quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Amor Sublime



Amor sublime
H. Magalhães
Reformador (FEB) Novembro 1942

            Viviam os três numa pequena cidade do interior fluminense: o jovem casal e um filhinho. Entretanto, não eram felizes. O esposo era farrista e amante das bebidas. Daí as constantes brigas entre os dois.

            O terceiro personagem - Milton, de três anos de idade – assistia, impassível às cenas dolorosas entre os pais, observando tudo com os seus grandes olhos indagadores.
- Você se arruína - dizia D. Tereza, a esposa mártir, para o marido estroina, quando ele chegava trocando as pernas.     

            - Não se incomode comigo, ouviu? - respondia ele. Isso só a mim interessa. Meta-se com sua vida e deixe-me em paz ...

            A inditosa senhora chorava lágrimas amargas, enquanto o truculento companheiro curava a embriaguez, num sono reparador. Certo dia, o lar foi enriquecido com o nascimento de uma linda menina, em quem puseram o nome de Julieta. O pai vota-lhe verdadeira amizade. Andava com ela ao colo; juntos, brincavam os dois, parecendo mais duas criancinhas. D. Tereza aproveitava os colóquios entre pai e filha para chamar o marido à razão.

            "- Mauricio dizia, meiga, -- fico tão alegre quando você brinca com a Julieta!.. Porque não fica no lar, todo o tempo de folga, ao lado dos nossos filhos, auxiliando-me a educá-los?

            - Lá vem você com lamúrias - respondia o marido. Não ficarei em caso como você quer, não. Deus fez a mulher para o lar e o homem para a rua. Não quero ser maricas, como o vizinho. Aliás, creio que foi o Espiritismo que o transformou. Não sei que diabo tem essa religião. Ele é o segundo dos companheiros a abandonar o nosso grupo.

            - Você o chama de maricas, porque ele cumpre com os deveres de pai e de esposo - atalhou a companheira. Quando chega do trabalho, ajuda a esposa no que pode e dá lições aos filhos. Em compensação, vivem em paz, felizes e alegres. Você, ao contrário, junta-se a esse grupo de viciados e vai para as tabernas e lugares escusos, a gastar o ordenado nas orgias, deixando-nos ao desamparo e, mesmo, sem o necessário para nos alimentarmos.

            - Não admito observações -- gritou o marido, colérico. Vou onde quero e não serão as suas lamúrias que me hão de transformar. E, naquela noite, saiu, como sempre, para se unir aos companheiros de farra.

            Passaram-se os tempos e, quando a encantadora Julieta tinha dois anos, foi acometida de uma moléstia misteriosa, falecendo. Os dois esposos caíram em desespero, chorando a ausência da idolatrada filhinha.

            Daí em diante, Mauricio mais se engolfou no vício de beber. Parece que pretendia afogar as saudades da morta nas emanações alcoólicas... Foi quando um fato curioso começou a dar-se inesperadamente.

            Um belo dia, em que ele, sentado à mesa, ia levar o cálice aos lábios, eis que lhe aparece o Espírito da filhinha morta, dirigindo-lhe um olhar triste e acenando-lhe para que não bebesse. Aterrorizado com a visão, jogou o parati fora e saiu do botequim. Nesse dia não mais bebeu. Desde então, todas as vezes que Mauricio intentava sorver o maldito liquido, aparecia-lhe a morta querida, impedindo-o de fazê-lo. Veio-lhe então uma ideia. Como gostava de ostras, disse à esposa que derramasse parati no casco vazio desses moluscos. Com isso -- monologava - enganarei o fantasma da minha filhinha, que pensará que vou comer ostras. Só assim poderei satisfazer ao meu desejo. Quando, porém, ia levar o casco da ostra aos lábios, apareceu-lhe, inopinadamente, o vulto da criança com os seus cabelos louros e ar tristonho... Desesperado, jogou com força no chão a ostra com o líquido. Aquilo não podia continuar - pensava. Como acabar com semelhante situação?!. ..

