem eles superiores ao seus irmãos e
companheiros de exílio, ou de um orgulho semelhante ao dos fariseus de todos os
tempos, que, hoje, como outrora, se têm por privilegiados, considerando-se
favoritos do amor divino. Não, aqueles sentimentos brotam de fonte muito
diversa. É que também eles já andaram perdidos no dédalo pavoroso das ambições,
à cata da falaciosa ventura do viver material e só conseguiram perceber o vazio
imenso da felicidade terrena, quando a supunham haver conquistado.
Também eles, sumida essa miragem, vieram a encontrar-se,
como sucede sempre, flagelados pelas dores e sofrimentos que assinalam a
inferioridade do nosso planeta na infinita escala dos mundos, a debater-se no
oceano tempestuoso das angústias, das aflições, das torturas morais, ansiando
por uma frágil tábua a que se agarrassem, pelo tremeluzir de uma estrela que
lhes permitisse lobrigar alguma coisa dentro da escuridão profunda que cobre
todo o vasto pélago das expiações amargas. Mas, naturalmente porque abrigavam,
num dos mais ocultos escaninhos de suas almas, pequeníssima centelha da fé que
salva, lograram divisar um raio de luz que os norteou no bracejar aflitivo e,
assim, em vez de serem colhidos pelas tenazes pungentes do desespero, sentiram
o amplexo da esperança, que lhes deu aos espíritos reconforto e firmeza para
enveredarem pela estrada da verdade, na jornada eterna.
Apiedam-se eles, pois, dos que os combatem e escarnecem,
unicamente porque, sentindo-se felizes em seguir a rota segura que encontraram,
lhes doe ver que tantos irmãos seus se esforçam por afastar-se dela, trocando-a
por sendas ínvias, ao longo das quais mais e mais negras se irão tornando as
sombras que os envolvem.
É luz o Espiritismo e, jorrando do seio puríssimo do
Cristo, seus raios são feitos de doçura, de bondade, de caridade e de amor.
Assim, nos corações em que ela penetrou fundo, lugar não pode haver para
sentimentos diversos daqueles. Tendo sido e continuando a ser, para as almas
que sinceramente o abraçaram, bálsamo e conforto, essas almas, compreendendo,
quando alvejadas pelos dardos envenenados da descrença ou do sectarismo fanático,
que só a falta daquele bálsamo e daquele conforto gera semelhantes investidas,
se confrangem, mas apenas por não poderem repartir com os seus agressores tão
grande bem.
Em casos tais, se outros fossem os sentimentos nos corações
espíritas, que não os da compaixão e da piedade, espíritas não seriam eles,
pois que estariam em absoluto divorciados do preceito tantas vezes formulado
por Jesus e sempre por ele praticado: “Amai aos vossos inimigos”. Ainda por
obediência a esse preceito, não têm que combater, na acepção vulgar do termo,
os que os combatem, revidando aos golpes que lhes estes vibrem, ou, sequer,
demonstrando a injustiça com que procedam. Nem precisam faze-lo. Nas mãos de
seus discípulos não pôs o Mestre divino nenhuma arma de combate; entregou-lhes
apenas um facho de luz e por escudo lhes deu a fé. Esclarecer é, portanto, a
missão do verdadeiro espírita.
Nada importa que aqui ou ali, por muito densas as trevas,
não possa a luz, desde o primeiro instante, penetrar e que desses antros partam
golpes furibundos contra o facho de luz. Ele jamais se apagará. Virá dia em
que, embotadas as armas, pelo bater continuo contra o invulnerável escudo da fé,
os inimigos as deporão e a luz lhes ferirá as retinas.
“Bem aventurados os mansos, porque possuirão a terra”,
disse Jesus. É, portanto, pela mansidão, o que significa pela caridade e pelo
amor, que o Espiritismo conquistará o mundo, para nele imperar o manso cordeiro
de Deus. Nem de outra forma poderia ser, porquanto, quem diz Espiritismo diz
Cristianismo, que só é amor e caridade.
