Inspirações
– 6
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Julho 1923
EQUÍVOCO QUE DEVE TERMINAR
Em face da afirmação católica, que se apresenta
com honras de dogma: “Fora da Igreja não há salvação”, o mestre, Sr. Allan
Kardec, interpretando o pensamento dos Espíritos elevados, que colaboraram na codificação
da doutrina espírita, instituiu este princípio: “Sem caridade não há salvação”,
afirmação esta valorizada pelas mais excelsas entidades espirituais que se tem
comunicado com o homem.
Não obstante ser assim, ser isso, para os
espíritas de convicções inabaláveis, um postulado, certos inovadores, nos
tempos modernos, entendem - com legítimo direito, forçoso é reconhece-lo - que
devem fazer coro com os adeptos de outras escolas, que se supõem figurar na
vanguarda do progresso, apesar de negarem a Causa Suprema e até a imortalidade
da alma, negando capacidade regeneradora à Caridade; mais ainda:
estigmatizando-a, como algo de funesto, de degradante, que se deve proscrever.
Destes, os que não militam nas fileiras
espíritas estão no seu campo, têm certa razão dentro de sua lógica especial,
baseada em suas ideias e erros, sustentados como verdades inconcussas; porém,
não estão com a razão espirita os adeptos desta escola, sustentando ideias tão
opostas ao princípio escrito com caracteres do ouro, como postulado que não
admite discussão, no frontispício do edifício que a Nova Revelação está
levantando e firmando sobre as ruínas do mundo velho.
Sei que os que condenam a Caridade e militam
nas fileiras espíritas não pecam por falta de sentimentos caritativos, pois
muitos deles cultivam o altruísmo com verdadeiro fervor, praticando-o com toda
a amplitude que lhes permitem as circunstâncias. São os primeiros em tributar
culto sagrado à Caridade, com suas obras, ao mesmo tempo que a condenam com
suas palavras. Mas isso, que reconheço fazendo-lhes justiça, não os exime de
certa responsabilidade, por não procurarem ir até ao fundo da ideia, para não
deixar incompreendido tudo quanto ela permite saber. Eis porque me atrevo a
chamar, para a sua inconsequência, a atenção dos espíritas que assim pensam e
se conduzem. Porque, conseguido que retificassem o errôneo conceito que formam
da Caridade a que, hoje, sem o pretenderem, rendem homenagem com suas obras e
ainda com suas palavras e sua pena, em a maioria dos casos, o culto
tributado a tão excelsa virtude o seria sem reservas, completo, substituídos a
crítica acerba, a censura inconsciente, o anátema imprudente, pelo elogio
sincero, pela apologia conscienciosa, pela recomendação eficaz à sua prática e
a que seja venerada e adorada por todos
os seres, com ânsias verdadeiras de progresso espiritual.
Erro de conceito é o que se verifica, a tal
respeito, com esses queridos irmãos,
que em outros assuntos são apóstolos
dedicados da verdade e do bem.
Supõem que se pode prescindir da Caridade, limitando
consideravelmente o alcance da ideia que ela abrange. Confundem-na quase
exclusivamente com a dádiva com que se pretende beneficiar a indigência e que
constitui o aspecto inferior da Caridade.
Sem embargo, não se pode condenar tampouco a
caridade material, como não se pode condenar a esmola, por mais que protestem
contra ela, pelo seu aspecto deprimente. Humilhação consideram o recebimento do
óbolo que é depositado nas mãos de um mendigo, que a estende implorando uma
esmola pelo amor de Deus. Porém, os espíritas que assim consideram o fato não
raciocinam, atentos à sua doutrina, que o deprimente e humilhante foi a conduta
que deu lugar à situação em que se encontra o mendicante. Quanto à sua condição
atual, se ele a souber suportar com dignidade, ela o enobrece e eleva. Qual
quereriam os espíritas, que condenam a esmola e a caridade material, fosse a
sanção da lei de justiça, imanente em todas as coisas, tanto na ordem física,
como na ordem moral, para os que a conculquem (pisem)? Para o que abusou do poder, dilapidou os bens
próprios e os alheios, usurpou o patrimônio de outrem, que é o que mais
logicamente convém do que renascer na condição oposta, para
normalizar o que perturbou, para reparar os males que causou?
Que é o que faz o maltrapilho senão satisfazer à
justiça que ele próprio, antes, escarneceu e menosprezou?
Humilhante a esmola! humilhante a caridade
material! Não; enaltecem a quem, necessitando delas, as aceita e enaltece também
a quem de todo o coração e por amor ao próximo as pratica.
Que os mendicantes podem cometer abusos; que, à
sombra do costume estabelecido universalmente da esmola, podem fazer da
mendicidade uma profissão, em prejuízo da probidade, do hábito do trabalho, da
virtude de adquirir o pão com o suor do próprio esforço, é exato. Porém,
pode-se remediar a isso? Se já estivesse garantida a existência de todos os leprosos de alma e de
corpo que por aí pululam; se o viandante tivesse a certeza de que, a nenhum
verdadeiro indigente ou necessitado de auxílio, faltava o necessário, ou a assistência
que seu mal exige, poder-se-ia negar o óbolo ao que estende a mão e fazer
ouvidos de mercador à queixa do que se mostra aflito. Mas, essa certeza não
existe. Todos os que conhecem aa coisas do mundo sabem que faltam proteção e assistência
ao necessitado e ao desvalido. 0ra, sendo assim, como pode uma alma nobre e
generosa deixar de ouvir a voz do mendicante, quando lhe estende a mão trêmula
solicitando uma esmola pelo amor de Deus, do Pai amoroso, que ordena a seus
filhos que se amem como irmãos, se protejam em suas necessidades e considerem
como feito a Ele próprio o bem que uns aos outros fizerem?
