quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Inspirações - 6



Inspirações – 6
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Julho 1923

EQUÍVOCO QUE DEVE TERMINAR

Em face da afirmação católica, que se apresenta com honras de dogma: “Fora da Igreja não há salvação”, o mestre, Sr. Allan Kardec, interpretando o pensamento dos Espíritos elevados, que colaboraram na codificação da doutrina espírita, instituiu este princípio: “Sem caridade não há salvação”, afirmação esta valorizada pelas mais excelsas entidades espirituais que se tem comunicado com o homem.

Não obstante ser assim, ser isso, para os espíritas de convicções inabaláveis, um postulado, certos inovadores, nos tempos modernos, entendem - com legítimo direito, forçoso é reconhece-lo - que devem fazer coro com os adeptos de outras escolas, que se supõem figurar na vanguarda do progresso, apesar de negarem a Causa Suprema e até a imortalidade da alma, negando capacidade regeneradora à Caridade; mais ainda: estigmatizando-a, como algo de funesto, de degradante, que se deve proscrever.

Destes, os que não militam nas fileiras espíritas estão no seu campo, têm certa razão dentro de sua lógica especial, baseada em suas ideias e erros, sustentados como verdades inconcussas; porém, não estão com a razão espirita os adeptos desta escola, sustentando ideias tão opostas ao princípio escrito com caracteres do ouro, como postulado que não admite discussão, no frontispício do edifício que a Nova Revelação está levantando e firmando sobre as ruínas do mundo velho.

Sei que os que condenam a Caridade e militam nas fileiras espíritas não pecam por falta de sentimentos caritativos, pois muitos deles cultivam o altruísmo com verdadeiro fervor, praticando-o com toda a amplitude que lhes permitem as circunstâncias. São os primeiros em tributar culto sagrado à Caridade, com suas obras, ao mesmo tempo que a condenam com suas palavras. Mas isso, que reconheço fazendo-lhes justiça, não os exime de certa responsabilidade, por não procurarem ir até ao fundo da ideia, para não deixar incompreendido tudo quanto ela permite saber. Eis porque me atrevo a chamar, para a sua inconsequência, a atenção dos espíritas que assim pensam e se conduzem. Porque, conseguido que retificassem o errôneo conceito que formam da Caridade a que, hoje, sem o pretenderem, rendem homenagem com suas obras e ainda com suas palavras e sua pena, em a maioria dos casos, o culto tributado a tão excelsa virtude o seria sem reservas, completo, substituídos a crítica acerba, a censura inconsciente, o anátema imprudente, pelo elogio sincero, pela apologia conscienciosa, pela recomendação eficaz à sua prática e a que seja venerada e adorada por todos os seres, com ânsias verdadeiras de progresso espiritual.

Erro de conceito é o que se verifica, a tal respeito, com esses queridos irmãos,
que em outros assuntos são apóstolos dedicados da verdade e do bem.

            Supõem que se pode prescindir da Caridade, limitando consideravelmente o alcance da ideia que ela abrange. Confundem-na quase exclusivamente com a dádiva com que se pretende beneficiar a indigência e que constitui o aspecto inferior da Caridade.

Sem embargo, não se pode condenar tampouco a caridade material, como não se pode condenar a esmola, por mais que protestem contra ela, pelo seu aspecto deprimente. Humilhação consideram o recebimento do óbolo que é depositado nas mãos de um mendigo, que a estende implorando uma esmola pelo amor de Deus. Porém, os espíritas que assim consideram o fato não raciocinam, atentos à sua doutrina, que o deprimente e humilhante foi a conduta que deu lugar à situação em que se encontra o mendicante. Quanto à sua condição atual, se ele a souber suportar com dignidade, ela o enobrece e eleva. Qual quereriam os espíritas, que condenam a esmola e a caridade material, fosse a sanção da lei de justiça, imanente em todas as coisas, tanto na ordem física, como na ordem moral, para os que a conculquem (pisem)? Para o que abusou do poder, dilapidou os bens próprios e os alheios, usurpou o patrimônio de outrem, que é o que mais logicamente convém do que renascer na condição oposta, para normalizar o que perturbou, para reparar os males que causou?

Que é o que faz o maltrapilho senão satisfazer à justiça que ele próprio, antes, escarneceu e menosprezou?

Humilhante a esmola! humilhante a caridade material! Não; enaltecem a quem, necessitando delas, as aceita e enaltece também a quem de todo o coração e por amor ao próximo as pratica.

Que os mendicantes podem cometer abusos; que, à sombra do costume estabelecido universalmente da esmola, podem fazer da mendicidade uma profissão, em prejuízo da probidade, do hábito do trabalho, da virtude de adquirir o pão com o suor do próprio esforço, é exato. Porém, pode-se remediar a isso? Se já estivesse garantida a existência de todos os leprosos de alma e de corpo que por aí pululam; se o viandante tivesse a certeza de que, a nenhum verdadeiro indigente ou necessitado de auxílio, faltava o necessário, ou a assistência que seu mal exige, poder-se-ia negar o óbolo ao que estende a mão e fazer ouvidos de mercador à queixa do que se mostra aflito. Mas, essa certeza não existe. Todos os que conhecem aa coisas do mundo sabem que faltam proteção e assistência ao necessitado e ao desvalido. 0ra, sendo assim, como pode uma alma nobre e generosa deixar de ouvir a voz do mendicante, quando lhe estende a mão trêmula solicitando uma esmola pelo amor de Deus, do Pai amoroso, que ordena a seus filhos que se amem como irmãos, se protejam em suas necessidades e considerem como feito a Ele próprio o bem que uns aos outros fizerem?

