segunda-feira, 11 de maio de 2020

Atitudes de espírita



Atitudes do Espírita – Parte 1
por Giovanni Leoni
Reformador (FEB) Setembro 1918

            Seja qual for o ramo de atividade a que o homem dedique o seu esforço, intelectual e material, vê-se, ao ser bafejado pela crença espirita, ao penetrar o sentido íntimo da Revelação das Revelações, levado a fazer uma reforma radical na sua existência, e sente-se então, mergulhado num emaranhado de cogitações, numa enorme confusão de dúvidas sobre atitudes a assumir, num intrincado labirinto de hesitações, tudo nascido do conflito inevitável entre o hábito arraigado no homem velho, imbuído de preconceitos falsos e falíveis, noções da vida, e o homem novo que desperta cheio de boa vontade para uma nova vida, baseada em normas de conduta mais afins com as novas concepções que o felicitam.

            Quanta luta no íntimo e eloquente silêncio da consciência! Quanta perplexidade e   perturbações no espírito ao deparar-se lhe a necessidade de resolver problemas dos quais a sua mente cogitara jamais!

            Ora é o comerciante a indagar da legitimidade de seus negócios, confuso no esforço de perceber o limite lícito de seus lucros, cerceado pela concorrência feroz, leal ou desleal, consciente ou inconsciente, daqueles que exploram o mesmo artigo em que ele mercadeja.
           
            Ora é o industrial a perguntar a si mesmo o que de injusto não irá na remuneração do esforço de seus operários, ao mesmo tempo que se vê premido pelos colegas a auferir o maior lucro possível de tudo e de todos, para poder manter a sua usina e faze-la prosperar, para poder manter-se no nível da concorrência.

            Ora é o sacerdote assalariado de uma determinada seita que tenha atingido uma certa idade e que se julga incompatibilizado com o ritual de seu credo, hesitando entre o revestir-se de hipocrisia e o atirar-se às aventuras de uma luta pela vida, para a qual ele não teve nenhum preparo, vendo-se na iminência de recomeçar a vida, quando começam justamente a abandona-lo todas as suas energias físicas.  

            Ora é o advogado, o militar, o jurado, o político, o magistrado, enfim todos os que mourejam no grande cenário do mundo, qualquer que seja a posição que nele ocupam, todos, absolutamente todos, passam por essas angústias que são causadas pela ânsia do cumprimento do dever, ao serem iluminados por essas verdades superiores que o Espiritismo veio trazer à humanidade.

            Que de teses a sustentar, que de opiniões desencontradas, se oferecem ao espírita estudioso e desejoso de firmar princípios, para elucidar a esses neo-convertidos que a ele acorrem, ansiosos por saber, compreender e poder agir, acertadamente em tais emergências.  

            E quantas e quantas vezes o espírita sincero não se vê convidado a legislar sobre um desses casos isolados, sentindo uma falta absoluta de autoridade moral para aconselhar um rigorismo, porventura absurdo e muitas vezes incompatível com o próprio princípio doutrinário que se procura defender.

            O espírito acovarda-se ao abordar um assunto tão vasto e a multiplicidade de aspectos ao infinito quase esmaga as mentes pouco desenvolvidas como a que ousa servir-se de pena que estes escritos traçou, ameaçando paralisá-la em seu curso sinuoso e falho.

            Mas, se em nem todos é dado possuir a impecabilidade da forma com o privilégio de acertar, a todos pelo menos é dado a faculdade de raciocinar, embora erradamente, mas no justificável intuito de acertar.

            Sem a preocupação estulta de firmar princípios inabaláveis, procuremos pois raciocinar oferecendo matéria de estudo aos nossos confrades que outro mérito mesmo não procuramos ter ao escrever estas linhas.

            Procuremos abstrair-nos primeiramente das diferenças de casos em relação às posições ocupadas, evitando as dificuldades que ocasionaria o descer a verdadeiras minúcias quase insignificantes ante um tão grande problema, mesmo porque, essas diferenças são mais aparentes do que reais, pois não há, em nosso entender, diferença evidente, real e concreta entre o roubo garantido pelas leis, como o é de fato o comércio atual em si, e o roubo condenado pelas mesmas leis, que se diferencia do outro somente nos processos, sendo até, quem sabe, mais desculpável por não se mascarar e requerer uma coragem que esse outro não exige de seus covardes executores.

            Não há para nós diferença visível entre o indivíduo que mercadeja com um artigo comprado tirando deste um lucro maior do que o necessário ao seu sustento.

