Essência
de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Janeiro 1907
Sr. Redator,
Acabo de ser honrado com uma longa missiva procedente de
S. Paulo em a qual um nosso confrade o Sr. Arthur Baptista, me pede o elucide
acerca da minha opinião sobre a natureza de Jesus.
Diz
o aludido missivista:
Em
certo lugar de sua apreciada dissertação ‘O
Sermão do Monte’ diz V. Sa.:
“Ante
esta admoestação do meigo pupilo de José - o carpinteiro...”
- “...pergunto a V.S.: Que origem empresta V.Sa. ao Cristo?
Divina ou humana? Naturalmente divina,
porque, do contrário V.Sa. diria .. Ante esta admoestação do meigo filho de José
o carpinteiro...”
E, continuando, pondera o Sr. A. Baptista:
“Se Jesus não é filho de José, pelo seu modo de dizer,
tem origem em Deus, isto é, é “Deus”.
E, em seguida, pergunta-me:
“- Interpretou mal o que V.Sa. quis dizer?”
Agora minha resposta:
Interpretou mal.
Nem Jesus é filho de José nem é Deus, mas um espírito
superior que veiou à Terra como enviado plenipotenciário do Rei da Criação.
Pelo fato de ter Jesus origem imediata em Deus, não se segue que seja ele Deus.
Todas as almas nasceram de Deus, que as criou. Elas são umas como chispas que repincham
do ilimitado Foco de luz, ou, por outra, do infinito sol espiritual chamado Deus.
Todas elas ignaras ou sábias, medíocres ou superiores, encerram em si um
fúlgido cristal que reflete os raios da Divindade. Esse cristal brilhante
chama-se Consciência, que, sem contradita, foi criada por Deus, ou (o que
equivale dizer o mesmo) tem origem n’Ele; porém concluir desse fato irrefutável
que a nossa alma seja Deus, seria incontestavelmente paradoxal pretensão.
Vê, pois, o meu amável consulente que é sofístico o seu silogismo.
Desfeita assim a sua objeção, entro a expor o que penso
acerca da personalidade de Jesus.
Eu creio firmemente que Jesus é um espírito superior, enviado,
como Ele mesmo declarou inúmeras vezes, por Deus ao nosso globo, afim de
esclarecer e guiar a humanidade na vereda do bem e da virtude – carreiro único que
nos conduz à perfeição e a felicidade. Ele veio implantar no coração dos homens
a mais edificante moral que se tem refletido no mundo. De feito, assentou o suntuoso
edifício de seus ensinamentos, de sua imperecível religião sobre o mais sólido
alicerce constituído por estes variegados e inquebrantáveis mármores: caridade e amor.
Como consequência, ensinou o perdão e o esquecimento das ofensas e injúrias, o
auxílio mútuo dos homens, sem distinção de raças, o congraçamento de todos, a
paz, a reconciliação, em uma palavra, a fraternidade universal!
Era então estranha essa doutrina, que desabrochava na alma
popular, como alvissareira e esplêndida alvorada a dissipar a densa treva do paganismo
que eclipsava a ideia do verdadeiro Autor da Criação. Ao implacável Jeová, rubro
de cólera e vingança, ele vinha opor o tolerante e misericordioso Deus, que
relanceia o seu olhar cheio de doçura e complacência sobre a pobre humanidade -
miserável calceta chumbada ao pelourinho ignominioso dos mais sórdidos vícios,
dos mais revoltantes e monstruosos crimes! Ele veio ao mundo, a mandado de seu Pai,
não para ameaça-lo com imprecações e raios, mas para oferecer-lhe uma dádiva primorosa:
- o viridente (viçoso) ramalhete da esperança, que nos faz prelibar o gozo
inefável da ventura eternal. Ele veio nos assegurar que a dor é necessária para
as delícias futuras; que a lágrima é um orvalho santo que faz abrir em nossos lábios
a flor primaveril do sorriso feliz!
Não é crível que Jesus, espírito superior, existindo já
antes de Abraão, como ele mesmo o revelou, tivesse necessidade de se reencarnar
em um corpo grosseiro, como o nosso, para realizar a missão nobilíssima de que fora
investido por seu Pai e nosso Pai.
