Um
precursor esquecido: Daniel
Dunglas Home
por
Hermínio Miranda
Reformador
(FEB) Abril 1972
A observação apaixonada do imenso painel
da História revela a nítida interferência dos poderes superiores nos impulsos criadores
e renovadores da humanidade. Em outras palavras mais simples: A História é um jogo
inteligente de forças espirituais, com motivação e destinação espirituais. Se
fosse preciso demonstra a demonstrar a tese, bastaria tomar o exemplo
do movimento espiritual desencadeado em 1848, em Hydesville, nos Estados Unidos.
E mais ainda: vemos que as genuínas correntes
históricas trazem em si mesmas um ímpeto irresistível, que mesmo as
imperfeições, fraquezas e deserções humanas não conseguem deter. As meninas da família
Fox, certamente incumbidas pelos seus mentores espirituais do trabalho inicial,
não resistiram à pressão insuportável das forças adversárias e acabaram passando a si próprias atestados
de fraude, para, depois, desmentirem o desmentido. Isso levou Harry Price (in
"Fifty Years of Psychical Research") a oferecer ao leitor duas
alternativas: Margareth Fox foi médium fraudulento ou uma grande mentirosa. As
alternativas de Price – como, aliás, muitos dos seus comentários – são
impiedosos e extremados. É inegável que elas produziram fenômenos autênticos
que, na época, despertaram paixões violentas naqueles que não suportam ver seus
interesses e suas crenças sacudidos pela base. Posteriormente, comercializaram
suas faculdades - caminho mais fácil e direto para a fraude consciente. É possível
que, para se verem livres da pressão social, tenham resolvido “confessar” que fraudavam,
do que mais tarde se arrependeram. Não
é justo pregar rótulos cruéis em seres humanos dos quais não conhecemos direito
as motivações, o ambiente em que viveram, as coisas que experimentaram, as
coações que sofreram, as aflições por que
passaram.
O que se pretende evidenciar aqui é
que, a despeito da fragilidade humana, a marcha da espiritualização da humanidade
segue em frente e, como nos é permitido saber às vezes, aqueles que perseguem e
ridicularizam médiuns costumam voltar mais tarde, em outras vidas, como
médiuns.
Uma vez disparados os dispositivos
da “revolução espiritual", em 1848, vemos que uma verdadeira constelação de
médiuns, das mais variadas faculdades, começou a despertar pelo mundo afora. No
espaço de algumas décadas, meados do século dezenove até ao princípio do século
vinte, viveram centenas de bons médiuns, muitos dos quais foram experimentados
a sério pelos grandes cientistas da época. Mencionamos apenas alguns, dos mal
famosos: as três jovens Fox, Daniel Dunglas Home, Eusápia Palladino, Florence Cook,
Eva C. (Carrière), Madame D’Esperance (Elizabeth Hope), WIIIi e Rudy Schneider
(conterrâneos de Adolf Hitler), Fransck Kluski, Leonore Piper, Julian Ochorowicz,
Henri Slade e outros.
Claro que na posição de pioneiros de
um movimento criado para renovar o pensamento humano não foi fácil a tarefa desses
precursores. Precisamos conceder a cada um larga margem de compreensão e tolerância
pelas falhas humanas que porventura tenham demonstrado, mesmo porque no não tinham
ainda um corpo doutrinário consolidado em que se apoiassem para compreender suas
próprias faculdades e orientar o exercício de suas tarefas. Além do mais, como
portadores de recursos insólitos, mal compreendidos e pouco estudados, viam-se,
de repente, sob o foco de atenções e solicitações, como foco de um outro mundo
que todos queriam ver, apalpar e examinar. Era difícil resistir às tentações,
às ofertas de dinheiro e ao cortejo dos grandes e poderosos da época, tanto quanto os ódios e à hostilidade de muitos.
Ninguém enfrentou maior dificuldades
nesse campo do que Daniel Dunglas Home, cuja existência é uma legenda que ainda hoje
parece a muitos enigmática. Há uma verdadeira torrente de livros e referências
sobre esses homem curioso, que tinha livre acesso
às brilhantes cortes europeias do século passado.
Home nasceu numa vila chamada Currie,
perto de Edinburgh, na Escócia, a 20 de março de 1833. Sabe-se que sua família também
possuía faculdades psíquicas. Seu pai era ligado à nobre família dos Homes, de
Dunglas. O médium dizia que seu pai era filho ilegítimo do décimo “earl” de
Home. (1)
Jean Burton, na excelente biografia
de Home – “Herday of a Wizard”, publicada por Georp G. Harrap em 1948 – comenta
a dificuldade que enfrentaram os contemporâneos do médium para entendê-lo e
classificá-lo. Não era um artista do palco nem um religioso. Gostava de ser recebido como igual e que
jamais ninguém se lembrasse de ofertar-lhe dinheiro pelas suas sessões. Aceitava
porém, jóias - de que muito gostou, até o fim da vida – roupas, casacos de
pele, temporadas em elegantes estações de água e coisas desse teor: dinheiro,
não. Como seria sua aparência?
