sexta-feira, 29 de maio de 2020

Aonde vamos


Aonde Vamos
Redação 
Reformador (FEB) 1º de Agosto de 1918

            "Nons pensons avec Bacon que si "un peau de raison, une‘etude superficielle de la physique conduit á l’atheisme (levis degustatio), des connaissences plus approfondies (pleni haustos) ramènent aux idées et aux sentiments religieux.”      (Psychologie de Ia croyance -Camille Bos, pag. 157)

            Os que não se forram ao superior tributo da Razão e para além dos âmbitos estreitos do materialismo, na entrosagem da existência coletiva colimam algo de mais nobre que a simples satisfação do ego contingente e confinado a formas perecíveis, esses, perguntam licitamente para onde vamos.
            Vivemos de fato? Pensamos e atuamos?
            De boa-fé, parece que ninguém o contestará.
            Mas porque viver, pensar e atuar? Se existimos, quem nos criou?
            A fatalidade de um mecanismo indefinido e cego?
            Energia universal?
            Que é isso, que será isso substancialmente considerado?
            Acaso, dizermos que o fenômeno vital se rege por leis que tais presumidas será definir intrinsicamente a vida?        
            Mas, a consciência também no lo diz: - a lei pressupõe legislador e a lei apreendida pela inteligente, se nulo não é o postulado de que o efeito é idêntico à causa.
            Com os ateístas impenitentes e sistemáticos, sempre que abordamos a questão “ab initio”(desde o início), pretendem eles infirmar-nos a crença alegando não haver provas provadas da existência de Deus.
            Quereriam, assim, que lhes definíssemos a Suprema Inteligência do Universo de um modo concreto, mas esquecem-se de que, da sua própria inteligência que não é suprema e muito menos universal não poderiam, na sua inopia (indigência) relativa, dar jamais uma prova absoluta e definida.
            Estas considerações vêm de molde e a propósito de afirmativas ainda há pouco feitas “ex-cathedra” (com conhecimento) por um de nossos publicistas, que não negava nem afirmava Deus, simplesmente porque não haveria corno demonstra-lo.
            Entretanto, para logo reconhecia e proclamava a perpetuidade da vida e a lei de evolução.
            Constatava o sofrimento e relegava ao futuro a solução do problema, que, a despeito de tudo, remanesce da mentalidade e do esforço de muitos séculos e gerações.
            Nós poderíamos, por conseguinte, argumentar com o ilustre articulista que o nosso Deus reside na sua própria Hipótese de Passado e Futuro, que só por analogia se infere e não se define, nesse QUID que escapa e recua, em regra, a “mens cogitatio” (coisa que pensa?) por mais perspícua (nítida) que ela seja, mas que também o faz amplificando-se e definindo-se nas suas leis.
            O erro, o grande erro dos filósofos negativistas está no quererem julgar Deus através do prisma antropomorfo, locando na Terra a fonte imane das origens e o centro das possibilidades universais. 
            Certo, desse ponto de vista precário eles não deixam de ter razão, porque o conhecido histórico dessa falida caravana - a Humanidade planetária considerada à luz da Nova Revelação – é um acervo de vicissitudes tremendas, de incongruências monstruosas, desde que, por considera-la nos insulamos no já agora exótico conceito de uma existência singular, sem antecedentes e consequentes, o que tanto vale dizer - sem causa nem fins.
            E daí as aberrações assinaladas, aliás inteligentemente pelo escritor a que nos vimos reportando, nos deuses mais ou menos teratológicos, guerreiros, vingativos, incríveis em suma, porém mais ou menos amoldados e apassivados a todos os crimes e tiranias, e de que é atenuada variante e bênção oficial de católicos e protestantes a cada qual de seus exércitos, que se defrontam e aniquilam na mais iníqua das guerras.
            Esta concepção clássica da Divindade tende, contudo, a modificar-se mercê das novas fontes da psicologia experimental, que a tese espírita veio precipitar, ao menos para os investigadores despreconcebidos de fanatismos e má vontade.
