quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Kardec e o Evangelho


Kardec e o Evangelho
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Outubro 1952

            Allan Kardec foi, em todo o sentido, um homem bem equilibrado. Sua razão e seu coração funcionavam em perfeita harmonia. Por isso, a obra que empreendeu apoia-se em fundamentos sólidos, satisfazendo às justas aspirações do espírito. Se Kardec deixasse de atender à inteligência, atendo-se exclusivamente ao sentimento, sua obra seria incompleta. De outra sorte, se a vaidade tivesse ofuscado o entendimento, fazendo que se preocupasse tão somente com a parte intelectiva, teria edificado sobre areia; e, nesse caso, a obra não resistiria aos embates das paixões.

            Ao seu notável bom senso, não podia passar despercebida a excelência dos valores morais na evolução do Espírito. O progresso unilateral, isto é, aquele que se verifica exclusivamente pela faceta intelectual, é incompleto e falho. Não assegura a felicidade a que, naturalmente, o Espírito aspira no seu incontido anseio do bem e do belo, do justo e do verdadeiro. Assim como os pássaros se elevam às alturas, graças ao manejo de duas asas, assim também, a evolução espiritual só pode consumar-se mediante o mútuo desenvolvimento da razão e do coração, ou seja, da inteligência e do sentimento. Esta verdade não escapou ao egrégio compilador da doutrina dos Espíritos. Daí o motivo por que tratou com tanto carinho e desvelo da parte moral ou religiosa da 3ª Revelação.  

            “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de sua autoria, diz bastante da importância que lhe mereceu esse magno assunto. A aceitação desse livro, cujas edições foram além das melhores expectativas, demonstra, à saciedade, como a Humanidade carece desses princípios doutrinários que falam ao coração, mitigando suas dores, trazendo-lhe o conforto nos dias de abatimento, o consolo e a esperança nas horas de aflição e desespero.

           
Sem receio de contestação, podemos afirmar ser este aspecto da Doutrina Espírita o mais consentâneo com as grandes necessidades humanas. O mundo que habitamos é de provas e expiação. As almas que abordam às plagas terrenos são, salvo raríssimas exceções, sofredoras, carecidas, portanto, de afeto e piedade para que possam sair daqui melhores de quando para aqui vieram. Ora, é precisamente no Espiritismo, em sua modalidade religiosa, que os padecentes vão encontrar refúgio e consolação. Só o Espiritismo explica às almas em carreira expiatória o motivo por que sofrem, abrindo-lhes, ao mesmo tempo, sem imposturas nem sofismas, as portas da redenção. Só o Espiritismo, em, sua acepção filosófico-religiosa, levanta o ânimo dos desalentados e dos vencidos, acendendo em seus corações a estrela da esperança, mostrando-lhes, ao mesmo tempo, que está em suas mãos lutar e vencer, conquistando a mesma posição que fruem os bons e os justos, os fortes e os varonis. A ideia de uma justiça indefectível, distribuindo a cada um segundo os seus méritos« - justiça entrosada nas assertivas de uma misericórdia que mantém sempre acessível o caminho da reabilitação, pondo ao alcance de todos os culpados os meios e as  possibilidades de ressarcirem um passado delituoso, conquistando um porvir de paz e de felicidade – constitui, por certo, o mais belo e excelente prisma da sublime doutrina do Consolador, revelada pelos Espíritos e coordenada pelo inconfundível missionário – Allan Kardec.

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            Jesus foi mestre e teve discípulos. Aliás, foi o único título que avocou a si, desprezando todos os demais que os homens pretenderam conceder-lhe. “Eu sou o vosso mestre. A ninguém mais, pois, chameis mestre, senão a mim.”

                                                                                                                                                   

              Como sabemos, Kardec, além de outras atividades que exerceu, foi também
preceptor, tendo mesmo substituído, em sua cátedra, ao renomado pedagogista suíço Pestalozzi.

            O educador digno de tal nome, que exerce o magistério mais por vocação do que como profissão, é o homem afeito ao raciocínio, às pesquisas e às meditações. É ainda observador e analista, por necessidade e por hábito. De tudo que cai sob o domínio dos seus sentidos, tira conclusões e ilações. Observar. Induzir e deduzir para concluir, tais são os métodos pedagógicos.

            O verdadeiro preceptor conduz os seus educandos de modo que estes, aplicando os poderes psíquicos próprios, possam, por si mesmos, descobrir a verdade. Desenvolver as faculdades anímicas que, em latência, jazem ocultas nas profundezas da alma humana, em tal consiste a obra da educação.

            Educar significa tirar de dentro para fora; e não introduzir de fora para dentro, como faz a falsa pedagogia, baseada no princípio de autoridade, muito do gosto dos credos exclusivistas e totalitários.

            Os efeitos desses dois métodos são opostos: um cria personalidades, faz homens livres e independentes. Outro, é fábrica de escravos, de indivíduos mecanizados, passivos e subservientes.  


            Foi precisamente este o ponto de contato entre Kardec e o Evangelho cristão, cuja escola tem por finalidade a libertação dos homens, tornando-os livres, mediante o conhecimento da verdade.

            Kardec verificou, então, a conjugação perfeita entre os objetivos cristãos e as finalidades do Espiritismo. Jesus é o redentor da Humanidade, porque veio traçar pela palavra, e consolidar pelo exemplo, o caminho da verdadeira vida. O Consolador prometido que é o Espiritismo, veio, em tempo previsto, secundar a obra messiânica de redenção, dardejando, sobre as letras evangélicas, a luz do espírito que as vivifica, dando-lhes maior brilho que o de todas constelações estelares. Sob o influxo dessas meditações Kardec escreveu "O Evangelho segundo o Espiritismo” cujas edições atingiram maior tiragem que todas as demais produções suas. 



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