A Princesa de Metternich o descreve
assim: “Estatura mediana, magro, corpo bem construído; vestido de boas roupas,
com gravata branca, parecia um “gentleman” da mais elevada posição. Seu rosto
era atraente na sua expressão de suave melancolia. Era pálido,
de olhos azuis de porcelana, - olhos penetrantes, um tanto sonolentos – cabelos
avermelhados, espessos, abundantes mas não longos demais, não gaforinha de
pianista ou de vioIinista; em suma, er de aparência agradável, nada de extraordinário,
a não ser, talvez, a palidez da pele que parecia natural, no seu contraste com
o cabelo vermelho e a barba”.
Por motivos que não ficaram bem claros,
com um ano de idade o menino foi viver com uma tia casada, sem filhos, a Sra.
Mary McNeal Cook, com quem passou uma infância normal, num lugar chamado Portobello.
Quando Danel tinha nove de Idade, a família Cook mudou-se para os Estados
Unidos, onde já se encontravam os pais de Home, desde 1840, com os seus seis
filhos. Tia Mary foi morar em Greenville, no Estado de Connecticut. Como os
pais viviam perto, Daniel visitava-os de vez em quando.
Sua saúde era precária, tossia muito
e tinha desmaios. Mais tarde, transmitiria sua tuberculose a primeira esposa Sacha,
sobrevivendo-lhe, no entanto, por muitos anos. Já então começavam sua experiência
psíquicas; uma das primeiras foi a visão e seu amigo Edwin, recentemente
falecido. Informam também os biógrafos que o menino foi orador precoce,
muito fluente e com entonações de pregador sacro, gostando de recitar versos
sentimentais religiosos e pequenos discursos sobre o pecado, a prece e morte.
A tranquila vida na casa dos Cook, no
entanto, começou a ser perturbada pelos fenômenos físicos que assustavam toda a
gente, a começar pelo jovem Home. Eram batidas
por toda parte e movimento de móveis e utensílios pela casa. Certa vez, uma cadeira
persegui-o no seu próprio quarto. Daniel, apavorado, não sabia o que fazer, pois
a peça ficara entre ele e a porta de saída. A um passo, a cadeira parou, ele saltou
rápido por cima dela, apanhou o chapéu e saiu para a rua, para botar as ideias no
lugar tentando compreender o fenômeno. Para encurtar a história: tia Mary, de rígida
formação protestante, deve ter achado que o sobrinho tinha parte com o demônio e
que era melhor ele deixar a casa, o que fez imediatamente. É curioso que não tenha
procurado a casa dos pais e sim a de uns amigos. Foi assim que iniciou sua vida
de peregrinação de casa em casa, alí
mesmo por New England (1), prelúdio da futura peregrinação de palácio em palácio
na Europa.
Suas maneiras eram gentis, “era afetuoso
nas expressões de gratidão – diz Jean Burton – rápido em tomar a cor local, eminentemente
adaptável, sempre pronto para ajudar as crianças nos seus deveres, brincar com
o gato ou admirar o desenho de uma nova manta.
A natureza preparou-o, enfim, para ser o hóspede perfeito".
No verão de 1851, o Dr. George Busch
descobriu Home e quis fazer dele um pregador da New Church (2). Busch, homem de
grande cultura, era professor de Línguas Orientais na Universidade de Nova
York. Home achou boa a ideia e aceitou o oferecimento mas em 48 horas voltou ao
professor para desfazer o trato, porque o Espírito de sua mãe o aconselhara nesse
sentido. “Meu filho, dissera ela, você não deve aceitar essa bondosa oferta, porque sua missão é mais, ampla que pregar do púlpito.”
E assim foi feito.
Já então o jovem Home começava a incomodar
o clero das religiões estabelecidas, muito embora durante a sua vida buscasse
viver em bons termos com ele. Foi sucessivamente metodista, congregacionalista
e católico, terminando na Igreja Ortodoxa Grega. É que suas sessões mediúnicas
passaram a despertar enorme interesse do público e da imprensa. Sacerdotes e ministros
certamente, não se sentiam bem diante daquele rapazinho que fascinava suas ovelhas
com fenômenos Insólitos. Home, com modéstia e sinceridade quase inocente,
devolvia “as mais amargas vituperações”, dizendo mansamente: "Ao passo que
as Igrejas estão perdendo seus prosélitos, seus fenômenos estavam
“trazendo mais conversos às grades da imortalidade do que todas as seitas cristãs,
tornando impossível as ideias materialistas e céticas, infelizmente tão preponderantes
nas classe educadas.
Esse engano de achar que a Igreja deveria
receber o Espiritismo da braços abertos foi comum entre os médiuns da primeira
hora e até mesmo entre alguns espíritas. O raciocínio lógico é perfeitamente
lógico e razoável: se um dos principais pontos de sustentação do Cristianismo é a sobrevivência da alma,
era de esperar-se que a Igreja acolhesse com sofreguidão os métodos experimentais
que demonstravam tal realidade. Mas, nem sempre os homens agem dentro da lógica,
especialmente quando estão em jogo suas posições, seus
interesses, suas crenças, seus temores e suas paixões.
Foi nessa época que Home se tornou
amigo de uma das figuras lendárias do Espiritismo nascente, o Juiz John Edmonds,
da Corte Suprema de Nova York.
Em 8 de agosto de 1852 em casa de Ward
Cheney, de conhecida família de industriais da seda, Home levitou pela primeira
vez.
Repetiria esse fenômeno inúmeras
vezes, ao longo da sua carreira, sob as condições mais estranhas e sob os olhos
atônitos de testemunhas do mais alto gabarito.