Raciocinemos: Em primeiro lugar, não repugna a nenhum crente
do Espiritismo o fato da materialização dos espíritos, que, por um simples ato
de sua vontade, podem imprimir ao perispírito modificações que o tornam perceptível
aos nossos sentidos. Muitas vezes o perispírito se condensa de tal maneira que pode adquirir as propriedades da solidez
e da tangibilidade, podendo também instantaneamente reassumir o seu estado
etéreo e invisível, como diz Epes
Sargent na sua obra “Bases
Científicas no Espiritismo”.
Ora, se o perispírito pode, a seu talante, tornar-se
sólido e tangível e reassumir o seu estado etéreo, qual o motivo por que não
havemos de compreender que Jesus - espírito superior - dispusesse dessa
faculdade?
Pois não é mais nobre tal concepção a respeito de Jesus, do
que figurarmo-lo chumbado a uma carne grosseira e esquecida, como é o corpo
humano?
Pois não é verdade que, depois de sepultado, apareceu
Jesus à Magdala e aos seus discípulos com a mesma aparência material que tinha
antes do enterramento?
Não
é verdade que, depois de sepultado, apareceu Jesus à Magdala e aos seus
discípulos com a mesma aparência material que tinha antes do enterramento.
Não é verdade que S. Tomé só acreditou que era realmente
Jesus, quando tocou com os próprios dedos as chagas do Mestre?
A verdade é que Jesus materializava-se e tornava-se etéreo
e invisível todas as vezes que lhe aprazia.
Se acaso o meu ilustre consulente e confrade acredita que
o corpo de Jesus era idêntico ao nosso corpo humano, ramo pode explicar o seu
desaparecimento do interior do túmulo encontrado vazio?
Podeis acreditar que o tenha Jesus levado para as regiões
etéreas onde vivem os espíritos superiores, e onde tudo é puro, leve, imponderável
e imaterial?
Eu acredito piamente que sobre ser paradoxal, é fazer uma
ideia somenos de Jesus, crê-lo sepultado na carne humana que, segundo a sua própria
expressão, para nada aproveita.
Para provar ainda que o corpo de Jesus não era carnal,
apresento o seguinte texto evangélico:
“- E transfigurou-se diante deles (que eram Pedro, Tiago
e João). E o seu rosto ficou refulgente como o sol e as suas vestiduras se fizeram
brancas como a neve.” (Mateus, Cap. XVII, v.2)
Pode-se porventura conceber que o corpo humano tenha a
prerrogativa de assumir essa refulgência, esse resplendor de que fala o
Evangelista?
Seguramente não.
Vejamos, em favor de nossa asserção, mais uma prova colhida
nas palavras próprias de Jesus:
“Vós me buscareis, e não me achareis: nem vós podeis vir
aonde eu estou.” (João, cap. VII, v. 34).
Considere-se
bem que Jesus não diz: ir, mas sim, vir, e nem tão pouco: aonde eu estarei, mas sim: aonde eu estou.
Jesus, exprimindo-se desta maneira aos seus discípulos,
antes de sua pretendida morte, queria certamente significar que não residia, no
momento mesmo em que falava, neste mundo, mas sim nas etéreas excelsitudes, de
onde vinha e para onde voltava com celeridade maior que a do relâmpago.
Concluindo, opino, em virtude das reflexões acima
emitidas, que corpo com que Jesus se apresentava não era um corpo análogo ao,
mas sim um corpo fluídico, astral, que, na clássica linguagem espírita, se traduz
pelo termo: perispírito.
Eis aí tem o meu ilustre consulente a minha resposta a questão
que me apresentou acerca da natureza do sublime Enviado de Deus sobre o planeta
em que estamos hospedados.
Considerando-me feliz, caso este meu parecer seja
benevoladamente acolhido pelo meu distinto confrade, aproveito o ensejo para
apresentar lhe a expressão de meu profundo reconhecimento pela distinção com
que me honrou, e da minha inteira consideração, estima e amizade.