            Não condenemos, porém, o indivíduo em si, qualquer que seja a posição, nem lhe aconselhemos uma severidade que poderia induzir em erro.

            O indivíduo nada mais faz do que seguir uma rotina, obrigado a cingir-se a princípios falsos, ou antes, incompatíveis com o grau de aperfeiçoamento que o espírita deve procurar atingir.

            Esses princípios sim é que se faz mister combater ou reformar por todos os meios ao seu alcance, mas paulatinamente, sem errados entusiasmos, nem absurdas intransigências no querer fazer tudo de novo, de fonde en comble, (de baixo para cima) de uma hora para outra, o que aliás pode ser indiferentemente aplicado aos princípios e aos indivíduos. 

            A Natureza não dá saltos. Anos, séculos, milênios leva ela a aperfeiçoar as formas, a marcar os seus tipos, a delinear os continentes numa constante ascensão para o Belo, para o definitivo Ideal.

            Por que há de o homem, seu dileto filho, ir de encontro às suas leis, numa quase que pretensiosa loucura de tudo destruir imediatamente, sem perda de tempo, para construir de novo? Que louca pretensão! Seria uma verdadeira anarquia mental e moral, um tal proceder, e não achamos que deva ser esta a atitude de quem se converte ao Espiritismo.

            Requereria forças de um verdadeiro missionário herói uma tal conduta e o espírito humano em sua média total não as possui ainda.

            A contrabalançar este excesso de esforços que esgotam as energias do espírito em pouco tempo, num trabalho improdutivo, há os que continuam comodamente e aí então bem conscientemente a desfrutar dos resultados advindos por processos que não condizem com a Doutrina.

            Que fazer pois em tal conjectura? Que dizer, ao sacerdote coberto de cãs e alquebrado, que nos vem perguntar qual o caminho acertado para não se incompatibilizar com a nova crença que aceitou?

            Que dizer ao advogado, ao juiz, ao político, ao comerciante, ao industrial, a um governante até, que vierem saber de nós a norma de conduta a assumir ante a doutrina da boa nova?

            E a consciência de cada um? E o gênero de provas destinadas a cada indivíduo e a sua missão, só passiveis em determinadas circunstâncias de lugar e de posição que só a Deus é dado conhecer e saber?

            O grau de progresso, as forças de que um espírito dispõe, são todos e outros tantos motivos que nos inibem, a nós pessoalmente, de aconselhar uma diretriz prática e infalível nessas minúcias (para nós, bem entendido) que são as contingências da vida humana, num quase pavor de errar, dando água a quem tem fome e pão a quem tem sede, por não poder apreciar em seu foro íntimo as verdadeiras necessidades do espírito.

            Ficamos há tempos perplexos ante um caso que se nos deparou desafiando todas as nossas convicções.

            Determinada pessoa procurou-nos para resolver um caso delicadíssimo de consciência, disse-nos ela viver maritalmente com outra pessoa casada e abandonada pelo seu cônjuge. Há filhos das duas uniões vivendo em comum. Essa pessoa converte se ao Espiritismo e sentindo ser aquela situação ilícita vem indagar de nós e deve e pode destruí-la, como é seu desejo, desejo despertado pelos ensinamentos espíritas (?).

            Este nosso irmão falava e nós mal ouvíamos concentrados que estávamos numa súplica ardente para que do Alto baixasse ao seu estropiado instrumento daquela hora uma inspiração que nos fizesse dizer algo de acertado àquele espírito angustiado pela dúvida.
             
Atitudes do Espírita – Parte 2
por Giovanni Leoni
Reformador (FEB) Setembro 1918

            E dissemos-lhe: “Amigo, só há um princípio infalível, apto a ditar as normas de conduta na vida de relação, conforme a consciência de cada um. É o do Amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a nós mesmos. É por em ação o princípio grandioso da Lei da Fraternidade; não conhecemos outro superior a este. Procure agir sempre de maneira a não infringi-lo, evitando a todo custo molestar o seu semelhante seja como for e seja quem for. É possível que isto lhe pareça vago porém nada mais temos para lhe oferecer. Cinja-se ao que por inspiração lhe dissemos e creia que acertará quando mais não seja em intenção. 

            Não sabemos com efeito de outro princípio que se iguale, já não queremos que o supere, a este mandamento em que Jesus resumiu toda a lei e os profetas.

            Sair deste critério indubitavelmente infalível para descer a detalhes de modos de vida parece-nos que ultrapassa o limite de nossas faculdades.  

            Cabe-nos traçar de pronto as linhas gerais de um modelo a atingir, os contornos, porém, requerem tempo e paciência, e sobretudo muito critério, para não prejudicar o esboço necessário à perfeição que se deseja.

            O espírito, em nosso franco entender, não pode e não deve ser um ente segregado da sociedade em que vive e cujo meio a Divina Providência lhe destina como oportunidade de evolução, e campo de atividade para progredir, sob pena de constituir-se em uma coletividade exótica, oferecendo um espetáculo estranho que assustaria os profanos em vez de aproximá-los à uma comunhão que devemos procurar realizar de fato e não em palavras.

            O espírita não é um ser a parte na criação, ele não pode separar-se do mundo em que vive senão sujeitando-se ao grave perigo de julgar-se superior aos outros.

            Ele não pode e não deve fugir ao mal de seus semelhantes que é o seu próprio mal.

            Reforma sim, porque é necessário, mas íntima, com a preocupação dos atos exteriores, que a não refletirem o que no íntimo houver de nada valem e só podem ser condenáveis por hipócritas.  

            Feita esta reforma que deve ser a dos sentimentos, o resto virá por acréscimo e gradativamente, sem grandes saltos que necessitariam de muita agilidade e firmeza muscular para não correr o risco de uma desastrosa queda. Esta figura material representa bem uma capacidade moral que não é outorgada a ninguém pelo simples fato de converter-se no Espiritismo, a não ser que o espírito a traga como patrimônio de passadas existências e, neste caso, é um verdadeiro missionário -um Paulo de Tarso - por exemplo.

            A não ser assim, isto é, a não ser que o espírito traga uma envergadura moral capaz de romper de pronto com o meio, a sociedade e o ambiente em que vive, divorciando-se por completo de tudo o que o rodeia, e só o pode fazer quando para isso vem talhado, e  neste caso fortemente auxiliado pelos seus superiores e prepostos do espaço, a não ser assim, dizíamos, contentar-se aquele a quem Deus permitiu conhecesse estas coisas em limitar-se a uma ação persistente e firme sim, mas suave e sem fortes transições repentinas, quantas vezes mais prejudiciais do que benéficas.

            Esta ação da vontade bem dirigida há de forçosamente refletir-se em seus atos primeiro, e depois no meio em que vive, na humanidade, da qual ele é parte integrante.

            Agir sim, mas observando o próprio critério doutrinário e evangélico baseado nestes trechos que escolhemos ao acaso.

            - “Pergunta 744 do Livro dos Espíritos feita por Allan Kardec aos espíritos reveladores.

            - Qual foi o fim da Providência tornando a guerra necessária?

            - Resposta. A Liberdade e o Progresso.

            Pergunta 749. O homem é responsável pelas mortes que faz durante a guerra?

            - Resposta. Não, quando a isso é constrangido pela força; mas responderá pelas crueldades que cometa, assim como lhe serão levados em conta os seus sentimentos humanitários.

            - Evangelhos. “Sede mansos como a pomba mas astutos como as serpentes”.

            Há tanta coisa a fazer em qualquer lugar que se encontre a criatura humana, que francamente não vemos a necessidade de obriga-la a sair deste lugar para se colocar noutro, onde encontrará talvez as mesmas senão maiores vicissitudes, o quiçá, menos probabilidade de poder ver doutrinariamente por ver restringido seu campo de ação.  

            Que seria da democracia e da escravatura no Brasil se os grandes vultos que nestas campanhas se bateram, vencendo, tivessem abandonado o parlamento sob pretexto de estarem incompatibilizados com o regime então vigente, deixando de contribuir com o seu o seu esforço para que as suas ideias vencessem num meio tão hostil ao ideal que os guiava?

            E como estes problemas há tantos outros a resolver, requerendo a cooperação de espíritos esclarecidos e ninguém melhor do que os que esposam a nossa doutrina poderia levar o seu concurso à formação de leis tendentes a diminuir os males que nos assolam: o   analfabetismo por exemplo, o abandono em que vivem as classes chamadas desfavorecidas, e outros muitos outros problemas à cuja solução o espírita não pode permanecer indiferente, pretextando receio de ser levado de roldão na voragem de ambições que percorre todas as classes sociais.

