Religião e higiene mental
José Andreucci
Reformador (FEB) Dezembro 1954
Deve
a religião ser incluída entre as diversas causas da loucura classificadas pela
moderna psiquiatria? Eis uma questão que tem apaixonado os homens, pois, desde
épocas remotas, tem sido a religião acusada de causar alucinações e outras
formas de moléstias mentais.
São
bastante conhecidas, por exemplo, as cenas dantescas que tiveram por cenário o
Cemitério de Saint- Médard, Da França, onde as romarias ao túmulo do padre
François de Paris eram integradas por fanáticos que se entregavam a toda sorte
de atos somente praticados por alienados mentais. E, aqui no Brasil, já se
tornaram clássicas em psiquiatria as citações de coletividades fanatizadas pelas
idéias mórbidas de lideres religiosos e que levaram o misticismo até às raias
da loucura, como os casos de Juazeiro com o Padre Cicero, de Canudos com
Antônio Conselheiro, e de Pedra Bonita, apenas para citar os conhecidos.
Todavia,
do lado oposto daqueles que se limitam a acusar, coloca-se um grupo de
abnegados pensadores e homens de ciência, tendo à frente o sábio lionês
Hippolyte Léon Denizard Rivaíl, que afirmam ser a religião fonte de cura de
muitas formas de doenças mentais. E o conhecido psiquiatra norte-americano Dr.
CarI A. Wickland, por exemplo, pondo em prática aqueles postulados, há mais de
trinta anos vem tratando os insanos mentais no sanatório que dirige pelo
processo espírita, obtendo com essa psicoterapia transcendente ótima percentagem de curas.
Os
fenômenos psíquicos estão estreitamente ligados às indagações da medicina, e
seu estudo, sem ideias preconcebidas, livre da influência de dogmas e
preconceitos de qualquer natureza, deveria ser preocupação de todo médico,
pois, apesar de materialista, a Medicina reconhece que "em qualquer
doença, cada vez se sente mais a influência do fator psíquico".
Essa
luta, entre o espiritualismo e o materialismo vem de distantes eras; muitos
sábios foram reduzidos a cinzas só por não concordarem com o ritual da Medicina
quando esta era puramente espiritualista. Hoje, a Medicina, essencialmente
materialista, não deve cometer o mesmo erro, queimando com o fogo da ironia
aqueles que investigam as regiões do Espírito.
A
ciência oficial, sem alma, afirmando ser o espírito simples produto do
mecanismo anátomo-fisiológico, não pode sair do terreno em que se confinou para
estudar fenômenos que escapam a seus métodos de investigação. Diz o psiquiatra
Dr. Brasílio Marcondes Machado a esse respeito: “A psiquiatria, materialista, é
como um barco sem leme e sem âncora, ao sabor das ondas..., das teorias, das
classificações que se avolumam, que se chocam e que se esvaem.”
E
certas religiões, embora aceitem a existência do espírito como entidade
distinta da matéria, somente se dignam discutir suas manifestações se
interpretadas de acordo com suas próprias doutrinas!
E
com essa atitude, não mais de acordo com os anseios do homem atual que, no
campo do psiquismo, tem sempre sede de novos conhecimentos, tanto a ciência
como tais religiões se colocam em posição hostil e atrasam a marcha de
pesquisas feitas por verdadeiros sábios, lídimos representantes dessa mesma
ciência que os hostiliza.
Enfim,
trata-se de saber como e quando a religião pode influir na mente do indivíduo
no sentido de beneficiá-la ou de compromete-la ainda mais. Eis a questão!
Os
psiquiatras não comprovaram cientificamente um caso sequer de alienação mental cuja
causa tenha sido a prática de qualquer religião. Os que se especializaram na
classificação das causas da loucura, como Morselli, Régis, Krafft Ebing e
outros mestres, não incluíram a religião entre os diversos grupos de moléstias
mentais. Esses especialistas são unânimes em afirmar que toda e qualquer preocupação
de ordem religiosa pode contribuir como causa na agravação do mal, quando este
já existe. Diz o Dr. Inácio Ferreira, diretor médico do Sanatório de Uberaba: “Se
o indivíduo é mioprágico, tanto está sujeito a sentir a eclosão do seu mal no
Espiritismo como no Catolicismo, Protestantismo, Macumba, Candomblés, etc., e
não faltam provas freqüentes.”
Em
última análise, baseados em nossas observações e na experiência dos que se
especializaram na matéria, podemos afirmar que qualquer crença religiosa pode
contribuir para agravar o mal do indivíduo que procura em suas práticas, muitas
vezes sem compreendê-las, a tábua de salvação para a sua mente perturbada,
perturbação que teve origem nas intoxicações, nos excessos e transgressões de
toda ordem, ou na luta pela vida cheia de reveses e tribulações, ou, ainda, na
insegurança e no medo especialmente quando gerados pela guerra, com todo o seu
cortejo sinistro de misérias!
Os
peritos da "Organização Mundial de Saúde", reunidos em Genebra,
chegaram à conclusão de que os problemas de saúde mental se tornam cada vez
mais prementes no mundo de hoje e que em países da Europa ocidental e na Norte
América, 40% dos leitos de hospital são ocupados por casos mentais, oriundos,
dizem, “do crescente desenvolvimento econômico e da urbanização cada vez maior.”
Concluindo,
achamos que a religião pode influir de forma benéfica na mente do indivíduo
desde que ela o convença de que todos os males que afligem a Humanidade são a consequência
fatal do atraso espiritual do homem. Todos esses males podem ser aliviados, até
desaparecerem um dia, quando os homens conhecerem, através da religião, o
verdadeiro sentido da vida, o porquê da vida e sentirem a sua origem divina,
amando-se como irmãos.
Entretanto,
para que isso aconteça e sua ação seja benéfica à saúde mental do indivíduo, é
preciso que a religião seja aceita conscientemente, sem nenhuma forma de
constrangimento.
Nenhum
benefício trará ao indivíduo uma religião imposta. Disto somente resultará um
revoltado ou então, um indiferente que seguirá suas práticas exteriores pela
força do hábito, como segue outros atos da vida social. Não encontramos exemplos, na História, de
povos que tenham evoluído espiritualmente em consequência da opressão de qualquer
poder religioso.
A
crença religiosa, em sua essência, é patrimônio inalienável do Espírito,
acompanha sua evolução e não deve estar limitada por convenções humanas.
(Extraído
de “O Semeador”.)
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