            - Lembrou-se, então, de pedir os préstimos do vizinho, o trânsfuga do grupo farrista, seu antigo companheiro. Pode ser - dizia de ele para si - que ele me livre dessa visão, na sessão espírita que frequenta. Tenho escutado falar em tantos casos extraordinários desses malucos!... Quem sabe! Talvez seja verdade.

            Dias depois ei-lo, ao lado do vizinho, numa sessão espirita. Depois de sentida prece, é aberta a sessão. Após breve silencio, eis que Mauricio fica arrepiado. Começa a ver, nitidamente, vários Espíritos, alguns até luminosos. Entre estes, achava-se o de sua filha. Muito timidamente comunicou o fato ao diretor dos trabalhos e este, verificando que Mauricio era vidente, o convidou a sentar-se à mesa.

            Depois de lida uma comunicação psicográfica, fez-se novo silêncio, manifestando-se alguns irmãos do outro plano, que trocaram impressões com o diretor. Por fim, manifestou-se o Espírito guia dos trabalhos, saudando os presentes, em nome de Deus, e exortando-os ao cumprimento do dever. Nesse momento, o diretor lhe pediu um conselho para Mauricio. O Guia, dirigindo-se a este, disse: - “Meu amigo, é necessário mudares o rumo de tua vida... O Espírito de tua filha, que se acha presente, te vem protegendo desde remotos tempos, através de inúmeras reencarnações. Há muitos séculos, no tempo em que Jesus palmilhou as estradas da Judéia, na sua divina missão, eras um patrício romano, exercendo elevado cargo na administração de Jerusalém. Quando o Cristo foi preso, a tua velha e bondosa mãe pediu que intercedesses junto a Pilatos para libertar o Messias. Não atendeste, porém, ao seu justo pedido, alegando frívolos motivos. Esse procedimento muito desgostou a tua genitora.

            "Anos depois partia ela para o espaço. Após várias reencarnações, conseguiu esse valoroso Espírito libertar-se das suas imperfeições, alçando o voo definitivo aos espaços siderais. Aqui, do outro lado da vida, continuou a proteger-te. Como na atual encarnação trilhasses o caminho do vício, tara que te persegue desde pristinas eras, procurou ele desviar-te desse roteiro. Para se fazer ouvir, aproveitava todas as oportunidades, aconselhando-te, através da intuição. Contudo, não seguias os seus conselhos, embrenhando-te, cada vez mais, nos prazeres condenáveis do mundo.

            "Vendo frustrados os seus intentos, pediu a Deus permissão para reencarnar no teu lar o que lhe foi concedido, tomando então o nome que lhe puseste de Julieta. Dois anos passados, desencarnava. Esses curtos instantes, no entanto, foram bastantes para fazer reviver a antiga amizade que vos unia. Novamente no espaço, procurou influenciar-te, aparecendo-te com o frágil corpo da criança Julieta, tua filha querida, tentando arrancar-te ao vício da embriaguez e do jogo. Podes aquilatar, por este relato, o amor que te consagra esse Espírito dedicado, que foi tua mãe e que te vem seguindo pelos séculos em fora, fazendo todos os sacrifícios para te colocar no caminho que o Verbo ensinou aos homens".

            A seguir manifestou-se o Espírito da criança loura, a Julieta, exortando o pai a frequentar aquele Grupo, onde - dizia-lhe - se transformaria, com a ajuda dos companheiros e dos Espíritos guias, terminando por agradecer a Deus aqueles momentos venturosos. Mauricio chorava de emoção. Escaldava-lhe a cabeça, procurando coordenar ideias novas. Sua vida se transformou radicalmente. Hoje é um exemplar chefe de família. Suas faculdades mediúnicas se desenvolveram e desde aquele dia, tornou-se assíduo frequentador do "Grupo dos Malucos". A esposa exultou de contentamento e fez sentidas preces ao Criador, agradecendo as messes recebidas.


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