No Princípio
Djalma de Matos
Reformador (FEB) Agosto 1954
Em artigo publicado Sexta-feira Santa
do corrente ano, sob a epígrafe "O Cristo Redentor", nas colunas dum
jornal profano, citando o versículo inicial do Evangelho de João, dissemos que
a locução “no princípio”, ali empregada, refere-se à formação da Terra pelo
influxo do verbo do Cristo,
expressão genuína do verbo de Deus, e não ao Universo, constituído de incalculáveis
multidões de galáxias que povoam o espaço infinito, - porque aquele jamais teve
princípio, como não terá fim.
Assim afirmamos amparados pela
razão e pela revelação espírita.
Da revelação espírita faz parte
uma série de mensagens mediúnicas ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em
1862 e 1863, pelo sábio Espírito Galileu, versando sobre uranografia geral, e
que constituem o capitulo VI do livro “A Gênese” – Milagres e Previsões, de
Allan Kardec, destacamos, de uma delas, os elucidativos ensinamentos seguintes:
"Existindo, pois, sua natureza desde toda a eternidade, Deus criou desde
toda eternidade, e não poderia ser de outro modo visto que, por mais longínqua
que seja a época que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da criação,
haverá sempre, além desse limite, uma eternidade - ponderai bem nesta ideia - a
eternidade durante a qual as
divinas hipóstases, as volições infinitas, teriam permanecido sepultadas em
muda letargia inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai
eterno, que dá vida aos seres; de mutismo indiferente para o Verbo que os
governa: de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e vivificação.
Transportando-nos alguns milhões de séculos somente, para trás da
época atual, verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso
sistema solar ainda não começou as evoluções da vida planetária; que,
entretanto, já esplêndidos sóis iluminam o éter, já planetas habitados dão vida
a existência a uma multidão de seres, nossos predecessores na carreira humana,
e que as produções opulentas de uma Natureza desconhecida e os maravilhosos
fenômenos do céu desdobram, sob outros olhares, os quadros da imensa Criação.
Que digo! Já deixaram de existir esplendores que, muito antes, fizeram palpitar
o coração de outros mortais, sob o pensamento da potência infinita! E nós,
pobres seres pequeninos, que viemos após uma eternidade de vida, nós nos
cremos contemporâneos da Criação!"
Esta revelação é plenamente
confirmada pela Astronomia, que nos testa a existência atual e pretérita dos
mundos inumeráveis, de sóis que já se extinguiram há milênios, mas cuja luz
ainda brilha no firmamento.
A Gênese mosaica não mais pode ser
invocada para elucidar transcendente questão da criação primária do nosso
mundo, e muito menos do Cosmos, porque a autoridade de que se revestia já há muito
foi superada pelos fatos e conquistas da Ciência.
Esse venerável monumento da
Revelação antiga satisfez as exigências mentais e religiosas duma época, em que
Humanidade acreditava piamente estar a Terra fixada no centro do Universo, iluminada durante
o dia pelo disco do Sol, que surgia no Oriente, percorria a abóbada celeste e
se punha no ocidente, para passar por baixo dela e reaparece no Oriente,
iluminando o novo dia. Essa época compreende o longo período histórico, que se conta
desde Moisés até o século décimo sétimo da era cristã, quando o insigne Galileu
foi obrigado a abjurar de joelhos, perante o Santo Ofício, porque afirmava,
como verdade, que a Terra é que gira, em movimento diuturno, em redor do Sol.
Moisés era sem dúvida, um médium
vidente poderoso e, como missionário, teve a visão retrospectiva da formação da
Terra, na fase em que, cessado o estado fluido incandescente, começam a
arrefecer e solidificar-se, oferecendo condições propicias à vida de seres orgânicos. Mas, quem nos garante que o que ele
realmente viu, foi o que se acha narrado na Gênesis? – uma vez que, para
representar a sua visão, serviu-se de caracteres ideológicos e não da escrita alfabética,
que era então desconhecida.