Poderá uma alma generosa e compassiva ouvir indiferente a súplica que um seu irmão lhe dirige, não tendo a certeza de que a esse irmão o auxílio que ele pede venha por outro conduto? Nem no primeiro caso, nem no segundo, uma alma, generosa e caritativa, conforme o conceito cristão, ou simplesmente altruísta, conforme a maneira moderna de considerar-se esta qualidade nobre, pode mostrar-se impassível, nem, por entender que a esmola e a caridade material humilham e deprimem, que é uma mancha para a sociedade a existência dos hospitais e asilos, deixar de dar a esmola e de praticar a caridade sob aquelas formas, de auxiliar e proteger, não só os que gemem, como as casas pias que albergam e auxiliam os que sofrem e os desvalidos.

É condição do atual período do progresso humano, como o foi de todos os anteriores períodos por que têm passado a humanidade, que haja pobres, desamparados e aflitos. Por conseguinte, necessário se tornam ainda hoje, como outrora, a esmola, o auxilio, em suas várias modalidades, a caridade material e a caridade moral.

Demais, as condições em que vivem ou nascem os necessitados e os desamparados são uma consequência do passado de seus respectivos espíritos. Portanto, essas condições precárias e mesmo miseráveis de vida e de sofrimento são necessárias ao progresso deles, como dos outros homens, que precisam ter continuamente ocasião de desenvolver em si os sentimentos generosos, o amor aos seus semelhantes. Tais ocasiões oferecem-nas os mendicantes e os que sofrem ao desamparo, ou sem meios suficientes para atender às suas enfermidades.

Desta maneira, o próprio mal é portador do bem. Um bem recebem os verdadeiros necessitados, desamparados e sofredores, quando alguém lhes vai em auxílio e um bem recebem, igualmente, os que se sentem inclinados a amenizar a desgraça do próximo e o fazem com sacrifício de seus haveres e de suas pessoas.

A gratidão que nasce no íntimo daquele que recebe é para ele um benefício, pois que lhe desenvolve na alma um sentimento nobre e o prepara para fazer o mesmo, quando inversa for no futuro sua posição. Aprende também, pelo seu mesmo estado de miséria e aflições, a amar a virtude e a aborrecer o vício, à vista dos exemplos que colhe, da experiência que adquire e das advertências que lhe vêm do interior, por misericórdia divina. E aquele que dá, além de enobrecer e elevar sua alma, se exercita na prática do amor ao próximo, necessário ao seu progresso espiritual e a que no mundo aumente o bem.

Tudo isto, em cumprimento das leis divinas, tanto das que regem os domínios da matéria, como das que regulam o domínio do sentimento moral e o domínio espiritual.

Pregar contra a prática da caridade, entre espíritas, é um erro enorme, bem como contra a esmola. A Caridade é, na ordem material, a esmola enobrecida, elevada à mais alta potência.

Não se pode condenar a esmola, porque é a porta por onde o sentimento caritativo penetra, Os prelúdios da caridade são a esmola. Os espíritos que começam a desenvolver os sentimentos generosos que devem desabrochar de suas almas, têm que começar pela esmola, do mesmo modo que o iletrado tem que começar a aprender a ler pelo alfabeto. Condenar a esmola é privar as almas atrasadas de se iniciarem no desenvolvimento dos nobres sentimentos que um dia hão de converte-las em espíritos excelsos.

Por outro lado, os desvalidos necessitam do abandono e da escassez de recursos em que se acham para resgatar os séculos que perderam no erro e na ociosidade, na violação da lei divina do bem. Fora priva-los do bem que lhes deve proporcionar a sua condição miserável e humilhante, o coloca-los numa condição que não lhes permitisse resgatar suas dívidas e humilhar-se, para depois se elevarem, por efeito da humilhação sofrida.

Conseguintemente, precisa cessar de vez, entre os espíritas, o equívoco, em que muitos permanecem, de condenarem a esmola e a caridade, mesmo sob seu aspecto material, porque uma e outra estão reguladas pelas leis morais, pelas necessidades dos espíritos, tanto indigentes como desamparados e sofredores, e não se pode emendar as leis de Deus.

Bom é prevenir para evitar, na medida do possível, que haja indigentes e desvalidos; porém, sem que por isso se anatematize o dadivoso, nem condene a esmola ou a caridade. Demais, a Caridade é a síntese de todas as virtudes; nela estão compreendidas a benevolência, a indulgência, a tolerância, a generosidade, o altruísmo, etc., etc., todas as boas qualidades que possam tornar amistosas as nossas relações com outros espíritos. Portanto, a própria fraternidade se contém da Caridade, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade. A Caridade é a rainha das virtudes e condena-la, entre os espíritas, é uma inconcebível monstruosidade.

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