sexta-feira, 23 de agosto de 2019

De Victor Hugo



De Victor Hugo
a Redação
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Victor Hugo, uma das maiores glórias literárias que o Mundo já possuiu, foi espírita. Sua conversão à Doutrina dos Espíritos começou pelas experiências realizadas com a médium Sra. Emile de Girardin, às quais ele assistiu em Jersey, a partir 1853.

Em muitas outras ocasiões, e com diferentes médiuns, Victor Hugo teve a feliz oportunidade de comprovar a comunicação dos chamados "mortos" com os vivos daqui da Terra.

Há dele um lindo discurso pronunciado em Guernsey, junto ao túmulo da jovem Emilly Putron, o qual, por sua beleza, por sua simplicidade e pelo conforto e resignação que traz, de novo registraremos em nossas páginas, transcrevendo do nosso número de 15 de Novembro de 1886, em tradução feita do ‘Spiritisme’ de Setembro de 1886. Ei-lo:

“Com o intervalo de algumas semanas temo-nos ocupado de duas irmãs. Ontem, casávamos uma; hoje, aqui estamos para sepultar a outra. Eis o perpétuo palpitar da vida: Inclinemo-nos, irmãos, ante o severo destino.

Inclinemo-nos com esperança. Nossos olhos são feitos para chorar, e também para ver; nosso coração para sentir, e também para crer.

A fé em uma outra vida é oriunda de nossa faculdade de amar. Não o esqueçamos, em nossa vida inquieta e só fortalecida pelo amor: é o coração quem crê. O filho conta tornar a ver seu pai; a mãe não admite que o filho lhe seja
arrebatado para sempre.

É nesta repulsa ao nada que está a grandeza do homem. O coração não pode errar. A carne é um sonho e, como tal, se dissipa; esse desaparecimento, se fosse o fim do homem, tiraria à nossa existência toda a sanção. Não nos podemos  contentar com esse fumo, chamado matéria: precisamos de uma certeza.

Aquele que ama, sabe que na Terra lhe falecem pontos de apoio; amar é viver além da vida; sem esta fé, nenhum dom profundo do coração seria possível. Amar, que é o fim do homem, seria então o seu suplício; o paraíso seria um inferno. Não, digamo-la bem alto, a criatura amante exige a imortalidade; o coração tem necessidade da alma.

Há um coração neste esquife, e esse coração está vivo, e neste momento escuta as minhas palavras.

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Desde o berço, todos os mimos a cercavam; cresceu feliz, e repartia com os outros a sua felicidade. Amada, ela amava; e agora foi-se!

Partiu, mas para onde? para a sombra? Não. Nós é que estamos na sombra. Ela, ela está na aurora.

Ela está na luz da verdade, na realidade, na recompensa. Os que morrem jovens, sem ter na vida feito mal algum, são os bem-vindos da tumba; suas cabeças se elevam docemente do fosso para receber misteriosa coroa. Emily de Putron foi buscar lá em cima a serenidade suprema, o complemento das existências inocentes. Mocidade, ela partiu para a eternidade: beleza, para o ideal; esperança, para a certeza; amor, para o infinito; pérola, para o oceano: espírito, para Deus.

Vai, alma!

O prodígio dessa grande partida, a que chamamos morte, está em se não afastarem de nós aqueles que partem.

Eles se acham em um mundo de luz, mas assistem, testemunhas enternecidas, no nosso de trevas. Eles estão no alto, e estão junto de nós. Oh! quem quer que sejais, que já vistes desaparecer na tumba um ente querido, não vos acrediteis abandonados por ele. Ele está sempre aí ao vosso lado mais que nunca. A beleza da morte é a presença, presença inexprimível das almas amadas, sorrindo aos nossos olhos lacrimosos.

O ser chorado desapareceu, mas não partiu.

Não vemos mais seu belo semblante, mas nos sentimos sob suas asas. Os mortos se tornam invisíveis, mas não se ausentam.

Façamos justiça à morte; não lhe sejamos ingratos. Ela não é, como se diz, um desmoronamento, uma traição. É um erro crer-se que na obscuridade do túmulo tudo se perde. Aí, ao contrário, tudo se acha. A tumba é um lugar de restituição. Aí, a alma reconquista o infinito, recobra a sua plenitude. Aí, ela reentra na posse de toda a sua misteriosa natureza, libertada do corpo, das necessidades, do pesado fardo e da fatalidade, A morte é a maior das liberdades, e também o maior dos progressos. A morte é a elevação de tudo o que viveu, a um grau superior, ascensão deslumbrante e sagrada em que cada um recebe o seu aumento. Tudo que s transfigure na terra, aí se torna belo; o que foi belo, se torna sublime; o que foi sublime, torna-se bom.

Eu abençoo ao ente nobre e gracioso que descansa neste fosso. Emily foi uma dessas almas encantadoras reentradas. Eu a abençoo na profundeza sombria, em nome das aflições sobre as quais ela espargiu seus doces raios, em nome das provas do destino, acabadas para ela e continuadas para nós, em nome de tudo o que ela esperava outrora e que hoje obtém, em nome de tudo que ela amou; eu a abençoo em sua beleza, em sua mocidade, em sua doçura, em sua vida e em sua morte; eu a abençoo em suas alvas roupas mortuárias, em sua casa que ela deixa desolada, em seu esquife que sua mãe encheu de flores e que Deus vai encher de estrelas...”


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