Amor
sublime
H.
Magalhães
Reformador
(FEB) Novembro 1942
Viviam os três numa pequena cidade
do interior fluminense: o jovem casal e um filhinho. Entretanto, não eram
felizes. O esposo era farrista e amante das bebidas. Daí as constantes brigas
entre os dois.
O terceiro personagem - Milton, de
três anos de idade – assistia, impassível às cenas dolorosas entre os pais,
observando tudo com os seus grandes olhos indagadores.
-
Você se arruína - dizia D. Tereza, a esposa mártir, para o marido estroina,
quando ele chegava trocando as pernas.
- Não se incomode comigo, ouviu? -
respondia ele. Isso só a mim interessa. Meta-se com sua vida e deixe-me em paz
...
A inditosa senhora chorava lágrimas
amargas, enquanto o truculento companheiro curava a embriaguez, num sono
reparador. Certo dia, o lar foi enriquecido com o nascimento de uma linda
menina, em quem puseram o nome de Julieta. O pai vota-lhe verdadeira amizade.
Andava com ela ao colo; juntos, brincavam os dois, parecendo mais duas criancinhas.
D. Tereza aproveitava os colóquios entre pai e filha para chamar o marido à razão.
"- Mauricio dizia, meiga, --
fico tão alegre quando você brinca com a Julieta!.. Porque não fica no lar,
todo o tempo de folga, ao lado dos nossos filhos, auxiliando-me a educá-los?
- Lá vem você com lamúrias - respondia
o marido. Não ficarei em caso como você quer, não. Deus fez a mulher para o lar
e o homem para a rua. Não quero ser maricas, como o vizinho. Aliás, creio que
foi o Espiritismo que o transformou. Não sei que diabo tem essa religião. Ele é
o segundo dos companheiros a abandonar o nosso grupo.
- Você o chama de maricas, porque
ele cumpre com os deveres de pai e de esposo - atalhou a companheira. Quando
chega do trabalho, ajuda a esposa no que pode e dá lições aos filhos. Em
compensação, vivem em paz, felizes e alegres. Você, ao contrário, junta-se a
esse grupo de viciados e vai para as tabernas e lugares escusos, a gastar o
ordenado nas orgias, deixando-nos ao desamparo e, mesmo, sem o necessário para
nos alimentarmos.
- Não admito observações -- gritou o
marido, colérico. Vou onde quero e não serão as suas lamúrias que me hão de
transformar. E, naquela noite, saiu, como sempre, para se unir aos companheiros
de farra.
Passaram-se os tempos e, quando a
encantadora Julieta tinha dois anos, foi acometida de uma moléstia misteriosa,
falecendo. Os dois esposos caíram em desespero, chorando a ausência da
idolatrada filhinha.
Daí em diante, Mauricio mais se
engolfou no vício de beber. Parece que pretendia afogar as saudades da morta
nas emanações alcoólicas... Foi quando um fato curioso começou a dar-se inesperadamente.
Um belo dia, em que ele, sentado à
mesa, ia levar o cálice aos lábios, eis que lhe aparece o Espírito da filhinha
morta, dirigindo-lhe um olhar triste e acenando-lhe para que não bebesse. Aterrorizado
com a visão, jogou o parati fora e saiu do botequim. Nesse dia não mais bebeu.
Desde então, todas as vezes que Mauricio intentava sorver o maldito liquido,
aparecia-lhe a morta querida, impedindo-o de fazê-lo. Veio-lhe então uma ideia.
Como gostava de ostras, disse à esposa que derramasse parati no casco vazio
desses moluscos. Com isso -- monologava - enganarei o fantasma da minha
filhinha, que pensará que vou comer ostras. Só assim poderei satisfazer ao meu
desejo. Quando, porém, ia levar o casco da ostra aos lábios, apareceu-lhe,
inopinadamente, o vulto da criança com os seus cabelos louros e ar tristonho...
Desesperado, jogou com força no chão a ostra com o líquido. Aquilo não podia
continuar - pensava. Como acabar com semelhante situação?!. ..
