segunda-feira, 15 de junho de 2020

Abroquelemo-nos na fé



Abroquelemo-nos na fé (Amparemo-nos na fé)
Redação
Reformador (FEB) Dezembro 1942

            Apesar da celeridade com que o Espiritismo tem avassalado o mundo, nos decênios decorridos desde o seu aparecimento em corpo de doutrina, conquistando multidões de almas e impondo-se à meditação de sábios, de cientistas e de filósofos, numerosos são ainda os que, ao ouvirem aquelas cinco sílabas, arqueiam os lábios num sorriso de mofa, ao mesmo tempo que procuram exprimir a comiseração escarninha que lhes inspira o pobre crente da Doutrina dos Espíritos! De muitas cátedras e púlpitos chovem ainda sobre ele as zombarias e as argumentações capciosas de que, à falta de armas leais e nobres, se valem os que imaginam poder destruí-lo! E uns e outros, ao tomarem essas atitudes, como que antegozam a raiva, a indignação, a revolta, ou, quando nada, o aborrecimento que de tal maneira supõem causar aos espíritas.
            Triste ilusão a de todos eles, quer quanto ao mal que pensam fazer à doutrina, quer quanto ao efeito que julgam produzir nos seus adeptos, pelos motejos e pelos ataques! Se tal acontecera, se o aborrecimento ou a indignação os empolgassem, então, sim, motivo teriam os espíritas para duvidar da veracidade e superioridade das crenças que professam e propagam.
            Quem é que, depois de tatear nas trevas, buscando o caminho que o levará onde os anelos incessantes do coração lhe dizem estar o repouso, a paz, a alegria, se perturbará, tendo achado esse caminho, com a grita dos que, por não poderem ou não quererem ver as cintilações do astro que lhe serve de guia, se obstinam em procurar veredas escusas, ou se deixam cair, desesperados, à beira de um abismo que os tragará ao primeiro passo em falso? De todos os motejos, zombarias e hostilidades se consolam os espíritas, os verdadeiros espíritas, lamentando do fundo d’alma os que tão cegos se mostram, tão descuidados daquilo mesmo que tanto almejam e que, por experiência própria, duramente obtida, todos sabem jamais encontrarão neste mundo - a felicidade.
            Não há, porém, molestarem-se, com a piedade e a compaixão que infundem aos espíritas, os que lhes arremessam as setas do escárnio e violentos os agridem, procurando paralisar lhes a ação. Não julguem que tais sentimentos lhes nascem de se acreditarem eles superiores ao seus irmãos e companheiros de exílio, ou de um orgulho semelhante ao dos fariseus de todos os tempos, que, hoje, como outrora, se têm por privilegiados, considerando-se favoritos do amor divino. Não, aqueles sentimentos brotam de fonte muito diversa. É que também eles já andaram perdidos no dédalo pavoroso das ambições, à cata da falaciosa ventura do viver material e só conseguiram perceber o vazio imenso da felicidade terrena, quando a supunham haver conquistado.
            Também eles, sumida essa miragem, vieram a encontrar-se, como sucede sempre, flagelados pelas dores e sofrimentos que assinalam a inferioridade do nosso planeta na infinita escala dos mundos, a debater-se no oceano tempestuoso das angústias, das aflições, das torturas morais, ansiando por uma frágil tábua a que se agarrassem, pelo tremeluzir de uma estrela que lhes permitisse lobrigar alguma coisa dentro da escuridão profunda que cobre todo o vasto pélago das expiações amargas. Mas, naturalmente porque abrigavam, num dos mais ocultos escaninhos de suas almas, pequeníssima centelha da fé que salva, lograram divisar um raio de luz que os norteou no bracejar aflitivo e, assim, em vez de serem colhidos pelas tenazes pungentes do desespero, sentiram o amplexo da esperança, que lhes deu aos espíritos reconforto e firmeza para enveredarem pela estrada da verdade, na jornada eterna.
            Apiedam-se eles, pois, dos que os combatem e escarnecem, unicamente porque, sentindo-se felizes em seguir a rota segura que encontraram, lhes doe ver que tantos irmãos seus se esforçam por afastar-se dela, trocando-a por sendas ínvias, ao longo das quais mais e mais negras se irão tornando as sombras que os envolvem.
            É luz o Espiritismo e, jorrando do seio puríssimo do Cristo, seus raios são feitos de doçura, de bondade, de caridade e de amor. Assim, nos corações em que ela penetrou fundo, lugar não pode haver para sentimentos diversos daqueles. Tendo sido e continuando a ser, para as almas que sinceramente o abraçaram, bálsamo e conforto, essas almas, compreendendo, quando alvejadas pelos dardos envenenados da descrença ou do sectarismo fanático, que só a falta daquele bálsamo e daquele conforto gera semelhantes investidas, se confrangem, mas apenas por não poderem repartir com os seus agressores tão grande bem.
            Em casos tais, se outros fossem os sentimentos nos corações espíritas, que não os da compaixão e da piedade, espíritas não seriam eles, pois que estariam em absoluto divorciados do preceito tantas vezes formulado por Jesus e sempre por ele praticado: “Amai aos vossos inimigos”. Ainda por obediência a esse preceito, não têm que combater, na acepção vulgar do termo, os que os combatem, revidando aos golpes que lhes estes vibrem, ou, sequer, demonstrando a injustiça com que procedam. Nem precisam faze-lo. Nas mãos de seus discípulos não pôs o Mestre divino nenhuma arma de combate; entregou-lhes apenas um facho de luz e por escudo lhes deu a fé. Esclarecer é, portanto, a missão do verdadeiro espírita.
            Nada importa que aqui ou ali, por muito densas as trevas, não possa a luz, desde o primeiro instante, penetrar e que desses antros partam golpes furibundos contra o facho de luz. Ele jamais se apagará. Virá dia em que, embotadas as armas, pelo bater continuo contra o invulnerável escudo da fé, os inimigos as deporão e a luz lhes ferirá as retinas.
            “Bem aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, disse Jesus. É, portanto, pela mansidão, o que significa pela caridade e pelo amor, que o Espiritismo conquistará o mundo, para nele imperar o manso cordeiro de Deus. Nem de outra forma poderia ser, porquanto, quem diz Espiritismo diz Cristianismo, que só é amor e caridade.
            Dado que os que se afirmam céticos e vivem engolfados nas grandes preocupações que lhes causam as coisas materiais a isto retruquem, por entre mais um sorriso escarninho: “Sonhos, quimeras”, só há que lhes responder com estas palavras de Marchal, em “O Espiritismo Consolador”:

