Croniqueta - 1
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Abril 1923
Afinal, parece que ainda teremos de
agradecer aos corifeus do clericalismo impiedoso a intensificação da campanha
desabalada que nos vêm movendo pela grande imprensa,
ultimamente.
Porque a verdade é que, na razão direta
do seu esforço, como a patentear-lhe a inanidade, surgem os fatos capazes de
impressionar o grande público e, o que mais é: divulgados por essa mesma
imprensa profana.
Há dias, era a notícia da materialização
de um Pontífice em pleno Vaticano, assistida e afirmada por uma dezena de
sacerdotes, testemunhas mais que insuspeitas.
Aliás, o fato não é único e quem quiser
certificar-se de outras manifestações espíritas ali ocorridas, em várias épocas,
não tem mais do que compulsar a obra interessante do Dr. Lapponi, médico que
foi de Leão XIII, intitulada “Hipnotismo e Espiritismo” e editada em 1907.
Depois, surge o caso da materialização,
em plena rua de Fortaleza, de um
rapaz desencarnado em S. Paulo, rogando
a uma jovem católica, caminho da igreja, que por ele rezasse na sua missa
diuturna e vindo, manhã seguinte, agradecer-lhe o deferimento à piedosa súplica.
O telegrama não nos disse com que cara
ficaria a pobre moça, nem se o chauffeur,
que a pouca distância também presenciara o fato, derrapou o respectivo auto;
mas disse tratar-se de criatura católica, praticante e, portanto, temerosa do “manfarrico”
(demônio), o que afasta a sibilina hipótese da alucinação e da
auto sugestão, ao demais havendo o efialta (demônio) manifestante dado o seu nome, um nome desconhecido, e
detalhes outros como: rua e número da residência em S. Paulo, data da desencarnação,
etc.
Também é verdade que os nossos beatíficos
clérigos e teólogos de casaca afirmam ser S. Exa. o Diabo um cavalheiro quase
onipotente, quanto onímodo (ilimitado) na sua faina indefinidamente maléfica, capaz de, por
eternas escaramuças com a imbele (que
não tem espírito aguerrido) humanidade,
ludibriar, não diremos a Deus, mas aos próprios anjos e, portanto, melhormente,
a eles padres.
E assim, concluirão: justamente por se
tratar de uma ovelhinha submissa à Santa Madre Católica é que ele - o Proteu (na mitologia
grega, é uma deidade marinha. É filho dos titãs Oceano e Tétis) maldito,
assim procura engasopa-la (engazopar = mentir), melífluo (doce) a pedir preces.
Pois, se assim não fosse é que seria o diabo,
perdão - não seria o diabo.
O raciocínio não é novo e lembra o daquele
velho padre que, chamado a exorcizar um possesso, lhe aplicava o
crucifixo e... zás: se o demo fugia, é porque não pudera defrontar a Cristo, era
bem o demo, líquido e certo; mas, se teimava, o maldito, era ainda o mesmo
demo, não menos líquido, nem menos certo, pois só ele podia ter a petulância de
resistir ao crucifixo!
Compreende-se que, com semelhante lógica,
não é difícil explicar o caso
do Ceará, ainda mesmo que comprovada
seja a identidade do espírito manifestante.
Ou não fosse a Demonologia uma ciência
dos diabos, talhada para a mentalidade medieval...
*
Mas, o que por outro lado se verifica é
o fluente acréscimo do proselitismo espírita, a desdobrar-se em manifestações
de sadia atividade.
Há, por toda parte, um intenso
movimento agremiativo, promissor de realizações mais fecundas, do ponto de
vista teórico, não somente, mas prático e tendente a demonstrar que somos uma
força social agente e pensante.
No Pará, onde a mediunidade preciosa da
Sra. Prado tem feito grande brecha nas fileiras do ceticismo e do indiferentismo
e onde a doutrina conta hoje uma plêiade de intelectuais de escol, inaugura-se,
a breve trecho, a sede da União, em magnífico prédio adquirido para esse fim.
A União paraense é uma das sociedades
espíritas mais antigas e conceituadas do nosso país, não só pela sanidade de
sua orientação, como pelos benefícios e luzes que derrama.
Atualmente, mantém ela uma Escola
gratuita para crianças pobres e uma revista de propaganda, fina e criteriosamente
redigida.
Na Bahia, berço da doutrina, por assim
dizer, em nosso país, de cinco anos a esta parte a propaganda teve vida nova.
Aí também se adquiriu edifício próprio
para a família espírita e a União Espírita Baiana, sob a direção do velho
campeão, que é José Petitinga, vai arregimentando preciosos elementos esparsos,
promissores de surtos mais fecundos.
Ainda há pouco, os artigos de Ricardo
Machado - outro velho pioneiro da Boa Nova naquelas plagas - lançados, com
desassombro na imprensa local, tiveram o condão de despertar muitas consciências
expectantes.
E vai, daí, o aparecimento de outros lidadores
cheios de viço e esperança, a porfiarem na propaganda, para que a terra
tradicional do intelectualismo indígena assegure o lugar que de direito lhe
cabe na comunhão da nova era em nossa Pátria - terra da Cruz, da Fé, portanto,
mas Fé esclarecida, raciocinada, que não cega, como a pretendem as velhas
ficções religiosas, enfeudadas nos seus dogmas.
Ainda, talvez, neste número ou no
próximo, o leitor verá uma bela poesia de um novel confrade, que assim se afirma
elemento aproveitável entre os seus pares.
Abençoada seja, portanto, essa
hostilidade dos nossos irmãos católicos, que de tal arte afervora a nossa crença
avolumando as nossas fileiras.
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