- Lembrou-se, então, de pedir os préstimos
do vizinho, o trânsfuga do grupo farrista, seu antigo companheiro. Pode ser -
dizia de ele para si - que ele me livre dessa visão, na sessão espírita que
frequenta. Tenho escutado falar em tantos casos extraordinários desses
malucos!... Quem sabe! Talvez seja verdade.
Dias depois ei-lo, ao lado do
vizinho, numa sessão espirita. Depois de sentida prece, é aberta a sessão. Após
breve silencio, eis que Mauricio fica arrepiado. Começa a ver, nitidamente, vários
Espíritos, alguns até luminosos. Entre estes, achava-se o de sua filha. Muito
timidamente comunicou o fato ao diretor dos trabalhos e este, verificando que
Mauricio era vidente, o convidou a sentar-se à mesa.
Depois de lida uma comunicação psicográfica,
fez-se novo silêncio, manifestando-se alguns irmãos do outro plano, que
trocaram impressões com o diretor. Por fim, manifestou-se o Espírito guia dos
trabalhos, saudando os presentes, em nome de Deus, e exortando-os ao
cumprimento do dever. Nesse momento, o diretor lhe pediu um conselho para
Mauricio. O Guia, dirigindo-se a este, disse: - “Meu amigo, é necessário
mudares o rumo de tua vida... O Espírito de tua filha, que se acha presente, te
vem protegendo desde remotos tempos, através de inúmeras reencarnações. Há
muitos séculos, no tempo em que Jesus palmilhou as estradas da Judéia, na sua
divina missão, eras um patrício romano, exercendo elevado cargo na
administração de Jerusalém. Quando o Cristo foi preso, a tua velha e bondosa mãe
pediu que intercedesses junto a Pilatos para libertar o Messias. Não atendeste,
porém, ao seu justo pedido, alegando frívolos motivos. Esse procedimento muito
desgostou a tua genitora.
"Anos depois partia ela para o
espaço. Após várias reencarnações, conseguiu esse valoroso Espírito libertar-se
das suas imperfeições, alçando o voo definitivo aos espaços siderais. Aqui, do
outro lado da vida, continuou a proteger-te. Como na atual encarnação
trilhasses o caminho do vício, tara que te persegue desde pristinas eras, procurou
ele desviar-te desse roteiro. Para se fazer ouvir, aproveitava todas as oportunidades,
aconselhando-te, através da intuição. Contudo, não seguias os seus conselhos,
embrenhando-te, cada vez mais, nos prazeres condenáveis do mundo.
"Vendo frustrados os seus
intentos, pediu a Deus permissão para reencarnar no teu lar o que lhe foi
concedido, tomando então o nome que lhe puseste de Julieta. Dois anos passados,
desencarnava. Esses curtos instantes, no entanto, foram bastantes para fazer
reviver a antiga amizade que vos unia. Novamente no espaço, procurou
influenciar-te, aparecendo-te com o frágil corpo da criança Julieta, tua filha
querida, tentando arrancar-te ao vício da embriaguez e do jogo. Podes
aquilatar, por este relato, o amor que te consagra esse
Espírito dedicado, que foi tua mãe e que te vem seguindo pelos séculos em fora,
fazendo todos os sacrifícios para te colocar no caminho que o Verbo ensinou aos
homens".
A seguir manifestou-se o Espírito da
criança loura, a Julieta, exortando o pai a frequentar aquele Grupo, onde -
dizia-lhe - se transformaria, com a ajuda dos companheiros e dos Espíritos
guias, terminando por agradecer a Deus aqueles momentos venturosos. Mauricio
chorava de emoção. Escaldava-lhe a cabeça, procurando coordenar ideias novas.
Sua vida se transformou radicalmente. Hoje é um exemplar chefe de família. Suas
faculdades mediúnicas se desenvolveram e desde aquele dia, tornou-se assíduo
frequentador do "Grupo dos Malucos". A esposa exultou de
contentamento e fez sentidas preces ao Criador, agradecendo as messes
recebidas.
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