            “O sonho é para a alma o que o ar é para o pássaro, o que a visão das estrelas é para o prisioneiro. Os poetas são sonhadores e jamais tão bem cantam, como quando cantam os desesperos do coração insaciado. Sonhar é esquecer o lodo e as dores da Terra e voar para o firmamento. É quebrar as grades da prisão, para nadar na amplidão azul; é aspirar aos êxtases benditos; é crer na justiça, na verdade, no futuro. Sonhar é acariciar quimeras que se tornarão realidades, desprezando realidades que se tornarão quimeras. Sonhar é tomar a dianteira e avançar para a região das alegrias puras, dos amores sem fim e das liberdades sem limites. Os sonhadores são os batedores na marcha do gênero humano".

            Esses, porém, são os sonhadores de fé. Assim, unicamente sonham aqueles de cujas almas é a fé o alimento. Só ela, quando, pelas obras que executa, se expande no culto das verdades eternas que o amor resume, dá ao espírito forças para quebrar as algemas do pecado, que a prendem à matéria, e ascender à suprema realidade - a perfeição.
            Cultivemo-la, haurindo lhe a seiva nos ensinos evangélicos, como no-los fazem compreender os mensageiros do Senhor, e o seu contínuo acrisolamento nos nossos corações será o que em nós produzirão os ataques, as agressões, os ódios, as invectivas, as perseguições que nos dirijam os que ainda a não possuem e que, por isso, “mansos” não podem ser.
            Fortaleçamo-la em nossa alma, buscando sempre, para painel dos nossos sonhos de crentes do Evangelho, o inefável cenário da manjedoura de Belém, onde despontou, a banhar a Terra de claridades inextinguíveis, o portentoso Sol do seu firmamento espiritual e que desde então refulge, a despeito da escuridão profunda que com frequência invade as criaturas de Deus, como sucede no instante atual do cativeiro a que elas se condenaram no cárcere da carne.
            Mais uma vez, com efeito, passa, no calendário terrestre, a efeméride que relembra o quadro do estábulo onde surgiu no seio da humanidade o seu Salvador e Redentor. Voltemos para ele os nossos Espíritos, recordando os seus ensinos de salvação e, abroquelados na fé em suas promessas infalíveis, ainda ouviremos, a nos reboar no íntimo, abafando as vozes sinistras dos canhões, das bombas e da metralha com que os povos se chacinam, o dulcíssimo cântico dos anjos, glorificando ao Senhor e assegurando paz aos homens de boa vontade.
            Ainda mais: também perceberemos que cada vez mais próximas se fazem ouvir, sobrepujando as do cântico angelical, aquela interrogação que Paulo escutou outrora na estrada de Damasco, porém dirigida agora a todas as criaturas humanas, nestes termos: “Filhos de meu Pai, por que me perseguis?"

            E, assim como naquele momento já remoto as que lhe chegaram aos ouvidos quase ao termo da sua jornada de perseguidor dos cristãos, produziram o efeito mágico de arrojar ao chão, deslumbrado, O que veio a ser o grande Apóstolo dos gentios e de força-lo a exclamar, proferindo a sua primeira profissão de fé: “Senhor, que queres que eu faça?” as que presentemente estão prestes a ecoar por todo o mundo farão que, aturdidos e maravilhados, os homens deixem se lhes escapem das mãos as armas fratricidas, para, em subitâneo arrebatamento de fé e humildade, clamarem: “Senhor, perdoa e ergue-nos da nossa miséria moral, a fim de que, cumprindo submissos a tua vontade, nos amemos uns aos outros, como tu nos tens amado”.
            E para logo reboará de novo, enchendo de harmonias sem par a Terra inteira e a amplidão que a circunvolve, para não mais se extinguir, o cântico celestial: “Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!
            E paz reinará em todo orbe terráqueo, porque, possuídos de fé verdadeira, da fé que salva, da fé que para sempre se apoderou de Paulo, todos os Espíritos, encarnados e desencarnados, serão de boa vontade, dignificados, portanto, a se considerarem, em espírito e verdade, legítimos “filhos de Deus”, como o era e é, desde todos os tempos. Aquele que se proclamou e será então reconhecido - Caminho, Verdade e Vida: Nosso Senhor Jesus Cristo.

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