O vidente, por
certo, contemplou a Terra ainda aquecida, envolta em cerrado nevoeiro que
interceptava a passagem dos raios solares, parecendo-lhes que “era sem forma e
vazia, e havia trevas à face do abismo” (1-2). Diluindo-se o nevoeiro, pelo
gradativo arrefecimento das águas, chuvas torrenciais caíam sobre elas e,
estiadas estas, pesadas nuvens apareciam suspensas na atmosfera, operando-se,
aparentemente, a separação “das águas que estavam por baixo do firmamento, das
que estavam por cima” (1-6 a 8). Como surgissem, mais tarde, o Sol e a Lua, por
entre as nuvens, Moisés, na compreensível ignorância em que estava do nosso
sistema planetário, supôs que Deus criara, depois da Terra, “dois grandes
luminares: - o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para
governar a noite; e as estrelas” (1-14 a 18).
Ora, sem esta, ou
semelhante, interpretação dada pelo Espiritismo, a Gênese mosaica não resiste à
crítica: será relegada para o rol das lendas antigas, como já a consideram os
corifeus da ciência materialista.
Assim, também, as
figuras de Adão e Eva não representam, em face da revelação espírita, as
primeiras criaturas humanas, das quais toda a Humanidade descende, e sim,
entidades alegóricas, simbolizando uma numerosa falange de Espíritos
intelectualmente adiantados, degredada, por seu desmedido orgulho, de um
planeta mais evolvido (paraíso perdido), do sistema da Capela, onde se tinham
constituído entrave ao progresso, e, vindo encarnar na Terra, transformaram-se
em fator eficiente do desenvolvimento mental e cultural dos povos. Não se
concebe, aliás, que a primeira mulher se tivesse formado da costela de dão –
como pretendem os que interpretam a figura simbólica ao pé da letra – porque,
no capítulo 1º, versículo 27, está consignado que Deus, ao sexto dia, criou o
homem macho e fêmea. Assim se explica porque, tendo Caim matado a Abel – como narra
o capítulo 4º - e, arrependido, desejasse morrer, lhe foi posto um sinal para
que ninguém o matasse, prova de que já havia então mais gente, além de seus
pais – o que se torna mais evidente por ter ele casado e fundado uma cidade,
como consta do versículo 17.
Donde poderia
provir a mulher de Caim e a população da cidade, senão dos seres humanos que já
haviam sido criados macho e fêmea?
Ao enunciar estes
esclarecimentos, guiados pela razão e o bom-senso, mas sem a menor pretensão à
infalibilidade, que seria estultícia, não nos move, a nós espíritas, senão
secundariamente, a intensão de fazer prosélitos.
Sentimo-nos
felizes e confortados com a nossa fé esclarecidas, racional e consoladora, e
desejaríamos que todos compartilhassem da nossa felicidade; desejaríamos que
todos compreendessem Deus, como nós o compreendemos, Pai de amor e justiça, que,
“enviou seu Filho ao mundo, não para o condenar, e sim para salvá-lo”, e que
sendo a suprema sabedoria, a suprema bondade, não iria eternizar o mal em sua
obra, criando um inferno de sofrimentos sem fim, satanás e a condenação eterna,
pois temos a serena convicção de que de que dá
a seus filhos, por mais perversos e ignorantes que sejam, a oportunidade
de se tornarem sábios e bons, mediante o cadinho purificador das vidas
sucessivas.
Não queremos,
porém, de modo algum, desviar ninguém da religião, seja qual for, em que se
sinta bem e confortado, desde que faça por ser bom e fraterno, procurando por
em prática a recomendação de Jesus, de não fazer aos outros o que não queira
que lhe façam, - uma vez que a finalidade do Espiritismo é a de promover a
reforma moral dos indivíduos, para que possam reinar, neste mundo, a paz, o
amor e a harmonia, sem exigir que todos rezem pela mesma cartilha.
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