Poderá uma alma generosa e compassiva ouvir
indiferente a súplica que um seu irmão lhe dirige, não tendo a certeza de que a
esse irmão o auxílio que ele pede venha por outro conduto? Nem no primeiro
caso, nem no segundo, uma alma, generosa e caritativa, conforme o conceito cristão,
ou simplesmente altruísta, conforme a maneira moderna de considerar-se esta
qualidade nobre, pode mostrar-se impassível, nem, por entender que a esmola e a
caridade material humilham e deprimem, que é uma mancha para a sociedade a
existência dos hospitais e asilos, deixar de dar a esmola e de praticar a
caridade sob aquelas formas, de auxiliar e proteger, não só os que gemem, como
as casas pias que albergam e auxiliam os que sofrem e os desvalidos.
É condição do atual período do progresso
humano, como o foi de todos os anteriores períodos por que têm passado a
humanidade, que haja pobres, desamparados e aflitos. Por conseguinte, necessário
se tornam ainda hoje, como outrora, a esmola, o auxilio, em suas várias
modalidades, a caridade material e a caridade moral.
Demais, as condições em que vivem ou nascem os
necessitados e os desamparados são uma consequência do passado de seus respectivos
espíritos. Portanto, essas condições precárias e mesmo miseráveis de vida e de
sofrimento são necessárias ao progresso deles, como dos outros homens, que
precisam ter continuamente ocasião de desenvolver em si os sentimentos
generosos, o amor aos seus semelhantes. Tais ocasiões oferecem-nas os
mendicantes e os que sofrem ao desamparo, ou sem meios suficientes para atender
às suas enfermidades.
Desta maneira, o próprio mal é portador do bem.
Um bem recebem os verdadeiros necessitados, desamparados e sofredores, quando
alguém lhes vai em auxílio e um bem recebem, igualmente, os que se sentem
inclinados a amenizar a desgraça do próximo e o fazem com sacrifício de seus
haveres e de suas pessoas.
A gratidão que nasce no íntimo daquele que
recebe é para ele um benefício, pois que lhe desenvolve na alma um sentimento
nobre e o prepara para fazer o mesmo, quando inversa for no futuro sua posição.
Aprende também, pelo seu mesmo estado de miséria e aflições, a amar a virtude e
a aborrecer o vício, à vista dos exemplos que colhe, da experiência que adquire
e das advertências que lhe vêm do interior, por misericórdia divina. E aquele
que dá, além de enobrecer e elevar sua alma, se exercita na prática do amor ao
próximo, necessário ao seu progresso espiritual e a que no mundo aumente o bem.
Tudo isto, em cumprimento das leis divinas,
tanto das que regem os domínios da matéria, como das que regulam o domínio do
sentimento moral e o domínio espiritual.
Pregar contra a prática da caridade, entre
espíritas, é um erro enorme, bem como contra a esmola. A Caridade é, na ordem
material, a esmola enobrecida, elevada à mais alta potência.
Não se pode condenar a esmola, porque é a porta
por onde o sentimento caritativo penetra, Os prelúdios da caridade são a esmola.
Os espíritos que começam a desenvolver os sentimentos generosos que devem
desabrochar de suas almas, têm que começar pela esmola, do mesmo modo que o
iletrado tem que começar a aprender a ler pelo alfabeto. Condenar a esmola é
privar as almas atrasadas de se iniciarem no desenvolvimento dos nobres
sentimentos que um dia hão de converte-las em espíritos excelsos.
Por outro lado, os desvalidos necessitam do
abandono e da escassez de recursos em que se acham para resgatar os séculos que
perderam no erro e na ociosidade, na violação da lei divina do bem. Fora priva-los
do bem que lhes deve proporcionar a sua condição miserável e humilhante, o coloca-los
numa condição que não lhes permitisse resgatar suas dívidas e humilhar-se, para
depois se elevarem, por efeito da humilhação sofrida.
Conseguintemente, precisa cessar de vez, entre
os espíritas, o equívoco, em que muitos permanecem, de condenarem a esmola e a
caridade, mesmo sob seu aspecto material, porque uma e outra estão reguladas
pelas leis morais, pelas necessidades dos espíritos, tanto indigentes como
desamparados e sofredores, e não se pode emendar as leis de Deus.
Bom é prevenir para evitar, na medida do possível,
que haja indigentes e desvalidos; porém, sem que por isso se anatematize o dadivoso,
nem condene a esmola ou a caridade. Demais, a Caridade é a síntese de todas as
virtudes; nela estão compreendidas a benevolência, a indulgência, a tolerância,
a generosidade, o altruísmo, etc., etc., todas as boas qualidades que possam
tornar amistosas as nossas relações com outros espíritos. Portanto, a própria
fraternidade se contém da Caridade, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade.
A Caridade é a rainha das virtudes e condena-la, entre os espíritas, é uma
inconcebível monstruosidade.
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