terça-feira, 7 de agosto de 2018

Reverenciando Roustaing



Reverenciando Roustaing
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1973

 Jean Baptiste Roustaing é uma das personalidades mais fascinantes do Espiritismo. Coube-lhe a importante tarefa de, através da médium Collignon, trazer esclarecimentos valiosos sobre Jesus-Cristo e a doutrina evangélica. Sua obra "Os Quatro Evangelhos", pelo que encerra de transcendente, deve ser lida, relida e meditada, porque seu texto exige bastante atenção e discernimento. Contestar o valor da contribuição de Roustaing para o esclarecimento da verdade espírita, será limitar a amplitude da conceituação kardequiana relativa à pluralidade dos conhecimentos humanos, assim como às revelações progressivas. Roustaing não contestou Kardec nem estabeleceu fronteiras para o pensamento kardecista. Negar a magnitude da missão de Allan Kardec seria um contra senso, nem isto preocupou por um só instante o pensamento de Roustaing. Não há contradição entre o fundamental da obra kardequiana e o fundamental de "Os Quatro Evangelhos". Por isto, Roustaing consolidou seu prestigioso conceito dos homens iluminados pelos trabalhos do Codificador.  

Admirador de Allan Kardec, cujos, méritos enaltecia e respeitava, Roustaing veio trazer, por misericórdia de acréscimo do Pai, um precioso adendo à obra kardecista. Ao tratar da delicada questão do corpo de Jesus, não se desviou das verdades evangélicas, porque a Revelação da Revelação nos tem ensinado muita coisa que se distingue da letra, porque, como disse Paulo na I Epístola aos Coríntios, não a anunciou com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito, combinando coisas espirituais com espirituais. Se o espírito sopra onde quer... por que razão não poderia Roustaing receber, por intermédio de Collignon, o que consta em "Os Quatro Evangelhos"? Basta considerar o imenso valor espiritual de Jesus para se aceitar de boamente que ele, senhor de toda a gama de fluidos que enchem o universo, não teria necessidade, para se mostrar aos homens, como tantas vezes, depois, o demonstrou, de se apequenar na carne, subordinado aos efeitos da comum ação biofisiológica indispensável à reprodução dos seres carnais. Já na Epístola aos Romanos, o valoroso Paulo afirmara, com a sua incontestável autoridade: " ... Deus, enviando a seu próprio Filho em semelhança de carne de pecado e por causa do pecado, condenou o pecado na carne", tanto mais quanto acrescenta ele aos Coríntios, “nem toda carne é a mesma carne”, etc. O que é preciso, a fim de se interpretar devidamente "Os Quatro Evangelhos" e situar Roustaing no lugar distinto em que deve figurar entre os espíritas, é compreender essas coisas em espírito, porquanto "a letra mata, mas o espírito vivifica", consoante a palavra de Paulo na II Epístola aos Coríntios.

O grande e nobre espírito de Guillon Ribeiro tratou do melindroso assunto com maestria. Homem culto e probo, lidimamente cristão porque lidimamente espírita, devotava a Jesus, quando na vida terrena, um preito de admiração esclarecida. Sua autoridade moral e intelectual, por conseguinte, constituíram escudo para a defesa de Jean Baptiste Roustaing, cuja passagem por este planeta se assinalou por uma vida simples, laboriosa e austera. A probidade de Guillon Ribeiro e a sua indiscutível capacidade cultural foram motivos que muito influíram para que eu e outros obscuros estudiosos do Espiritismo buscássemos compreender a essência de "Os Quatro Evangelhos" e pudéssemos, depois, extasiar-nos ainda mais no respeito ao Codificador, pelo trabalho gigantesco e extraordinariamente valioso que nos deixou, e a Roustaing, pela serenidade e humildade com que se dispôs a trazer também a sua contribuição importante, recebida, como a de Kardec, dos nossos nobres e bondosos irmãos do plano invisível.

Lendo-se o Evangelho segundo Mateus, 1-18 :25, onde se alude ao nascimento de Jesus, a questão se apresenta meridianamente clara e compreensível. E Jesus chegou mesmo a dizer aos discípulos que "não tem aparecido entre os nascidos de mulher outro maior que João Batista", o que é expressivo e significativo. Como, na Terra, geralmente se consideram irmãos os filhos dos mesmos pais, Jesus respondeu quando lhe falaram na família: "Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? Estendendo a mão para seus discípulos, exclamou: Eis minha mãe e meus irmãos! Pois aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mateus. 12 :48-50}. Este pormenor constitui mais uma evidência de que o conteúdo de "0s Quatro Evangelhos", no que concerne também ao corpo do Mestre, não discrepou da verdade.

Neste artigo, inspirado apenas pelo desejo de uma homenagem ao espírito de Roustaing, portanto, sem qualquer intenção de polêmica,  vai também um pouco do muito de gratidão à sua obra, que concorreu para eliminar algumas das inumeráveis arestas do meu espírito rebelde. Mas é curioso que os que se recusam a aceitar Roustaing, negando a natureza fluídica do corpo com que Jesus baixou à Terra, aceitem, de outro lado, o simbolismo desta passagem do Evangelho segundo João: "Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este homem dar-nos a comer a sua carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes à vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna". A carne e o sangue de Jesus, neste caso, são a sua Doutrina, o amor a Deus, a exemplificação do bem. Quem comer a sua carne e beber o seu sangue, quem seguir a sua Doutrina, assimilando-lhe as lições - terão vida eterna, porque estarão na conformidade dos desejos de Deus. O mesmo simbolismo dessa passagem evangélica é encontrado em outras expressões, como esta: "o Filho do homem", "pensais que vim trazer paz à Terra?", "deixai que os mortos enterrem seus mortos", "o que não tem dinheiro, venda a sua capa e compre espada.", etc. Por que, então, aceitar-se, num caso, a letra como simbolismo a ocultar um pensamento que o Espiritismo pode,  afinal, compreender em espírito e verdade e, em outro caso, recusá-lo?

Jean Baptiste Roustaíng foi um cristão respeitável e sua memória deve ser reverenciada pelos espíritas, porquanto ele trabalhou com fé e honestidade pela grande causa. Merece e terá, sem dúvida, entre os espíritas verdadeiramente compenetrados dos deveres evangélicos, a homenagem a que fazem jus todos quantos enfrentaram o ultramontanismo ferrenho e lograram, sem temor a processos violentos, colaborar para a. difusão e a vitória dos princípios espíritas codificados por Allan Kardec, o Pioneiro excelso.


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