Gostava de que as reuniões se
realizassem com pouca gente – seu número ideal eram nove pessoas, inclusive
ele, Home. Os Espíritos insistiam em que não houvessem cães no aposento das
sessões, que ninguém fumasse e, por alguma razão obscura, não gostavam que Home
sentasse em almofadas de seda.
Os fenômenos eram muitos e variados e
quase sempre em plena claridade. Os móveis levitavam, dançavam e batiam
ritmadamente. Sinos e campainhas sobre os móveis eram sacudidos, mãos
materializadas moviam objetos menores e flores, ou tocavam acordeão. Espíritos
se materializavam de corpo inteiro, trazendo ”aportes”. De uma vez trouxeram
uma plantinha que foi colocada num vaso de terra e “pegou”. Fenômeno curiosíssimo
era o alongamento do corpo de Home, repetido sob condições de controle, no qual
o médium crescia a vista de todos, seis ou outro polegadas, ultrapassando o
tamanho da roupa. Mais para o fim de sua carreira extraordinária, desenvolveu a
faculdade da incombustibilidade, apanhava brasas vivas com as mãos, sem
queimar-se. De uma vez, mergulhou todo o seu rosto num braseiro, sem que sofresse
absolutamente nada. Além disso, transmitia mensagens escritas e faladas – hoje chamada
psicográficas e psicofônicas - de Espíritos relacionados com os presentes.
É
fácil de imaginar-se a tremenda sensação que esses fenômenos provocavam entre
aqueles que tinham a ventura de desfrutar da amizade do jovem Home, pois ele insistia
em realizar suas proezas apenas para os amigos, que o hospedavam á vezes por
longas semanas
e até meses. Um certo Dr. Gerald Hull, que lhe ofereceu um dia dinheiro pelo seu
trabalho, acabou reconhecendo que tinha cometido erro imperdoável: havia proposto
a Home pagar-lhe as despesas e mais cinco dólares por dia. O médium ficou
ofendido e Hull desculpou-se, hospedando
Home em sua casa em base puramente social.
Nesse tempo alguém lembrou que o médium
tinha ainda muito pouca instrução e que
convinha prepara-lo melhor, pois pensavam
em destiná-lo à medicina. Com esse propósito, o Dr. Hull matriculou o jovem
num instituto local – isso em Newburgh, sobre o
Hudson, para que Home estudasse alemão, francês e fizesse um curso pré-médico.
No outono, ele seguiu para Nova York a fim de matricular-se na Faculdade de
Medicina, mas uma série de acontecimentos impediu que isto se concretizasse e
assim se perdeu um médium-médico. Home voltou para Hartford, esteve em Springfield
e depois seguiu para Boston, onde ficou conhecendo a família Jarves, amigos do
famoso casal Browning. Os caminhos de Home e dos Browning haviam de cruzar-se
várias vezes, de futuro, sob estranhas condições e extrema tensão.
Nessa altura, com a saúde precária,
Home resolveu partir para a Inglaterra, cujo clima, certamente, não se recomendava
para ele. Não era fácil, ainda mais, separar-se de seus bons amigos que o
acolhiam e o respeitavam e partir para a grande aventura do Desconhecido,
mas seus amigos espirituais lhe diziam que ele deveria ir “e seus conselhos não
poderiam ser ignorados”. E assim, a 31 de março de 1855, parte ele “pálido,
magro, tuberculoso, com a voz e a roupa muito bem cuidadas, 22 anos de idade –
para empreender a conquista da lnglaterra".
São palavras de sua biógrafa.
Levou uma carta de apresentação para
um certo Mr. William Cox, dono de um hotel de mesmo nome, onde se hospedou. Cox
recebeu o jovem médium como a um filho. E, com certeza, não lhe cobrava a hospedagem.
Dentro em pouco, Home estava
causando sensação com as suas extraordinária faculdades mediúnicas,
especialmente nas redes mais sofisticadas da sociedade britânica. Continuava a
insistir em que não compreendia suas faculdades, pois era simplesmente
instrumento de seus amigos espirituais, aos quais não podia comandar à sua
vontade. EIes vinham quando queriam e faziam o que desejavam fazer.
Foi nessa época que Home e os
Brownings se enncontraram pela primeira vez. Robert e Elizabeth – depois da
fuga sensacional que realizaram para casar-se – voltavam à Inglaterra pela
primeira vez em visita, pois viviam em Florença desde o casamento. Elizabeth,
poetisa tão famosa quanto seu marido, não cabia em si diante das fantásticas
demonstrações de Home. Em 13 de julho de 1855 escreve para sua irmã Henrietta: “...
Ouanto a Home (1) – vamos vê-lo, e eu te direi. É a pessoa mais interessante para
mim na Inglaterra, tanto de Somersetshire do número 50 da Wimpole Street... (2)
Elizabeth, não se decepcionou com
Daniel Dunglas Home; ao contrário viu confirmadas as suas expectativas, não só
pela fama do médium e autenticidade dos fenômenos, com também pela certeza que
ele lhe trazia da sobrevivência do Espírito, que, para ela, que há muito tempo
vinha lendo e experimentando nesse campo – era pacífica. Quanto a Robert, não
se pode dizer o mesmo. Ao contrário, o
poeta manifestou, com relação ao médium, uma hostilidade agressiva, da qual não
fazia nenhum segredo. Mais tarde, escreveria um longo e elaborado poema no mais
duro estilo satírico, inspirado em Home. Chamou-lhe “Mister Sludge, the
Medium”. Sludge, que aí aparece como
nome próprio, significa lama, massa barrenta ou untuosa. Em carta a um amigo,
certa vez, Robert usou uma expressão tão rude que não poderia ser aqui
reproduzida.
