Kardec e o Evangelho
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB)
Outubro 1952
Allan Kardec foi, em todo o sentido,
um homem bem equilibrado. Sua razão e seu coração funcionavam em perfeita
harmonia. Por isso, a obra que empreendeu apoia-se em fundamentos sólidos,
satisfazendo às justas aspirações do espírito. Se Kardec deixasse de atender à inteligência,
atendo-se exclusivamente ao sentimento, sua obra seria incompleta. De outra sorte,
se a vaidade tivesse ofuscado o entendimento, fazendo que se preocupasse tão somente
com a parte intelectiva, teria edificado sobre areia; e, nesse caso, a obra não
resistiria aos embates das paixões.
Ao seu notável bom senso, não podia
passar despercebida a excelência dos valores morais na evolução do Espírito. O
progresso unilateral, isto é, aquele que se verifica exclusivamente pela faceta
intelectual, é incompleto e falho. Não assegura a felicidade a que, naturalmente,
o Espírito aspira no seu incontido anseio do bem e do belo, do justo e do verdadeiro.
Assim como os pássaros se elevam às alturas, graças ao manejo de duas asas,
assim também, a evolução espiritual só pode consumar-se mediante o mútuo desenvolvimento
da razão e do coração, ou seja, da inteligência e do sentimento. Esta verdade não
escapou ao egrégio compilador da doutrina dos Espíritos. Daí o motivo por que
tratou com tanto carinho e desvelo da parte moral ou religiosa da 3ª Revelação.
“O Evangelho segundo o Espiritismo”,
de sua autoria, diz bastante da importância que lhe mereceu esse magno assunto.
A aceitação desse livro, cujas edições foram além das melhores expectativas, demonstra,
à saciedade, como a Humanidade carece desses princípios doutrinários que falam
ao coração, mitigando suas dores, trazendo-lhe o conforto nos dias de abatimento,
o consolo e a esperança nas horas de aflição e desespero.
*
Jesus foi mestre e teve discípulos.
Aliás, foi o único título que avocou a si, desprezando todos os demais que os
homens pretenderam conceder-lhe. “Eu sou
o vosso mestre. A ninguém mais, pois, chameis mestre, senão a mim.”
O educador digno de tal nome, que
exerce o magistério mais por vocação do que como profissão, é o homem afeito ao
raciocínio, às pesquisas e às meditações. É ainda observador e analista, por
necessidade e por hábito. De tudo que cai sob o domínio dos seus sentidos, tira
conclusões e ilações. Observar. Induzir e deduzir para concluir, tais são os métodos
pedagógicos.
O verdadeiro preceptor conduz os
seus educandos de modo que estes, aplicando os poderes psíquicos próprios,
possam, por si mesmos, descobrir a verdade. Desenvolver as faculdades anímicas
que, em latência, jazem ocultas nas profundezas da alma humana, em tal consiste
a obra da educação.
Educar significa tirar de dentro
para fora; e não introduzir de fora para dentro, como faz a falsa pedagogia, baseada
no princípio de autoridade, muito do gosto dos credos exclusivistas e
totalitários.
Os efeitos desses dois métodos são
opostos: um cria personalidades, faz homens livres e independentes. Outro, é
fábrica de escravos, de indivíduos mecanizados, passivos e subservientes.
Foi precisamente este o ponto de
contato entre Kardec e o Evangelho cristão, cuja escola tem por finalidade a
libertação dos homens, tornando-os livres, mediante o conhecimento da verdade.
Kardec verificou, então, a conjugação
perfeita entre os objetivos cristãos e as finalidades do Espiritismo. Jesus é o
redentor da Humanidade, porque veio traçar pela palavra, e consolidar pelo exemplo,
o caminho da verdadeira vida. O Consolador prometido que é o Espiritismo, veio,
em tempo previsto, secundar a obra messiânica de redenção, dardejando, sobre as
letras evangélicas, a luz do espírito que as vivifica, dando-lhes maior brilho
que o de todas constelações estelares. Sob o influxo dessas meditações Kardec
escreveu "O Evangelho segundo o Espiritismo” cujas edições atingiram maior
tiragem que todas as demais produções suas.
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