De Victor Hugo
a Redação
Reformador (FEB)
Janeiro 1951
Victor Hugo, uma das maiores glórias literárias que o
Mundo já possuiu, foi espírita. Sua conversão à Doutrina dos Espíritos
começou pelas experiências realizadas com a médium Sra. Emile de Girardin, às
quais ele assistiu em Jersey, a partir 1853.
Em muitas outras ocasiões, e com diferentes médiuns, Victor
Hugo teve a feliz oportunidade de comprovar a comunicação dos chamados
"mortos" com os vivos daqui da Terra.
Há dele um lindo discurso pronunciado em Guernsey, junto
ao túmulo da jovem Emilly Putron, o qual, por sua beleza, por sua simplicidade
e pelo conforto e
resignação que traz, de novo registraremos em nossas páginas, transcrevendo do
nosso número de 15 de Novembro de 1886, em tradução feita do ‘Spiritisme’ de Setembro de 1886. Ei-lo:
“Com o intervalo de algumas semanas
temo-nos ocupado de duas irmãs. Ontem, casávamos uma; hoje, aqui estamos para
sepultar a outra. Eis o perpétuo palpitar da vida: Inclinemo-nos, irmãos, ante
o severo destino.
Inclinemo-nos com esperança. Nossos
olhos são feitos para chorar, e também para ver; nosso coração para sentir, e também
para crer.
A fé em uma outra vida é oriunda de
nossa faculdade de amar. Não o esqueçamos, em nossa vida inquieta e só fortalecida
pelo amor: é o coração quem crê. O filho conta tornar a ver seu pai; a mãe não
admite que o filho lhe seja
arrebatado para sempre.
É nesta repulsa ao nada que está a grandeza
do homem. O coração não pode errar. A carne é um sonho e, como tal, se dissipa;
esse desaparecimento, se fosse o fim do homem, tiraria à nossa existência toda
a sanção. Não nos podemos contentar com
esse fumo, chamado matéria: precisamos de uma certeza.
Aquele que ama, sabe que na Terra lhe
falecem pontos de apoio; amar é viver além da vida; sem esta fé, nenhum dom
profundo do coração seria possível. Amar, que é o fim do homem, seria então o
seu suplício; o paraíso seria um inferno. Não, digamo-la bem alto, a criatura amante
exige a imortalidade; o coração tem necessidade da alma.
Há um coração neste esquife, e esse
coração está vivo, e neste momento escuta as minhas palavras.
...................................................
Desde o berço, todos os mimos a
cercavam; cresceu feliz, e repartia com os outros a sua felicidade. Amada, ela
amava; e agora foi-se!
Partiu, mas para onde? para a sombra? Não.
Nós é que estamos na sombra. Ela, ela está na aurora.
Ela está na luz da verdade, na
realidade, na recompensa. Os que morrem jovens, sem ter na vida feito mal algum,
são os bem-vindos da tumba; suas cabeças se elevam docemente do fosso para
receber misteriosa coroa. Emily de Putron foi buscar lá em cima a serenidade suprema,
o complemento das existências inocentes. Mocidade, ela partiu para a
eternidade: beleza, para o ideal; esperança, para a certeza; amor, para o
infinito; pérola, para o oceano: espírito, para Deus.
Vai, alma!
O prodígio dessa grande partida, a que
chamamos morte, está em se não afastarem de nós aqueles que partem.
Eles se acham em um mundo de luz, mas assistem,
testemunhas enternecidas, no nosso de trevas. Eles estão no alto, e estão junto
de nós. Oh! quem quer que sejais, que já vistes desaparecer na tumba um ente
querido, não vos acrediteis abandonados por ele. Ele está sempre aí ao vosso
lado mais que nunca. A beleza da morte é a presença, presença inexprimível das almas
amadas, sorrindo aos nossos olhos lacrimosos.
O ser chorado desapareceu, mas não
partiu.
Não vemos mais seu belo semblante, mas
nos sentimos sob suas asas. Os mortos se tornam invisíveis, mas não se
ausentam.
Façamos justiça à morte; não lhe
sejamos ingratos. Ela não é, como se diz, um desmoronamento, uma traição. É um
erro crer-se que na obscuridade do túmulo tudo se perde. Aí, ao contrário, tudo
se acha. A tumba é um lugar de restituição. Aí, a alma reconquista o infinito, recobra
a sua plenitude. Aí, ela reentra na posse de toda a sua misteriosa natureza,
libertada do corpo, das necessidades, do pesado fardo e da fatalidade, A morte
é a maior das liberdades, e também o maior dos progressos. A morte é a elevação
de tudo o que viveu, a um grau superior, ascensão deslumbrante e sagrada em que
cada um recebe o seu aumento. Tudo que s transfigure na terra, aí se torna
belo; o que foi belo, se torna sublime; o que foi sublime, torna-se bom.
Eu abençoo ao ente nobre e gracioso que
descansa neste fosso. Emily foi uma dessas almas encantadoras reentradas. Eu a
abençoo na profundeza sombria, em nome das aflições sobre as quais ela espargiu
seus doces raios, em nome das provas do destino, acabadas para ela e continuadas
para nós, em nome de tudo o que ela esperava outrora e que hoje obtém, em nome de
tudo que ela amou; eu a abençoo em sua beleza, em sua mocidade, em sua doçura,
em sua vida e em sua morte; eu a abençoo em suas alvas roupas mortuárias, em
sua casa que ela deixa desolada, em seu esquife que sua mãe encheu de flores e
que Deus vai encher de estrelas...”
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