O desacerto Home-Browning teria
sequência em outras oportunidades, de modo especial em Florença, pouco tempo
depois, durante uma visita do médium à colônia inglesa rica, aristocrática e
intelectual, que por lá vivia por causa do bom clima e da vida barata. Quando
Elizabeth soube que ele estava em Florença, escreveu com grande entusiasmo à sua
infalível irmã Henriquetta, dizendo que uma amiga - Sra. Williiam Burnet
Kinney, esposa do ministro americano (embaixador) na Sardínia, “que costumava
ser tão violento com os Espíritos como Robert” acabou se convencendo de que era
totalmente impossível atribuir à fraude os fenômenos produzidos por Home.
"Os fenômenos produzidos por Home em Florença - prossegue
Elizabeth - parecem ser de natureza espantosa. Uma princesa polonesa recebeu uma
comunicação em suas próprla língua...” A sessão foi realizada na casa dos
Trollope (Anthony Trollope, novelista inglês). Um vidro de água destilada,
comprada em farmácia, deixou desprender, à vista de todos, um “vapor” e ficou
perfumada. Disseram os Espíritos – é Elizabeth quem conta – que a água era
chamada ódica e que a Sra. Kinney, que estava doente, deveria conservar o
frasco em lugar escuro e tomar uma colher de chá por dia... “which she does...”
conclui a carta, ou seja, “o que ela está fazendo”.
Robert, indignado com o interesse de
sua esposa pelo Espiritismo, que ele jugava uma grossa mistificação, transferia
facilmente a sua revolta para Home, a quem não poupava, tanto em conversação
social como em suas cartas e depois no poema famoso.
Numa sessão realizada, entre outros,
com Robert e Elizabeth, houve um incidente sério, que já tivemos oportunidade de
ler, aqui mesmo em “Reformador”. Elizabeth, extremamente chocada, agarrou ambas
as mãos do médium e pediu que perdoasse Robert.
Home sentiu-se profundamente desapontado
com as situações que ali viveu. Em carta a Henrietta (18-11-1856), Elizabeth conclui,
vitoriosa: "Todo mundo adoraria deixar de crer em Home mas ninguém o pode.
Eles detestam-no e acreditam nos fatos: Home, por sua
vez, escreveu, desanimado: "Minhas experiências da vida e de suas
falsidades já deixaram marca tão indelével na minha alma, por causa das minhas
recentes experiências em Florença, que eu gostaria de afastar-me de tudo quanto
pertença a este mundo." Chegou
mesmo a pensar em entrar para um convento. E a sério. Um certo Monsenhor Talbot
encarregou-se de instruí-lo e dentro de três semanas Home foi crismado. no domingo
de Páscoa, por um sacerdote jesuíta. O Conde Branicka e a Condessa de Orsini foram
os padrinhos. Pio IX concedeu-lhe audiência pessoal. Fez-lhe muitas perguntas
“penetrantes, mas bondosamente formuladas”. Acabou despedindo o novo converso
com sua bênção. Disseram nessa ocasião que ele havia prometido ao Papa abandonar
o exercício de suas faculdades, o que ele
negou enfaticamente depois: “Eu não poderia fazer tal promessa, e nem ele a exigiu
de mim...”
Nada mais se falou da sua entrada para
o convento e de Roma ele se dirigiu, com a família Branicka – que o tinha
tomado aos seus cuidados -, a Paris, para estudar francês, segundo ele mesmo declarou. Mui gentilmente, o
Papa recomendou-lhe seu próprio confessor,
o erudito jesuíta Padre Xavier de Ravignan, pregador da capela das Tulherias.
Esta temporada de Home em Paria foi
um extravagante período na vida do médium. Padre Ravignan desempenharia junto
dele um papel significativo. Mais uma vez, o caminho dos Brownings se cruzava
com o de Home. O casal de poetas estava em Paris e Elizabeth imediatamente escreveu
a Henrietta para anunciar, algo aflita, a presença do médium, preocupada em que
ele e Robert pudessem encontrar-se e reacender antigos rancores, pois, segundo
suas próprias expressões, Home era “ainda um osso na garganta do leão” mas Robert
prometeu a ela comportar-se bem e limitar-se a ignorar o médium se, por acaso, cruzasse
com ele na rua, o que já era muito. Por via das dúvidas, EIizabeth pede na carta
que, na resposta de futuras cartas, Henrietta jamais mencionasse o nome de
Home, certamente para que Robert não soubesse que elas ainda se ocupavam de tal
indivíduo.
O momento era particularmente difícil
para Home. Abandonado subitamente pelos Branickas - qu se cansaram dele - ficou
em Paris sem dinheiro e sem muitos amigos. Corria mesmo a notícia – segundo
apurou Ellzabeth Browning – de que o médium estava muito mal de saúde ou até mesmo
nas últimas, por causa da fraqueza de seus pulmões.
Padre Ravignon revelou-se um bom e
paciente companheiro, certamente pelo interesse em conquistar aquela alma para
a sua fé e sua igreja, mas, inegavelmente também porque era homem de excelente conteúdo
humano e tolerante com seu curioso catecúmeno. Além de tudo, Home fora também abandonado
pelos seus amigos espirituais, que, descontentes com algumas práticas,
retiraram-se, anunciando que somente retornariam às suas tarefas junto ao
médium depois de passado um ano inteiro. Toda a Paris especulava sobre o estranho
fenômeno da suspensão da mediunidade e sobre quando e como poderia ela ser
retomada, como se Home fosse um famoso cantor de ópera, temporariamente afastado
das luzes da ribalta. A sociedade sofisticada do Segundo Império citava que se
tratava simplesmente do que hoje se chamavam “golpe de publicidade”. Era um “vedetismo”
de Home, nada mais. No entanto, os Espíritos cumpriram a palavra; deixaram-no um
ano sem atividades mediúnicas. Completou-se o prazo a 10 de fevereiro de 1857. No
dia 11, pela manhã, Home foi procurado pelo Marquês de Belmont, enviado pessoal
do Imperador Napoleão III. Teriam os poderes do Monsieur Home retornado?
Tinham. Precisamente ao soar meia-noite, no dia 10, um Espírito veio saudá-lo,
levantar o seu moral e dizer que tudo estava bem. Logo em seguida, Padre Ravignan
também apareceu ansioso para saber das novas. Não precisou nem falar; foi
recebido com batidas espirituais por toda parte. O sacerdote explicou a Home
que aquilo tinha que parar, senão ele não poderia conceder-lhe a absolvição.
Home argumentou que os Espíritos estavam satisfeitos por encontrá-lo em tamanho
estado de pureza, o que certamente facilitava os contatos. Mas o padre
manteve-se firme, a despeito de Home ter acrescentado, como sempre o fazia, que
as manifestações não estavam sob o controle da sua vontade. Ravignon, que não
queria abandonar a alma do seu pupilo ao “demônio”, insistiu em que uma vez que
Home não podia evitar as “alucinações” pelo menos poderia desencorajá-las, pois quanto a ele, padre,
somente via quando queria ver e somente ouvia quando queria ouvir. Depois desse
conselho, preparou-se para partir e, ao levantar, para dar a mão a Home. Os
“raps” recomeçaram por toda parte. Era o fim. Padre Ravignon se retirou e, a
despeito dos seus entreveros com a igreja, o médium manteve agradável lembrança
do bondoso jesuíta.
Com a volta doa Espíritos, voltaram
também os amigos e Home foi apanhado novamente pela roda-viva dos compromissos
e dos convites para as reuniões elegantes. Já na sexta-feira, 13, “estreou”
perante Napoleão III, de maneira dramática.
Quando se abriram para ele as portas
do Salão Apolo, nas Tulherias, Home deu com uma multidão de nobres, tão grande
que o ambiente sufocava. Chegou a recuar. A imperatriz Eugênia, tinha convidado
toda sua “entourage”. Recuperado do impacto, Home explicou, com muitas
desculpas e habilidade, que sessão mediúnica não era exibição teatral, que era
melhor limitar o número de pessoal presentes a oito ou nove apenas e que mesmo
assim ele não poderia garantir nada de positivo, dado que tudo dependia dos
Espíritos. Deve ter sido uma senhora cena. A Imperatriz, muito ofendida, e sem
dizer palavra, retirou-se e Home também preparou-se para sair, extremamente confuso,
quando o Imperador, subitamente, ordenou que se desocupassem o salão. Formou-se
um pequeno círculo de privilegiados e a sessão desenrolou-se maravilhosamente, com
fenômenos abundantes e inequívocos. Napoleão, “com seus olhos de peixe” - diz
Jean Burton -, observava pensativo. Ele passava por ser um razoável mágico
-amador e certamente apreciava com olho crítico a “performance" do seu “colega”.
A questão é que os "raps" - ou seja, as batidas – respondiam a perguntas
que ele fazia mentalmente. Tão entusiasmado ficou que achou por bem interromper
os trabalhos, declarando que a Imperatriz tinha de ver aquilo. Mandou chamá-la e
em pouco entrou a grande dama, com toda a imponência do seu porte e de sua posição.
Não é preciso acrescentar que Home conquistou toda a corte francesa – exceto um
ou outro, como, por exemplo, o Conde Walewski, filho de Napoleão I e de Maria
Walewska, a bela polonesa. O conde tudo fazia para desmoralizar Home e fazê-lo cair
em desgraça na Corte, o que, aliás, não conseguiu. O médium passou a ter acesso
praticamente livre ao palácio, chegando até mesmo a viver ali algum tempo,
enquanto assim o desejou. Ganhou presentes riquíssimo e pouco depois foi aos
Estados Unidos buscar sua irmã Christine, que, como protegida da Imperatriz,
matriculou-se no próprio colégio em que Eugênia havia estudado vinte anos
antes.
Jean Burton chama a atenção para a
notável posição dessa moça, colocada num colégio católico grã-fino, sob o
bafejo do trono, de um lado, e ligada, de outro, a um irmão que as doces
freiras consideravam um tremendo “feiticeiro”. Ao cabo de alguns anos,
Christine voltou para os Estados Unidos, onde se casou. Home tem parentes nos
Estados Unidos até hoje.
É uma pena que não seja possível,
nas escassas dimensões de um artigo, reproduzir tantos pormenores interessantes
dessa vida fascinante. Temos que nos limitar aos episódios mais importantes.
Na terceira sessão realizada nas
Tulherias, materializou-se a mão de um homem que, tomando do lápis, assinou
“Napoléon”. O Imperador reconhecei a assinatura de seu famoso tio e a
Imperatriz pediu permissão para beijar a mão, que se elevou para receber o
beijo de Eugênia.
Em 1858, Home foi à Holanda, onde
realizou sessões para a rainha Sofia, em Haia. Ganhou um belo anel da soberana.
Em Bruxelas, apanhou um severo resfriado e novamente suas faculdades falharam.
De volta a Paris, o médico aconselhou uma permanência na Itália. Home partiu
para Roma onde se tornou amigo de um jovem nobre cossaco, o Conde Kucheieff-Besbordka.
Da amizade pelo Conde surgiu o amor
por AIexandrina, sua cunhada, pouco mais que um menina pois contava apenas 17
anos. Sacha –como era conhecida na intimidade – era bela, viva, encantadora. Filha
do General e Conde de Kroll e nada menos que afilhada do próprio Czar. Home,
convidado para jantar, sentou-se à direita da dona da casa e, ao ser
apresentado à encantadora Sacha, teve e estranha impressão de que ela seria sua
esposa. A menina disse-lhe, rindo, que ela se casaria dentro de um ano, porque,
segundo uma superstição folclórica russa, era infalível o casamento quando um
homem se sentava entre duas irmãs que acabasse de conhecer. As impressões de
ambos se realizaram.
Depois de sessões verdadeiramente
notáveis para o Czar e sua corte - a convite do Imperador, naturalmente, Home
partiu para Escócia, onde foi apanhar documentos pessoais e a 1º de agosto de 1858
casou-se com Sacha. No peito de muitos convidados, luziam condecorações importantes.
O Czar foi representado por dois figurões
do Império, o Conde Bobrinski e o Conde
Alexis Tolstoy, irmão do genial romancista (Leon). Elizabeth Browning, maliciosamente,
brincava com a irmã por carta: “Imagine só o mobiliário conjugal flutuando pelo quarto, à noite,
Henrietta!”
Sacha foi uma boa e dedicada esposa
e deu a Home um filho. Home transmitiu a ela a tuberculose, da qual morreria,
lúcida e conformada, em 3 de julho de 1862, após uma doce convivência de 4 anos,
seguida de uma disputa judicial demorada por causa da herança da jovem esposa.
Gricha nasceu a 8 de maio de 1859 e, com a morte da mãe e as andanças do pai,
acabou gravitando peta o ramo russo da família. Os Homes dos Estados Unidos souberam
mais tarde ele havia entrado para o exército russo.
Mas nem tudo eram flores no caminho de
Home. Havia detratores gratuitos e inimigos impiedosos, como Robert Browning, Charles
Dickens, o grande novelista inglês, foi um deles. Não fazia segredo algum da sua
opinião, tachando Home de impostor. Achava, porém, que a coisa não tinha jeito,
porque mesmo que se provasse a falsidade de Home “em cada célula microscópica de
sua pele e em cada glóbulo do seu sangue, ainda assim os seus discípulos
acreditariam nele e o adorariam”.
Foi o que escreveu em carta de 16 de
setembro de 1860 à Senhora Linton. Diria e escreveria outros horrores do
médium. Pobre Dickson! Depois de desencarnado, voltou em Espírito, para
terminar, através de um médium humilde, o seu notável romance “O mistério de
Edwin Drood”, que deixara pela metade.
Pelo final de dezembro de 1863,
achava-se Home novamente em Roma. A pressão do Vaticano começou a tornar-se insuportável.
Home pretendia ficar na cidade eterna para estudar escultura. Um livro de
William Howitt, sua "History of the Supernatural” havia, da certa forma,
contribuído, involuntariamente, para açular a hostilidade de católicos e Protestantes
contra os médiuns em geral e contra Home, em particular, o médium mais eminente
e celebrado do seu tempo. “As luzes espirituais – dizia Howitt -, o tremor das
casas, a transposição de portas fechadas, ventanias poderosas, levitação,
escrita automática, comunicações em língua estrangeira – tudo isso ocorre todos
os dias, tanto em Londres como nos Atos dos Apóstolos.”
Seguia-se um trecho em que, se não
era feita a apologia de Home, pelo menos se buscava entender a sua missão e
natureza do seu trabalho. Com a segurança de um espírito lúcido e dono de profunda
intuição, achava Howitt que as manifestações físicas, 'despreparadas
e ridicularizadas’, deveriam preceder acontecimentos mais importantes. Ao
demonstrar suas faculdades perante o testemunho de Imperadores, Reis e rainhas,
Home estava desempenhando sua tarefa de precursor, lançando alicerces.
Admirável inteligência dos fatos a
de Howitt, mas que ajudou a agravar em hostilidade aberta o que antes era
simples desconfiança da Igreja com o médium. O Cardeal Manning com coisas
incríveis, declarando que através de trabalhos espíritas o demônio se
materializava, ora como mulher, ora como homem e desses encontros resultava criaturas
híbrida de natureza diabólica, mas de forma humana! Segundo narrativa de W. H.
Mallock, autor de “The New Republic” o cardeal usou linguagem de tal modo
grosseira (“unvarnished”) que os detalhes não poderiam ser reproduzidos.
Assim, a 2 de janeiro de 1864, Home
recebeu intimação para comparecer à polícia. Dia 3, pela manhã, lá foi ele, sem
companhia de um amigo, chamado Gauthier, cônsul da Grécia.
Preservou-se o diálogo do médium com
a polícia, um documento do próprio
punho
de Home, que vale a pena reproduzir, conservando o seu estilo telegráfico:
Janeiro
2, recebida carta solicitando minha presença na Polícia, no dia 3, entre as 10
e uma hora. Em 3 de janeiro fui e me levaram à sala do advogado Pasqualoni. Eu
estava acompanhado de meu amigo Senhor
Gauthier, cônsul da Grécia em Roma. As perguntas foram as seguintes: Nome do
meu pai e da minha mãe? Publicou algum livro? Sim. Sua profissão? Estudante de
arte. Sua residência? Via dei Tritoni, 65. Quando você chegou? Há seis semanas.
Quantas do você chegou? Há seis semanas. Quantas vezes você esteve em Roma?
Duas. Quanto tempo ficou de cada vez? Dois meses na primeira e três nesses da
última vez. Quanto tempo pretende ficar desta vez? Até Abril. Você tem residência
permanente na França? Não. Quantos livros escreveu? Quantos exemplares rendeu? Como
não sou o próprio editor, seria impossível dizer. Depois que você se tornou
católico exerceu poderes mediúnicos? Nem antes nem depois eu exerci meus
poderes mediúnicos, de vez que não é poder que dependa da minha vontade. Não
poderia usá-lo. Como é que você faz isso? Acho que a resposta que acabo de dar é
suficiente para esclarecer. Você considera seu poder um dom da natureza? Não;
considero seu poder um dom da natureza? Não: Considero um dom de Deus! Que é um
transe? Um estudo de fisiologia explicaria melhor do que eu. Você vê os espíritos
quando dormindo ou acordado? De ambas as maneiras. Por que os Espíritos procuram
você? Para me consolarem e para convencer aqueles que não acreditam na sobrevivência
da alma! Que religião eles pregam? Isso depende. Que é
É que você faz para
eles se manifestarem? Eu estava para responder que ali nada fazia quando na
mesa em que ele escrevia soaram batidas claras e distintas. Ele então disse: Mas a mesa não se
mexe. Exatamente enquanto ele dizia isso a mesa moveu-se. Qual a Idade do,seu
fjlho? Quatro anos e meio. Onde está ele? Em Malvern. Com quem? Dr. Gully. Dr. Gully é católico?
Não. Quando você viu seu filho pela última vez? Em abril. Então, ele disse, sem
nenhuma justificativa, que eu deveria deixar Roma dentro de três dias. Está de
acordo? Não, decididamente não, ainda mais porque nada fiz para infringir as
leis deste ou de qualquer outro país. Falarei com o cônsul Inglês e seguirei
seu conselho.”
Há um pormenor que Home omitiu no
seu documento autógrafo. Quando as manifestações começaram na polícia, o
excelente Dr. Pasqualoni, enormemente surpreendido, perguntou a razão dos
ruídos. O Cônsul informou tranquilamente que eram Os
Espíritos.
- Espíritos! – exclamou Pasqualoni,
olhando assustado em volta da mesa.
E, em seguida: "Vamos continuar
nosso interrogatório."
Não adiantou a interferência - de má
vontade - do cônsul inglês. Havia “ordens superiores” para despachar o médium para
fora de Roma, e assim foi feito. Segundo a biógrafa, as autoridades do Vaticano
eram de opinião que o demônio estava metido naquilo e seria totalmente
impossível tolerar aquele bando de Espíritos nos domínios da soberania papal. Ademais,
não era de admirar a expulsão, depois da audaciosa demonstração dos seus amigos
espirituais nas barbas da Polícia! E assim Home foi expulso de Roma seguindo
para Nápoles, depois de uma despedida comovente na estação, onde compareceram
muitos dos seus amigos nobres, inclusive Sua Alteza real, o Conde de Trani.
Outro problema bem mais sério teria
Home com a lei. Foi o famosíssimo caso com a Sra. Lyon. Vamos resumi-lo.
Jane Lyon era viúva de 75 anos de
idade, sem filhos. Encantou-se com o jovem Home e resolveu adotá-lo como filho,
exigindo mesmo que o médium aceitasse até o seu nome. Por algum tempo - muito breve – ele assinou Daniel
Dunglas Home-Lyon. A velhinha, a despeito de sua aparência extremamente modesta,
era bastante rica e, em sucessivos e repentinos impulsos entregou a Home cerca
de sessenta mil libras esterlinas, uma fortuna considerável para a época. Além
de rica, Jane Lyon parecia segura de suas faculdades mentais e estava agindo daquela
maneira para chamar a atenção sobre si mesma, para atiçar o despeito dos parentes
de seu marido e provar que era dona do seu próprio dinheiro, podendo fazer dele
o que quisesse.
Dizia que o Espírito do seu marido havia
mandado entregar a importância a Home. O certo é que, dentro de pouco tempo,
ela se arrependeu de tudo e, desejando recuperar o seu dinheiro, levou a
questão à Justiça. O escândalo foi enorme e danoso para a reputação de Home.
