O Itinerário da Felicidade
por Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Setembro 1944
"Em todo homem repousa a partícula da
divindade do Criador, com a qual pode a criatura terrestre participar dos
poderes sagrados da Criação. O Espírito encarnado ainda não ponderou
devidamente o conjunto de possibilidades divinas guardadas em suas mãos, dons
sagrados tantas vezes convertidos em elementos de
ruína e destruição. Entretanto, os poucos que sabem crescer na sua divindade
pela exemplificação e pelo ensinamento, são cognominados na Terra santos e
heróis, por afirmarem a sua condição espiritual, sendo justo que todas as
criaturas procurem alcançar esses valores, desenvolvendo para o bem e para a
luz a sua natureza divina”. (Emmanuel).
*
Qual Prometeu, encadeado às suas
inferioridades, o homem materializado sente o abutre do sofrimento devorar-lhe
as entranhas. Pode, contudo, realizar o milagre de uma metamorfose moral que
dilua as espessas trevas da miséria espiritual que o envolve. E, renovados os seus
anseios de liberdade, acumula forças, concentra energias, aflito por despedaçar
as cadeias que o jungem ao pelourinho da dor. Liberto, reinicia o afadigante
jornadear para o Infinito, de encarnação em encarnação, em busca da felicidade,
que é o prêmio dos Espíritos redimidos. Ganha o árduo aclive da montanha
alcantilada e imensa, retemperado pela fé, que lhe nutre de esperança o
coração, e segue corajosamente, demandando o colimado cume. Pode então encher,
a largos haustos, os pulmões cansados de tamanho esforço, banhando-os no ar
puro das emoções santificadas. Alonga a vista pela distância que ficou lá
embaixo, que veio, depois, subindo a trilha da montanha, como que receosa de se
mostrar em toda a sua grandeza. É quando, então, mede a enormidade do
cometimento.
Esquece depressa as fadigas do passado e procura no horizonte fugidio, com o coração,
enflorecido por alegrias imaculadas, a futuro
ainda longínquo; e parte de novo, experimentando uma sensação de festa íntima,
tal como sucedeu a Moisés ao vislumbrar a Terra Prometida, do alto do monte
Nebo.
*
Em todas as coletividades, há sempre um Deucalion
preservado de um "dilúvio" universal. E a Humanidade vai avançando
paulatinamente para a perfeição, que é o seu destino. Séculos e séculos serão
consumidos nesse vagaroso e seguro processo evolutivo, porque a Natureza não dá
saltos. Dia virá, porém, em que a Terra ficará
plena de Deucalions, porquanto, de "dilúvio" em "dilúvio" -
de geração em geração - êles se multiplicarão, numa eloquente afirmativa da força
incoercível das leis a que estamos sujeitos no concerto cósmico. Cada indivíduo
tem de realizar sua renovação íntima, evitando fazer a outrem o que não desejar
lhe seja feito, guiado pela frase milenária do famoso templo de Delfos: Conhece-te a ti mesmo, primeiro passo
para a compreensão das verdades evangélicas disseminadas pelo Cristo, sintetizadas
no preceito máximo de Sua doutrina: Amai-vos uns aos outros. Nessas duas frases
está traçado o itinerário da felicidade humana.
*
O homem sofre na razão correspondente de sua
fraqueza moral. À medida que se robustece moralmente, reintegra-se na ambiência
divina de onde se afastou por infringir as leis do Criador. Estudando-se a si
mesmo, conhecendo-se melhor, tomar-se-á tolerante e amigo dos outros homens.
Suas próprias deficiências serão as sentinelas de sua conduta. O homem que se
desconhece, julga mal seus semelhantes. Atribui-se virtudes que não possui. Por
isso foi que Diógenes percorreu as ruas de Corinto, empunhando uma lanterna, à
cata de quem se lhe mostrasse homem, não somente pelos atributos físicos, mas
pelos predicados morais. O homem materializado
é o mais feroz inimigo de si mesmo. Ignora que o verme de hoje será a águia altaneira
que, amanhã, cortará os ares, acima, muito acima de altíssimos píncaros,
inacessíveis àqueles que mantêm os pés chumbados aos pauis (áreas pantanosas) da materialidade.
*
Entretanto, subordinado a leis que tudo impelem
ao progresso incessante, o homem precisa aprender que é o construtor do seu
próprio destino, entregue que está à relatividade do livre-arbítrio. Tem de
aprender por si mesmo que seu sofrimento é obra sua, causado pela resistência
que, por seus pensamentos e atos, opõe àquelas leis. "A atividade moral equivale à aptidão que o homem tem de impor a si próprio
uma regra de conduta, de escolher, entre vários atos possíveis, o que considera
bom, de se libertar do seu egoísmo e da sua maldade. A atividade moral cria no
individuo o sentimento de uma obrigação, de um dever. - Só num pequeno número
de indivíduos a podemos observar: na maior parte, conserva-se em estado virtual. Contudo, é impossível duvidar
da sua realidade; se o senso moral não existisse, Sócrates não teria bebido a
cicuta." (A. Carrel).
*
O negativismo materialista embota os sentimentos
humanos e brutaliza o homem, tirando-lhe a socrática serenidade de encarar as vicissitudes,
corajosa e resignadamente. Impede-lhe a visão das claridades excelsas da vida espiritual.
Esta a razão de se ridicularizar a sentimentalidade sadia, quando ela mostra a
distância que separa o homem do irracional. O egoísmo, causa precípua da infelicidade
terrena, torna-o
insensível às dores e misérias alheias, mas hipertrofia-lhe os cuidados e as
angústias, quando é presa do sofrimento alguém que lhe está vinculado pelo
sangue ou pelo amor-feiticismo. Ainda que mesclado com o egoísmo, a sentimentalidade
se manifesta nesses casos. O sentimental-altruísta é um espírito delicado, que já
sabe sentir como suas as amarguras de outrem.
O papel do Espiritismo cristão é, pois, destruir
as muralhas do egoísmo, erigidas pelo materialismo, câncer da Humanidade.
Quanto mais difícil a luta, mais bela a vitória. Todo homem encontra, um dia,
irretorquivelmente, a sua "estrada de Damasco"...
*
O espetáculo confrangedor do mundo contemporâneo
dá-nos o testemunho irrefragável dos erros acumulados por sucessivas gerações de
homens despreocupados dos problemas do espírito. E assim continuará sendo, até
que a dor
grave
na alma de cada um, indelevelmente, o rumo necessário e certo de sua redenção.
Depois que a caminhada para a frente e para o alto se inicia, o Espírito se
enfloreia gloriosamente, e, a cada avanço para o futuro, parece ouvir o suave
murmurejo de vozes estimuladoras:
Sursum corda!... Sursum corda!.. (corações
ao alto!)
*
E os corações se elevam, extasiados de felicidade,
na recepção amorosa do Espírito que se achou a si mesmo, através dos calvários
da vida terrena, após os gólgotas vencidos em encarnações redentoras:
- Glória a Deus nas alturas! ...
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