Dr. Fernando de Alencar
Estação de Henrique Galvão, Minas, 10 de dezembro de
1906
Ainda a
essência de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Março de 1907
Ilmo Sr. Arthur Baptista:
Cordiais saudações,
Só
ontem é que recebi a Verdade e Luz de 31 de Janeiro, em cujo número li a vossa
carta em resposta ao meu escrito “Essência de Jesus”.
Permiti que encete, sem mais preâmbulo, as reflexões que
ela me sugeriu.
Dizeis que na existência do corpo carnal de
Jesus é justamente onde entrevedes o seu maior merecimento, porque,
irmanando-se conosco, nos ensina a darmos mais uma passada no caminho do progresso.
De sorte que, consoante o vosso modo de pensar, são os
sofrimentos físicos, senão os únicos, ao menos os mais de molde a nos
encaminharem na vereda do progresso, os mais próprios a nos fazerem atingir à perfeição.
Entendo que vos achais iludido.
Dais a sorte que a perceber que as dores físicas são mais
intensas ou torturam mais que os sofrimentos morais. Ora, é esta uma asserção de
todo o ponto injustificável. Quantas pessoas, a quem nenhum mal físico zurze, e
que se encontram mergulhadas no mais confortável aconchego, impulsionadas por
uma tempestade de emoções violentíssimas, arremessam-se à voragem do suicídio,
menosprezando muitas vezes os mais dolorosos e cruciantes gêneros de morte, como
sejam os tóxicos corrosivos, a combustão, etc., que despertam necessariamente os
mais lancinantes tormentos, as mais aflitivas contorções ?!..
E
isso porque? Evidentemente, com o intuito de se desvencilharem de um sofrimento
moral penosíssimo, de um ciúme atroz, de uma injustiça revoltante, do abatimento
em que as deixa a extinção de uma esperança sedutora, que lhes coloria a existência
com as cores mais brilhantes do caleidoscópio das ilusões?
Se, como vedes, há paixões aflitivas tão insuportáveis ao
ponto de se lhes preferirem as mais torturantes dores físicas, porque não compreendeis
que Jesus tivesse sofrido mais no íntimo de seu ser espiritual, diante das
desgraças da humanidade que Ele tanto amava e ama, do que com as dores de seu
suplício?
Dizeis que Jesus experimentou fome e sede – sofrimentos
esses inerentes à carne.
Nego a veracidade desta proposição.
De feito, os Evangelhos afirmam que Jesus, durante
quarenta dias e quarenta noites, jejuou no deserto.
Não há ser humano que, no estado fisiológico, assevero-o
em nome da ciência médica de que sou humilíssimo representante, possa realizar esse
feito assombrante.
Continuemos.
Ponderais: - Se Jesus,
trazendo um corpo fluídico... se houvesse conduzido de forma que iludia a
atenção geral... essa burla teria sido o maior escárnio atirado à face de um
povo, etc.
Esquecido deste vosso argumento, quase no fim de vossa
dissertação, na impossibilidade de explicardes plausivelmente o desaparecimento
do pretendido corpo de Jesus, perguntais como uma tal ou qual ingenuidade,
aliás bem respeitável por nascer de uma séria e intrincada dificuldade.
- Porque não podia Jesus ter transportado seu corpo
carnal para um sítio deserto, para uma voragem desconhecida, para o fundo do
mar?
Se julgais, meu ilustre confrade, ser burla o fato de Jesus
ter comunicado ao seu períspirito a propriedade de solidez e tangibilidade (o
que Ele fez com o intuito mui justificável de conseguir impressionar o meio
social em que apareceu e que, como sabemos, era constituído por espíritos
ignaros e atrasados, e em quem os sentidos falavam mais alto o que o
raciocínio) de outro lado, não considerais, porventura, indigno desse Espírito
superior o embuste de arremessar para o fundo do mar, para uma voragem ou para
um deserto o seu corpo carnal? E com que fim?
Porque preferira Ele algum desses lugares que nomeais ao
sepulcro em que o depositou José de Arimatéia, o qual certamente não seria
violado?
E depois... esta hipótese, parece, seria uma traça de
arte mágica incompatível com a gravidade de um ente como Jesus.