Dado que os que se afirmam céticos e vivem engolfados nas
grandes preocupações que lhes causam as coisas materiais a isto retruquem, por
entre mais um sorriso escarninho: “Sonhos, quimeras”, só há que lhes responder
com estas palavras de Marchal, em “O Espiritismo
Consolador”:
“O sonho é para a
alma o que o ar é para o pássaro, o que a visão das estrelas é para o
prisioneiro. Os poetas são sonhadores e jamais tão bem cantam, como quando
cantam os desesperos do coração insaciado. Sonhar é esquecer o lodo e as dores
da Terra e voar para o firmamento. É quebrar as grades da prisão, para nadar na
amplidão azul; é aspirar aos êxtases benditos; é crer na justiça, na verdade,
no futuro. Sonhar é acariciar quimeras que se tornarão realidades, desprezando
realidades que se tornarão quimeras. Sonhar é tomar a dianteira e avançar para
a região das alegrias puras, dos amores sem fim e das liberdades sem limites.
Os sonhadores são os batedores na marcha do gênero humano".
Esses, porém, são os sonhadores de fé. Assim, unicamente
sonham aqueles de cujas almas é a fé o alimento. Só ela, quando, pelas obras
que executa, se expande no culto das verdades eternas que o amor resume, dá ao
espírito forças para quebrar as algemas do pecado, que a prendem à matéria, e
ascender à suprema realidade - a perfeição.
Cultivemo-la, haurindo lhe a seiva nos ensinos evangélicos,
como no-los fazem compreender os mensageiros do Senhor, e o seu contínuo acrisolamento
nos nossos corações será o que em nós produzirão os ataques, as agressões, os ódios,
as invectivas, as perseguições que nos dirijam os que ainda a não possuem e
que, por isso, “mansos” não podem ser.
Fortaleçamo-la em nossa alma, buscando sempre, para
painel dos nossos sonhos de crentes do Evangelho, o inefável cenário da manjedoura
de Belém, onde despontou, a banhar a Terra de claridades inextinguíveis, o
portentoso Sol do seu firmamento espiritual e que desde então refulge, a
despeito da escuridão profunda que com frequência invade as criaturas de Deus,
como sucede no instante atual do cativeiro a que elas se condenaram no cárcere
da carne.
Mais uma vez, com efeito, passa, no calendário terrestre,
a efeméride que relembra o quadro do estábulo onde surgiu no seio da humanidade
o seu Salvador e Redentor. Voltemos para ele os nossos Espíritos, recordando os
seus ensinos de salvação e, abroquelados na fé em suas promessas infalíveis, ainda
ouviremos, a nos reboar no íntimo, abafando as vozes sinistras dos canhões, das
bombas e da metralha com que os povos se chacinam, o dulcíssimo cântico dos
anjos, glorificando ao Senhor e assegurando paz aos homens de boa vontade.
Ainda mais: também perceberemos que cada vez mais próximas
se fazem ouvir, sobrepujando as do cântico angelical, aquela interrogação que
Paulo escutou outrora na estrada de Damasco, porém dirigida agora a todas as criaturas
humanas, nestes termos: “Filhos de meu
Pai, por que me perseguis?"
E, assim como naquele momento já remoto as que lhe
chegaram aos ouvidos quase ao termo da sua jornada de perseguidor dos cristãos,
produziram o efeito mágico de arrojar ao chão, deslumbrado, O que veio a ser o
grande Apóstolo dos gentios e de força-lo a exclamar, proferindo a sua primeira
profissão de fé: “Senhor, que queres que
eu faça?” as que presentemente estão prestes a ecoar por todo o mundo farão
que, aturdidos e maravilhados, os homens deixem se lhes escapem das mãos as
armas fratricidas, para, em subitâneo arrebatamento de fé e humildade,
clamarem: “Senhor, perdoa e ergue-nos da
nossa miséria moral, a fim de que, cumprindo submissos a tua vontade, nos
amemos uns aos outros, como tu nos tens amado”.
E para logo reboará de novo, enchendo de harmonias sem
par a Terra inteira e a amplidão que a circunvolve, para não mais se extinguir,
o cântico celestial: “Glória a Deus nas
maiores alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!”
E paz reinará em todo orbe terráqueo, porque, possuídos
de fé verdadeira, da fé que salva, da fé que para sempre se apoderou de Paulo,
todos os Espíritos, encarnados e desencarnados, serão de boa vontade,
dignificados, portanto, a se considerarem, em espírito e verdade, legítimos “filhos
de Deus”, como o era e é, desde todos os tempos. Aquele que se proclamou e será
então reconhecido - Caminho, Verdade e Vida: Nosso Senhor Jesus Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário