Reverenciando
Roustaing
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1973
Jean Baptiste Roustaing é uma das personalidades
mais fascinantes do Espiritismo. Coube-lhe a importante tarefa de,
através da médium Collignon, trazer esclarecimentos valiosos sobre Jesus-Cristo
e a doutrina evangélica. Sua obra "Os Quatro Evangelhos", pelo que encerra
de transcendente, deve ser lida, relida e meditada, porque seu texto exige
bastante atenção e discernimento. Contestar o valor da contribuição de
Roustaing para o esclarecimento da verdade espírita, será limitar a amplitude
da conceituação kardequiana relativa à pluralidade dos conhecimentos humanos,
assim como às revelações progressivas. Roustaing não contestou Kardec nem
estabeleceu fronteiras para o pensamento kardecista. Negar a magnitude da missão
de Allan Kardec seria um contra senso, nem isto preocupou por um só instante o
pensamento de Roustaing. Não há contradição entre o fundamental da obra
kardequiana e o fundamental de "Os Quatro Evangelhos". Por isto, Roustaing
consolidou seu prestigioso conceito dos homens iluminados pelos trabalhos do Codificador.
Admirador
de Allan Kardec, cujos, méritos enaltecia e respeitava, Roustaing veio trazer, por
misericórdia de acréscimo do Pai, um precioso adendo à obra kardecista. Ao
tratar da delicada questão do corpo de Jesus, não se desviou das verdades
evangélicas, porque a Revelação da Revelação nos tem ensinado muita coisa que
se distingue da letra, porque, como disse Paulo na I Epístola aos Coríntios,
não a anunciou com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras
ensinadas pelo Espírito, combinando coisas espirituais com espirituais. Se o espírito
sopra onde quer... por que razão não poderia Roustaing receber, por intermédio
de Collignon, o que consta em "Os Quatro Evangelhos"? Basta
considerar o imenso valor espiritual de Jesus para se aceitar de boamente que ele, senhor de toda a
gama de fluidos que enchem o universo, não teria necessidade, para se mostrar aos
homens, como tantas vezes, depois, o demonstrou, de se apequenar na carne,
subordinado aos efeitos da comum ação biofisiológica indispensável à reprodução
dos seres carnais. Já na Epístola aos Romanos, o valoroso Paulo afirmara, com a
sua incontestável autoridade: " ... Deus, enviando a seu próprio Filho em
semelhança de carne de pecado e por causa do pecado, condenou o pecado na
carne", tanto mais quanto acrescenta ele aos Coríntios, “nem toda carne é a
mesma carne”, etc. O que é preciso, a fim de se interpretar devidamente
"Os Quatro Evangelhos" e situar Roustaing no lugar distinto em que
deve figurar entre os espíritas, é compreender essas coisas em espírito,
porquanto "a letra mata, mas o espírito vivifica", consoante a
palavra de Paulo na II Epístola aos Coríntios.
O
grande e nobre espírito de Guillon Ribeiro tratou do melindroso assunto com maestria.
Homem culto e probo, lidimamente cristão porque lidimamente espírita, devotava
a Jesus, quando na vida terrena, um preito de admiração esclarecida. Sua autoridade
moral e intelectual, por conseguinte, constituíram escudo para a defesa de Jean
Baptiste Roustaing, cuja passagem por este planeta se assinalou por uma vida simples,
laboriosa e austera. A probidade de Guillon Ribeiro e a sua indiscutível
capacidade cultural foram motivos que muito
influíram para que eu e outros obscuros estudiosos do Espiritismo buscássemos compreender a
essência de "Os Quatro Evangelhos" e pudéssemos, depois, extasiar-nos
ainda mais no respeito ao Codificador, pelo trabalho gigantesco e extraordinariamente
valioso que nos deixou, e a Roustaing, pela serenidade e humildade com que se dispôs
a trazer também a sua contribuição importante, recebida, como a de Kardec, dos
nossos nobres e bondosos irmãos do plano invisível.
Lendo-se
o Evangelho segundo Mateus, 1-18 :25, onde se alude ao nascimento de Jesus, a
questão se apresenta meridianamente clara e compreensível. E Jesus chegou mesmo
a dizer aos discípulos que "não tem aparecido entre os nascidos de mulher
outro maior que João Batista", o que é expressivo e significativo. Como, na
Terra, geralmente se consideram irmãos os filhos dos mesmos pais, Jesus
respondeu quando lhe falaram na família: "Quem é minha mãe, e quem são meus
irmãos? Estendendo a mão para seus discípulos, exclamou: Eis minha mãe e meus irmãos!
Pois aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é
meu irmão, irmã e mãe" (Mateus. 12 :48-50}. Este pormenor constitui mais
uma evidência de que o conteúdo de "0s Quatro Evangelhos", no que concerne
também ao corpo do Mestre, não discrepou da verdade.
Neste
artigo, inspirado apenas pelo desejo de uma homenagem ao espírito de Roustaing,
portanto, sem qualquer intenção de polêmica, vai também um pouco do muito de gratidão à sua
obra, que concorreu para eliminar algumas das inumeráveis arestas do meu
espírito rebelde. Mas é curioso que os que se recusam a aceitar Roustaing,
negando a natureza fluídica do corpo com que Jesus baixou à Terra, aceitem, de outro
lado, o simbolismo desta passagem do Evangelho segundo João: "Disputavam,
pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este homem dar-nos a comer a sua
carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos
digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue,
não tendes à vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a
vida eterna". A carne e o sangue de Jesus, neste caso, são a sua Doutrina,
o amor a Deus, a exemplificação do bem. Quem comer a sua carne e beber o seu sangue,
quem seguir a sua Doutrina, assimilando-lhe as lições - terão vida eterna,
porque estarão na conformidade dos desejos de Deus. O mesmo simbolismo dessa
passagem evangélica é encontrado em outras expressões, como esta: "o Filho
do homem", "pensais que vim trazer paz à Terra?", "deixai
que os mortos enterrem seus mortos", "o que não tem dinheiro, venda a
sua capa e compre espada.", etc. Por que, então, aceitar-se, num caso, a
letra como simbolismo a ocultar um pensamento que o Espiritismo pode, afinal, compreender em espírito e verdade e,
em outro caso, recusá-lo?
Jean
Baptiste Roustaíng foi um cristão respeitável e sua memória deve ser
reverenciada pelos espíritas, porquanto ele trabalhou com fé e honestidade pela
grande causa. Merece e terá, sem dúvida, entre os espíritas verdadeiramente compenetrados
dos deveres evangélicos, a homenagem a que fazem jus todos quantos enfrentaram
o ultramontanismo ferrenho e lograram, sem temor a processos violentos,
colaborar para a. difusão e a vitória dos princípios
espíritas codificados por Allan Kardec, o Pioneiro excelso.
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