Perguntais qual o motivo por que discípulos de Jesus experimentaram
surpresa ao tornarem a vê-lo, depois de sua morte aparente?
Eu vos respondo que tal surpresa era inteiramente natural,
porque eles estavam persuadidos de que, efetivamente, o seu Mestre tinha morrido.
Respondidas assim as objeções que se me afiguraram de mais
peso, passo a aduzir outras provas em favor de minha tese, e vou colhe-las na
fonte inexaurível do Evangelho.
Lede estas palavras de Jesus:
“-Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulheres,
não se levantou outro maior do que João Batista.” (Mateus, XI v.11)
Uma de duas: ou Jesus não era maior do que João Batista
ou Ele Jesus não era filho de mulher, o que vale dizer, da carne. Ora,
indiscutível que Jesus era Espírito superior ao de João Batista. A conclusão ressalta,
pois, a meu favor.
Não há um só texto evangélico em que Jesus declare que
houvesse tido mãe, nem pai, carnal. Ao contrário, tudo leva a crer que Ele não
considerava Maria como sua mãe.
Nas bodas celebradas em Canaã, faltando vinho, Maria,
dirigindo-se a Jesus, chamou-lhe a atenção sobre essa ocorrência, e Ele lhe
respondeu:
- Mulher, que me vai
a mim e a ti isso?
Espírito
sumamente benévolo e cheio de brandura se Jesus reconhecesse a Maria como sua
mãe, em vez de dizer: - Mulher... certamente teria diria: Mãe.... o que seria
mais consentâneo, mais de acordo com a sai inigualável mansidão e com a
humildade que preconizava e de que deu edificantes exemplos.
Vejamos mais os seguintes textos:
- ... porque eu saí de Deus e vim (João, VIII, v. 42)
- Eu saí do Pai e vim ao mundo: outra vez deixo o mundo e
torno para o Pai. (João, . XVI, v. 28)
Mas Jesus lhes respondeu: - Vós sois cá de baixo e eu sou
lá de cima. Vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo. (João, VIII, v. 23)
Eis aí bem explícito, Jesus confessa claramente que não
pertence ao nosso mundo. E quando afirma que saía de Deus, que saiu do Pai, com
certeza quis significar que veio diretamente ao nosso globo, a mandado de Deus,
sem que para isso precisasse alojar-se num corpo esquálido e imundo, como é o
corpo humano.
Ainda um outro fato vem em favor da incorporeidade de
Jesus: é o seu passeio sobre a superfície do mar sem que Ele submergisse.
Para terminar, eu vos faço a seguinte pergunta:
Por onde vagava Jesus durante o lapso decorrido entre o
dia de sua discussão no Templo com os doutores, quando então contava 12 anos de
idade, e a época em que começou a pregação de sua doutrina, fato que se realizou
nos três últimos anos de sua passagem pelo nosso planeta?
Acaricia-nos a veleidade de supor que estas reflexões,
que acabo de exarar, são dinas de atenção, e que a vossa esclarecida inteligência
lhes fará justiça, dando-lhes o valor eu elas, porventura, tenham.
Aceitai o amplexo fraternal do vosso confrade e amigo
Dr.
Fernando de Alencar
Henrique
Galvão, 19 de Fevereiro de 1907
De novo
a essência de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Junho 1907
Ilmo. Sr. Arthur Baptista:
Acabo de ler a vossa carta, que mereceu as honras de
artigo de fundo da ‘Verdade e Luz’ de 15 de abril a que somente agora me vem às
mãos, juntamente com o nº de 30 do aludido mês, não sabendo a que atribuir
semelhante protraimento (demora), que me impediu de vo-la responder com mais
brevidade.
Encetais a vossa argumentação, arvorando,
com pretensões a axioma, a seguinte proposição:
“O sofrimento físico
deve ser o único caminho para a perfectibilidade, para nós habitantes do
planeta Terra. Aquilo que se faz na carne, só pela carne se redime.”