            O espírito que não tenha conseguido sofrear o orgulho e o egoísmo dentro de si mesmo, este não necessita por certo de ocupar este ou aquele posto para estar sujeito a falir.  

            Mas aquele que procura realizar as verdades evangélicas em seu coração, qualquer que seja o seu lugar, ele pode e deve aí mesmo, sem daí arredar-se brusca e intempestivamente, ser um arauto e um exemplificador dessas mesmas verdades, e seja qual for o local que a Providência lhe destina a ocupar, ele pode e deve ser aí um reformador de costumes, agindo calma e serenamente dentro da moral evangélica.

            Que o diga o Padre Germano...

            Não nos parece ser argumento irrefutável o ter sucumbido este ou aquele no meio da luta, antes parece-nos ser um incentivo e um apelo aos que preferem o comodismo de fugir à essa mesma luta sob a alegação que nada justifica de poder sucumbir, não só como herói, mas como um covarde vencido.

            O espírita não pode ser um simples pregador de doutrina e um arrebanhador de prosélitos, platonicamente firmado em sua doutrina.

            Agora, mais do que nunca, nesta febre de renovações que faz estremecer todas as instituições em seus mais sólidos alicerces, o espírita deve estar a postos; o seu lugar é na vanguarda dos batalhadores pela defesa de princípios novos que reflitam um pouco desta Fraternidade, tão decantada das tribunas e das letras e tão maltratada pela prática que a tem negado.

            Ao termos notícia do apelo de Wilson (Woodrow Wilson 1826-1924 ex Presidente dos USA) às democracias no sentido de socorrer a pobre Rússia que ameaça afundar-se num mar de anarquia (sempre o erro de querer reformar à força e sem perda de tempo!); ao sabermos da formação do Triângulo Vermelho por iniciativa da Associações Cristãs de Moços, prestando relevantíssimos serviços morais e materiais aos pobres seres arrastados aos campos de batalha; ao ouvirmos falar em formação de uma Liga de Nações, ao presenciarmos movimento em prol da igualdade da mulher ao homem em seus direitos sociais; ao termos conhecimento de tantos outros que remodelarão o mundo, fazendo-o melhor; ao vermos tantos outros gestos de solidariedade desafiando a atividade dos crentes, sentimo-nos tristes, profundamente tristes, por não vermos um nome que nos fizesse saber, achar-se a atividade de algum espírita, ligado a estas grandes campanhas, convencidos como estamos que, do espaço, as hostes de Jesus nelas estão empenhadas.

            O Espiritismo não veio para fazer espiritistas, veio para fazer cristãos, explicando o cristianismo em Espírito e Verdade, dever que foi postergado pela grande maioria dos outros credos.  

            E, francamente, parece-nos muito mais cristão um Wilson a guiar as potências aliadas, baseado nos princípios da verdadeira Fraternidade, do que um espírita que se acomode a um indiferentismo quase criminoso, abstendo-se de levar seu esclarecido concurso prático no melhoramento do mundo.

            Não vamos ao ponto de concordar in totum com os nossos preclaros confrades do Paraná que pretendem organizar partidos políticos espíritas, porque a questão do rótulo para nós é muito secundária e, se algum partido devêssemos formar para lidar na política ou em qualquer outro ramo de atividade, seria Partido Fraternista, sem distinção de credo, de raças, de sexo, ou de posição, o que positivamente não seria servir a Deus e a Mamon mas, seria sim, servir a Deus servindo à Humanidade.

            Mas daí a cercear a ação do espírita limitando lhe campos de ação cremos haver grande distância.  

            Esta ação individual ele tem o dever iniludível de praticá-la, em qualquer terreno, traduzindo, em atos, o que da Doutrina Reveladora ele tiver assimilado, fazendo-o patrimônio inalienável de seu espírito.

            Não é só da tribuna nem pelos nossos órgãos de propaganda que podemos e devemos trabalhar na Grande Seara da Regeneração do Mundo, secundando no plano físico a ação do mundo espiritual, que é o dos prepostos do Divino Mestre.

            Na família, na sociedade, no negócio, na repartição, no parlamento, em toda e por toda a parte a Grande Seara clama pelo nosso esforço, pelo nosso trabalho, pela nossa pedrinha na construção desse imenso edifício que abrigará toda a humanidade um dia - A Fraternidade Universal.

            Não regateemos esse concurso que é exigido de nós em troca da maior felicidade que podíamos obter no mundo - a crença no Espiritismo - e Jesus nos iluminará a todos no cumprimento desse Dever.


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