            Nem se estranhe que assim nos expressemos tratando de homens de ciência, porque há também um fanatismo científico tão rotineiro, tão temeroso e contumaz quanto o religioso, o político.
            Aquele, porém, broqueado (ulcerado) de continuo na sua arquitrave (vigas horizontais) e mercê dos ascendentes espirituais que propulsam as ideias novas a seu tempo, vai rareando e mais de um Saulo a caminho da nova Damasco surge armado em Paulo para afirmar a estupenda realidade da sobrevivência do ser, íntegro e autônomo, eterno e progressivo, um estado “ab material” (não material) da consciência humana.
            São perspectivas novas, arcanos até aqui mal suspeitados em nebulosidades metafísicas, que se afirmam e se tocam como para solidarizar aa leis universais. E encarada sob este novo aspecto a Humanidade nada tem de inconsequente e anômala em sua origem e fins.
            Deus não é mais a síntese de privilégios e absurdos, mas o Pai de todas as humanidades, a todas provendo e a tudo prevendo integral e logicamente.
            O homem encontra a razão de si mesmo e já não é o Prometeu de um Cáucaso indefinível, um acidente inexpressivo no conjunto do problema, mas um fator consciente na equação do Infinito que se lhe impõe na evidência de quanto o cerca. Afinal, quando afirmamos que as religiões dogmáticas são os melhores veículos do ceticismo contemporâneo não emitimos nenhum paradoxo, porque a verdade, - justiça se lhe faça - é que o materialismo contemporâneo brotou de espíritos de escol nos últimos tempos, os quais com a lógica das demonstrações positivas, esmerilhando o micro e o macrocosmo derrubaram a dogmática ancestral de mitos e lendas.
            Era, portanto, preciso que a Fé - patrimônio inalienável do espírito - evolvesse com os novos métodos, acessíveis à experimentação.
            Por isso, os espíritos manifestam, dão testemunho da sua sobrevivência e afirmam unânimes a existência de um Deus, que não definem, mas que sentem melhor e mais compreendem na imperecibilidade da própria condição.
            Vamos admitir que assim não fosse, que tudo não passasse de um abstruso fenômeno anímico?
            Que de melhor e mais positivo no apresentam os sábios da Terra com as suas engenhosas estruturas de hipóteses e sistemas, para explicar a vida que não podem negar?
            Com eles, com as suas teorias sibilinas, a que se reduz a entidade pensante neste mundo? ,
            Naturalmente, ao que aí vemos - egoísmo e força bruta mascarados em direito, moral de convenção, terror de fracos, abuso de fortes, escravidão, covardia, miséria, desespero e... ruínas.
            Há templos, altares, museus, academias, laboratórios, parlamentos, mas não há Fé, nem Esperança, nem Altruísmo, porque não há consciência do Destino.
            E assim, cada qual faz o seu deus, acomoda-o às contingências da sorte, se é que o não nega para afirmar-se!
            O Deus? - é ele.
            A Verdade? - é a sua inconsciência.
            E depois... depois... depois... a morte, o nada!
            E assim se compreende o apotegma (palavra memorável) de Claude Bernard a Victor Cousin, quando este lhe perguntava se de alguma coisa não conhecia tudo:
            “Se de alguma coisa eu conhecesse tudo, eu tudo saberia.”
            Mas demos graças a Deus, ainda assim, porque se Ele na sua Infinita misericórdia se não impõe a todos, pela grandiosidade das suas leis, a nós outros já se afirma nas leis da nossa consciência.
            Nem malsinemos, tão pouco, esse impenitente antagonismo de ideias, já por que das suas fileiras egressos aqui chegamos, já porque ele pode ser considerado como essas tonalidades escuras que melhor destacam as belezas da tela em conjunto, consagrando o artista que a concebeu e executou.

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