Infiro daqui, com o império da mais insofística (não capciosa?) e
pura dialética que, consoante este vosso estranho princípio, os sofrimentos que
experimentamos, quando enclausurados nesta asfixiante penitenciaria da carne,
nenhuma influência possuem para o nosso progresso moral, absolutamente não
concorrem para a nossa perfectibilidade.
De sorte que a suprema Bondade e Justiça só levará em
linha de conta, para aquele progresso, o sofrimento físico, único caminho, como vos exprimis, para que
nós - encarnados neste planeta - possamos atingir aquela perfectibilidade.
Será crível que os sofrimentos morais, como sejam as angústias
do remorso, as impressões dolorosas dão, a saudade intensa que tantas almas crucia,
a mágoa pungentíssima que lacera o peito dos pais diante da desgraça dos
filhos, a hipocondria que amortalha o coração daqueles cujas ambições
frustraram-se, e a quem não sorriem, no horizonte do futuro, os astros
cintilantes da esperança, e no Saara da vida os oásis virentes (verdejantes?) de
encantadoras ilusões... será crível que todos esses sofrimentos, que se não podem
chamar materiais, sejam completamente inúteis, não concorram, e muito
poderosamente, para redimir as nossas culpas, para resgatar o nosso passado
ignominioso, inçado de erros e crimes?
Não. Não é só na masmorra da carne, chumbado ao corpo
material, que a vossa alma experimenta provações, às vezes terribilíssimas, e é
o meu ilustre contendor o mesmo que vem, malgrado seu, apoiar a minha opinião,
quando, poucas linhas abaixo, confessa: “No plano astral há sofrimentos morais (já
se vê) de muita intensidade...
Concordais assim comigo que, separado do corpo material,
o espírito é suscetível de intensas dores morais; mas asseverais que não há progresso
para o espírito sofredor errante no espaço.
Em que vos fundais para tal afirmação.
Eu a contesto, apoiado na opinião do fulgurante autor
espírita - Léon Denis - que na sua monumental obra - Depois da morte - no
capítulo “Erraticidade”, diz que “em certo pontos do espaço vê-se grande número
de ouvintes recebendo instruções de espíritos adiantados.”
Ora, é de se presumir que quem recebe instruções, progrida.
Vê, pois, o meu amigo que deve haver progresso na erraticidade
e que não é só na carne que sofre, o que vale dizer que se progride.
A objeção que apresentei com as palavras de Jesus:
“Na verdade vos
digo que, entre os nascidos de mulheres, não se levantou outro maior do que
João Batista”, vós respondeis que Jesus proferiu essas palavras
impulsionado pelo sentimento da humildade.
Mas eu rebato essa hipótese, dizendo que a humildade de
Jesus não descia ao ponto de obumbrar a verdade; e
tanto isso é irrefutável, que Jesus inúmeras vezes se declarou Enviado do Pai, isto é, a
sua humildade não o impediu de fazer essa revelação que importava em excelsa honra,
e isso porque, acima de um pseudo sentimento de humildade ou modéstia, Ele colocava,
muito justificavelmente, a verdade, que em caso nenhum devia ver imolada.
Respondendo
à objeção que ofereci com o fato de se não encontrar nos Evangelhos uma só
palavra de Jesus, da qual se pudesse inferir que Ele tinha a Maria por sua
progenitora, vós dizeis que Jesus não ligava importância à sua filiação.
Não ê verossímil que Jesus, que deu as mais exuberantes provas
de cordura e amor, não tivesse pronunciado uma só vez sequer, dirigindo-se a
Maria, a suavíssima expressão – mãe – se Ele a considerasse na realidade a
autora de seus dias.
Além do texto evangélico por mim citado no precedente
escrito, em o qual vos mostrei que Jesus, dirigindo-se a Maria, dissera: -“Mulher”...
ainda eu vos recordo a as palavras do mesmo Jesus na ocasião em que, do alto da
cruz, prestes a evolar-se deste mundo, exclamou:
- “Mulher, eis aí o teu filho.”
E, depois, volvendo-se para João, disse a este: - Eis aí
tua mãe.
Causaram-me, deveras, certo pasmo estas vossas palavras:
- “Jesus, para mim,
foi um homem como outro qualquer, um reformador como muitos.”
E, explanando o vosso pensamento, citais Confúcio - o célebre
filósofo chinês - e Hilel, o doutor judeu, nascidos ambos antes de J.C..
Relevai que eu estranhe essas palavras escritas pelo
punho de um sectário do Espiritismo –religião ou filosofia - que fez da
doutrina de Jesus a pedra angular em que assenta o majestoso edifício da sua
moral e dos seus ensinamentos.
Comparai esse conceito, que externais em relação a Jesus,
com o que Léon Denis expende em sua obra “Cristianismo
e Espiritismo”:
Veio
Jesus, espírito poderoso, divino missionário, médium inspirado.”
E mais adiante:
“A grande figura de Jesus ultrapassa todas as concepções
do pensamento.”
Notai bem: Notai bem: assim se exprime, com relação ao
Enviado de Deus, um do cérebro mais salientes, um dos filósofos mais profundos,
um dos escritores mais elegantes do moderno Espiritualismo.
Para ele, é Jesus um divino missionário. Atentai bem: divino
missionário. O que equivale a dizer: um propagandista que Deus enviou ao nosso
planeta para, expressamente, neles difundir a mais perfeita e excelsa moral, a
doutrina por excelência que, consoante afirma o próprio Jesus, não é d’Ele Jesus, mas d’Aquele que o enviou,
como se depreende do seguinte texto:
- Respondeu-lhe Jesus e disse: A minha doutrina não é minha, mas d’Aquele que me enviou. (João
VII, 16).
Jesus foi enviado diretamente por Deus: a “sua doutrina ultrapassa todas as concepções
do pensamento;” entretanto, meu ilustre confrade, deixais escapar de vossa
pena estas irreverentes palavras: - “Jesus foi um homem como outro qualquer!”.
Confessai-o: esta é antes a linguagem de um André
Lefrèvre do que a de um verdadeiro espírita.
Para provar que Jesus tinha corpo material, evocais as
palavras de Mateus e Lucas, que dizem:
“E tendo jejuado
quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome”
Não duvido que esses evangelistas tivessem acreditado que
Jesus tivera realmente fome, porque, em verdade, eles, convictos como estavam,
não podiam, de todo, duvidar que o Mestre, depois de tão longa abstinência, não
houvesse experimentado fome - consequência, naturalíssima e fatal - da prolongada
privação de alimentos em qualquer pessoa no estado fisiológico que, como já
escrevi, não pode absolutamente suportar tão extraordinário sacrifício por tão
longo espaço de tempo.
Apelais ainda para as palavras que, geralmente se
pretende, foram proferidas por Jesus e que vem inserta no Evangelho de João: “-Tenho sede.”
Esta versão não é confirmada pelos outros três evangelistas,
o que autoriza a pensar que fosse adulterada aquela expressão.
Além disso, ilustre amigo, é quase impossível depositar
cega e inteira confiança em todos os textos evangélicos, e isso porque há,
entre eles, em alguns pontos, flagrante contradição. Assim é que, na descrição
do suplício de Jesus na cruz, no evangelho de João está escrito: “Jesus, porém, havendo tomado o vinagre” (XIX – 30), ao passo que no evangelho de Marcos se lê: “E davam lhe a beber
vinho misturado com mirra: e não a tomou
(XV-23).
Diante deste fato que podeis averiguar (e eu
insistentemente vos peço que o façais) , que haveis de concluir senão que nem
sempre é possível aceitarem-se como autênticos alguns textos evangélicos?
Incontestavelmente,
um desses dois evangelhos nesse ponto não está com a verdade. Que concluir
daqui? Que um dos dois mentiu? De modo algum.
Houve apenas, como creio, adulteração nos primitivos
textos, e isso é tanto mais crível quanto é certo que o de Mateus, o primitivo,
segundo Léon Denis, perdeu-se. O evangelho de João, segundo o autor citado, só
apareceu do ano 98 a 110.
Não
achais plausível acreditar que tivesse havido qualquer modificação nos evangelhos,
por ocasião das diversas traduções que deles se tem feito e em diferentes
épocas?
Continuemos:
Não
devemos interpretar ao pé da letra certas palavras de Jesus, e assim penso
estribado na opinião de S. Paulo, que diz: a
letra mata e o espírito vivifica, palavras que encontrareis na 2 ª Epístola
aos Coríntios, cap. III vers. 6
Examinemos alguns conceitos de Jesus, expressos em
verdadeiras figuras, consoante seu estilo metafórico.
Jesus disse por exemplo:
- Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; e
ele entrará e sairá e achará pastagens. (João, X,9).
- Eu sou a videira verdadeira e meu pai é o agricultor
(João XV,1).
Dizei-me: é possível interpretar estas palavras em sua
significação literal? Vejamos mais; leiamos este vosso tópico:
“-
Eu o admiro, eu pasmo diante de sua pessoa, mas do Jesus filho do homem... e não
do Jesus fantástico, incorpóreo, insensível, etc.”
- De sorte que ser incorpóreo é ser insensível ?!.. Mas
nesse caso deveis concluir que todos os espíritos, maus, medíocres, bons e
superiores, são insensíveis, o que é incontestavelmente paradoxal.
Interpretais o deslize de Jesus sobre as ondas como sendo
um efeito da levitação.
Não vejo em que este fenômeno seja, aos olhos de um
espírita, mais natural do que a materialização do espírito já hoje fora de
qualquer controvérsia entre nós outros sectários do moderno Espiritualismo.
Agora, permiti um ligeiro reparo:
Tenho notado, meu amável confrade e amigo, que demasiado
vos deixais impressionar pelos sofrimentos da matéria, relegando para um plano
somenos as dores morais, como se estas não pudessem abalar tão profundamente o
nosso espírito, ao ponto de nos roubaram a mais ligeira parcela de
tranquilidade, atirando-nos muitas vezes ao precipício hiante do desespero, da
alucinação, da loucura!...
É o caso de vos perguntar:
- Qual das duas insônias preferis: a insônia produzida
por uma nevralgia ou a motivada por um remorso voraz?
Que escolheis? A retenção, por moléstia, em vossa casa, bafejado
pelas carícias e solicitude de vossa família, ou a detenção em lôbrego cárcere,
fruindo a mais invejável e robusta saúde?
O cerceamento da liberdade é um castigo moral, não só
experimentado pelos encarnados, mas ainda pelos espíritos sofredores no espaço,
aos quais é vedado o acesso às regiões em que volitam os espíritos superiores,
numa atmosfera de delícias e felicidade.
Não, meu confrade, não somente são os sofrimentos físicos
que concorrem para o nosso progresso; os morais, muitas vezes mais do que
aqueles, nos impulsionam à perfectibilidade, mormente se os aceitarmos com
resignação e paciência.
As lágrimas que Jesus, segundo a lenda, derramou no horto
de Getsêmani, antes do seu pretendido suplício material, foram a expressão de
um padecimento muito mais vivo e intenso do que as dores físicas traduzidas
pelas gotas de sangue que rolaram de suas aparentes chagas.
Ainda uma pergunta, ao terminar este escrito que já vai
longo:
Podeis acreditar que se desse a ressurreição de Jesus, isto
é, de um homem como outro qualquer,
consoante vossa expressão... podeis acreditar, repito, que essa ressurreição se
tivesse efetuado “com a própria carne
grosseira” que, como diz o Reformador de 13 de Abril de 1903, ao fim de
três dias estaria forçosamente m franca decomposição?
Não seria isso uma violação das Leis naturais?
Mas semelhante violação importaria no tal milagre que nós
espíritas repelimos.
Vosso confrade e amigo
Dr.
Fernando de Alencar
Estação do Carmo da Matta,
31 de maio de 1907
Essência
de Jesus – Os Agêneres
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Julho 1907
Ilmo. Sr. Arthur Baptista:
Em aditamento ao meu último artigo, escrevo as presentes linhas,
para apresentar cabal refutação ao vosso argumento estribado sobre a teoria dos
agêneres, argumento que considerais estar de pé pelo fato, até certo ponto
plausível, de me não haver eu pronunciado sobre ele, e isso porque –
ingenuamente o confesso – julguei necessário estudar a questão com critério, de
maneira a vos te poder, sem laivos de sofisma, com toda segurança, como ides
ver.