Muitos amigos deram-lhe apoio maciço; outros se omitiram. Seus detratores exultaram.
Browning escreveu uma carta extremamente cruel a Isa Blagden, para narrar a infelicidade
do aturdido médium, alegando mesmo que Home pretendia casar-se com a Sra. Lyon,
o que parece fantástico. Por fim, Home foi condenado. O juiz achou que não ficara provado
que Home se utilizara de “influências indevidas" mas que também não ficara
provado o contrário e que o ônus da prova de sua inocência caberia a ele próprio.
Por conseguinte, disse o Juiz, "decido contra ele; porque, como acho que o
Espiritismo é uma burla, sinto-me no dever de considerar a queixosa como vítima
de uma burla e não há evidência que
me convença do contrário”.
Home devolveu o dinheiro e o nome à
Senhora Lyon, mas saiu endividado e arrasado do episódio doloroso. Muitos foram
os amigos que lhe manifestaram sua simpatia, entre eles católicos eminentes a
até sacerdotes, como Monsenhor Talbot, que fora seu instrutor na tentativa de
levá-lo para o seio da Igreja.
Ainda estava pendente a questão
judicial com a família de Sacha, mas essa ele ganhou e entrou na posse de
consideráveis recursos. Em 18 de outubro de 1871, Home casou-se novamente com
uma jovem russa, Julie, filha de Michel de Giumelino, Conselheiro de Estado do
Imperador da Rússia, prima do eminente Alexandre Aksakoff, também conselheiro
de Estado, brilhante pesquisador de fenômenos psíquicos, autor de livros
respeitáveis como “Animismo e Espiritismo”.
Julie também foi esposa compreensiva,
suave e dedicada. Sobreviveu a Home e escreveu uma excelente biografia do marido.
Deu-lhe uma filha que morreu em alguns dias. “A extrema beleza da criança é
inacreditável", escreveu Home, ao ver a recém-nascida. Julie
tratou Gricha com "angélica paciência", pois o menino, altamente
nervoso, constituía um problema.
Por alguns anos, Home e Julie viajaram
pela Europa visitando amigos, enquanto ele consentia, aqui e ali, em realizar
uma sessão. Suas forças, no entanto, o abandonavam enquanto a doença ia minando
seu organismo delicado. Aos 38 anos de idade, praticamente retirou-se da vida
ativa. Escreveu suas memórias “Incidents of my Life” (“Incidentes na Minha Vida”), em dois volumes,
e “Lights and shadows of Spiritalism”, (Luzes e Sombras do Espiritismo).
Em tempos passados, despertara o
interesse do jovem físico e químico William Crookes, do qual se tornou grande e
íntimo amigo, pois era de apenas um ano a diferença de idade entre eles.
Crookes declarou-se corajosamente convencido da legitimidade dos fenômenos
produzidos por Home, enfrentando a tremenda e irracional hostilidade de seus
colegas cientistas. Manteve-se até o fim da vida nessa convicção e proclamou-a
publicamente, no apogeu de sua carreira, sob a responsabilidade de seu nome
famoso e agraciado com o título de “Sir”.
Quanto a Home, viveu seus últimos
dois anos na França. Gostava de joias e as usava com prazer, mesmo porque cada delas
recordava um amigo famoso: Napoleão III, Sofia, da Holanda, o Czar russo, Guilherme
I, da Alemanha e condes e príncipes e duques...
Na primavera de 1855, Julie levou o marido
de Auteiul, onde estavam por algum tempo, até Paris, para consultar os médicos da
capital. O diagnóstico foi sombrio. Ambos os pulmões estavam muito afetados. A
viagem de volta a Auteiul foi feita em etapas suaves.
Home
morreu de 21 de junho, aos 53 anos de idade, assistido por um sacerdote da
Igreja Ortodoxa grega e foi enterrado no cemitério russo de Saint Germain-em-Laye,
junto dos restos físicos de sua linda filhinha. Julie Home regressou à Rússia quatro
anos depois, e levou consigo Gricha, filho da primeira esposa com seu marido.
Daniel Douglas Home, que a Enciclopédia
Britânica considera “um enigma não solucionado”, jamais foi apanhado fraudando.
Desempenhou sua missão com dignidade e autenticidade num ambiente fútil e que
facilmente poderia fascinar e corromper um jovem de modestas origens sociais. Creio
poder afirmar que seus amigos espirituais ficaram satisfeitos com os seus
trabalhos. Sua mediunidade tinha de ser mesmo de forma espetacular, de efeitos
físicos. Para que pudesse sacudir a incredulidade de uns, a má vontade de
muitos, a hostilidade de tantos. Viram-na todos aqueles que tiveram olhos para ver.
Sem dúvida, Home estava certo: Home
ajudou a lançar os alicerces do edifício que só agora começamos a vislumbrar em
todo o seu esplendor e em toda a sua grandeza de seu futuro. Espírito profundamente
afetuoso e sereno, merece as vibrações mais puras do nosso afeto.
(1) O nome
de família era mesmo Home, mas o pai de Daniel assinava Hume. O médium ainda
muito jovem passou a assinar-se Home, que conservou a vida inteira.
(2) A
família de Elizabeth - os Barrets - tinha sua mansão nesse endereço.
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