Na ‘Verdade e Luz’
de 31 de janeiro do ano fluente, insertou em a “Carta aberta” que me endereçastes,
se leem os seguintes períodos:
“Se Jesus não teve corpo carnal ... não foi mais que um agênere.
“Ora, de tudo que se conhece sobre as leis fluídicas, atualmente,
nenhum exemplo,
Nenhum fato vem em abono
dessa asserção.
Essas leis ensinam que tais materializações se fazem e se
desfazem repentinamente, sem longa
duração, apresentando tipos diferentes do natural, de um timbre de voz
diverso, e insensíveis à dor, à fadiga e a toda espécie de sentimento físico –
Gênese – Allan Kardec.
Depois desta citação, acrescentais:
“A permanência de Jesus sobre a Terra foi muito longa,
etc.”
Agora lede a minha impugnação, inspirada no artigo “Les Agéneres” inserto em o número de
fevereiro de 1859 da Revue Spirite, “Journal d’Études Psychologiques, publié sous
la direction de – Allan Kardec.”
Aí se lê:
...”tandis que l’agénere proprement dit ne revèle pas sa
nature, et n’est à nos yeux qu’um homme ordinaire; son apparition corporelle peut
au besoin être d'assez longue durée, pour pouvoir établir des relations
sociales avec un ou plusieurs individus.”
Eis aí: a aparição corpórea do agênere pode, quando o é preciso,
ser de mui longa duração, de maneira a poder estabelecer relações
sociais com um ou alguns indivíduos.
Ora, sendo isso uma verdade, como eu firmemente creio, (e
não podeis também deixar ele o admitir, atenta à fonte insuspeita que apresento)
que dificuldade tendes em conceber a ageneridade - se me posso exprimir assim -
de Jesus?
Ainda no mesmo artigo da citada Revue Spirite, vemos que,
invocado, o espírito de S. Luís, entre outros
conceitos, afirmou o seguinte:
- Mais je vous
dirai une chose, c’est qu’il existe quelquefois sur Ia terre des esprits qui ont
revêtu cette apparence (corporelle) et que l’on prend pour des hommes... Ce sont
des faits rares. Vous en avez des exemples dans la Bible.”
Do estudo que fiz sobre os agêneres, vim a saber que a
Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas, designou sob essa denominação os
seres espirituais que se podem revestir a forma humana; a esses entes deu o nome
de agêneres, para indicar que sua origem não é o resultado de uma geração.
Jesus, consoante meu modo de pensar, é um agênere que
revestiu uma
aparência corporal, e que
foi tomado como homem: essa aparência, que pode ser de longa duração, contrariamente ao que afirmastes,
como já mostrei, não vai de encontro às propriedades do agênere, cuja aparição corpórea,
segundo a aludida Revue Spirite, pode
ser d’assez longue durée, de modo a
estabelecer des relations sociales avec
un ou plusieurs individus.
Já vedes, pois, que a teoria dos agêneres, bem longe de
vir em vosso auxílio, fala, no contrário, bem alto, em prol de minha opinião...
Terminando, cordialmente eu vos agradeço haverdes me
proporcionado ensejo para um estudo que
ainda mais inabalável e seguro veio ternar o meu juízo sobre a personalidade de
Jesus, que considero, na sua passagem mesmo sobre a terra, como um ser
excepcionalmente imaterial, fluídico, puramente espiritual, tendo a faculdade de
apresentar, quando o julgava necessário,
formas tangíveis que desapareciam subitamente, como vaporosa e diáfana exalação,
ou ainda como louro raio de luz se recolhendo, célere, no infinito seio de
Deus, depois de irisar os corações de seus ouvintes com os raios coruscantes da
fé, e de envolver as almas gélidas dos infelizes com a flama suavemente tépida
da esperança e alma!
Dr. Fernando de Alencar
Carmo da Matta, 3 de Junho de 1907
Fernando de Alencar
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