domingo, 8 de julho de 2018

Crisol de Purificação / Gratidão / O Pioneiro

Guillon Ribeiro

Crisol de Purificação
Guillon Ribeiro
Reformador (FEB) Dezembro 1943

O artigo, que ora publicamos em nossas primeiras colunas, é ainda um trabalho do nosso prezado e inesquecível amigo Guillon Ribeiro. Tinha-o ele preparado para o número seguinte desta Revista, quando a morte o colheu. Apresentando-o, além da homenagem ao querido morto, temos, nessas páginas póstumas, um como símbolo, que é a demonstração de que sua grande atividade continua a projetar-se além dos umbrais do outro plano.

Momento outro não há, parece-nos, mais propício ou azado a encarar-se o problema da dor, em face dos sofrimentos humanos, do que o atual, em que quase todas as nações da terra se empenham numa guerra que se entremostra aniquiladora de povos e civilizações. Mais do que nunca, esse problema, na hora atual, avulta aos olhos de todas as criaturas terrenas, mesmo das mais indiferentes e apáticas, sobrepondo-se a quantos outros incessantemente lhes surgem do orgulho e do egoísmo que as alucinam.

Uma vez mais, portanto, lícito nos seja falar da dor, da dor de que desde sempre se há visto presa a humanidade, neste orbe ainda presídio para os que delinquem, contravindo às leis divinas; da dor contra que se erguem os clamores de todos os presidiários e as imprecações do materialismo inconsciente e cego; da dor que, no entanto, é a melhor e mais amiga companheira do homem, na sua trajetória evolutiva pelo planeta, porque, com efeito, unicamente ela conduz a Deus as criaturas falidas, dado que estas, somente graças a ela, cuidam das coisas divinas.

Qual aquele que, constantemente rodeado de gozos, engolfado em prazeres inebriantes, desfrutando de completa felicidade, na acepção terrena deste vocábulo, se lembraria de dirigir as vistas para o Alto, em atitude de súplica? Qual o que cogitaria dos destinos humanos, com o espírito subjugado sempre pela matéria satisfeita?

A fim de que o homem medite e se liberte dos grilhões que o prendem à vida material, a fim de que ame e respeite a essa mesma vida, que lhe é outorgada como meio de progredir intelectual e moralmente, por ser crisol de purificação, necessário se faz que a dor lhe abale a consciência e a desperte, rasgando-lhe horizontes novos, demonstrando-lhe que acima dos efêmeros gozos da existência física, há um dever a ser cumprido para com Aquele que rege os destinos do Universo e tudo ordenou de maneira a ter glória suprema na suprema bem-aventurança de todos os Espíritos que o seu amor lançou à vida.

A dor há encaminhado o homem à arquitetação das mais diversas filosofias. Quer isso dizer que o tem obrigado a pensar. Ora, pelo pensamento, a maior força do Universo, porque força essencialmente divina, é que nos libertamos do escuro cárcere a que nós mesmos nos condenamos, quando cega trazemos a consciência. O mundo físico é patrimônio comum, porquanto as moléculas que hoje nos estruturam os corpos constituirão, amanhã, novos organismos, provando dessa forma a própria matéria, pela incessante circulação de seus átomos, que ela não nos pertence individualmente, visto que é tanto do vegetal como da pedra, do homem como do molusco.

O pensamento, só ele, é exclusivamente nosso, porque cada um de nós é uma mente a atuar no plano de vibrações correspondentes às suas, determinadas estas pelo desenvolvimento que haja conseguido. De certo, foi, portanto, o pensamento que levou o homem primitivo, maravilhado com o espetáculo da natureza, a soltar o seu primeiro grito de assombro, Rodeava-o o mistério e ele, impotente para criar uma que fosse das maravilhas que se lhe ostentavam, assim no azul límpido do firmamento, como no verde tremeluzente das selvas, pensou num ente superior, oculto às suas vistas, e entoou, num arroubo espontâneo de admiração, o seu primeiro hino ao Criador de todas as coisas.

Mais tarde, como o conhecimento da própria natureza lhe fosse desvendando os atributos da Divindade, tornando-a infinitamente maior e, por Isso afastando-lha da retina, acabou confundindo a obra com o artífice e, alheando-se deste, se prostrou diante daquela e entrou a adorá-la, orgulhoso de si mesmo, nisso a que chama a sua ciência, infinitesimal partícula, da ciência universal, ou divina.

A natureza mesma, todavia, lhe mostrou que a dor a todos acompanha, qual sombra, do berço ao túmulo e ele inquiriu: Mas, como! Se Deus é bom, como pode ter-nos condenado à dor? Por outro lado, conceber a onisciência e a onipotência associadas à maldade, à iniquidade, à injustiça fora absurdo. Mais lógico seria negar-lhe a existência. E o homem se fez negativista. A dor, porém, continuou, calma e serenamente, a espiritualizá-lo, como quem cumpre dever estrito e sagrado.

Desviando do mundo físico para o mundo espiritual a atenção dos negadores, forçou-os ela a reconhecer, observando as grandes expiações coletivas que de quando em quando convulsionam o planeta, que forças cegas e desordenadas não se poderiam conjugar em tão perfeito equilíbrio de ação e de ideias, tendentes sempre a encaminhar a humanidade para destinos grandiosos.

Então, falaram e continuam a falar as vozes do céu, testificando que as guerras, as revoluções, as calamidades sociais de toda espécie, com o serem consequência da cegueira moral do homem, são simultaneamente, como processo de cura dessa cegueira, meios de progresso moral, mas de progresso a realizar-se, conforme essa mesma circunstância o mostra, à custa de lágrimas e aflições, de gemidos e sofrimentos acerbos. Assim, a dor é a eterna depuradora das almas pecaminosas, a redentora dos Espíritos que faliram.

Verdade tão profunda e insofismável é esta, que teve a consagrá-la o sacrifício do Justo no cimo do Calvário. Cumpre, pois, que, em penhor da sua felicidade real, deixe o homem de malsiná-la, que a ame, conforme lho ensinou aquele mesmo Justo, dado que somente ela lhe apurará as qualidades afetivas, preparando-o para a fraternidade, sem a qual a paz na terra será sempre uma utopia.

Disponham-se os homens a abrir o entendimento para a compreensão da grandiosa lei das reencarnações, lei de justiça misericordiosa, e, reconhecendo-se, em face dessa lei, Espíritos falidos de pretéritas existências, facilmente apreenderão, em toda a sua magnitude, o verdadeiro significado destas palavras de Jesus a Pedro: "Quem com ferro fere com ferro será ferido. "

Ontem, ferimos o coração dos nossos semelhantes, irmãos nossos, porque filhos, como nós, do mesmo Pai: justo é sejamos agora golpeados no espírito, para que não mais façamos aos outros o que não queremos que nos façam. E nem só justiça aí há, senão também misericórdia, misericórdia sobretudo, por isso que unicamente a dor nos ensinará a amar ao próximo e a bendizer da existência, por mais aflitiva que nos seja, induzindo-nos a buscar, penitentes, o perdão do amor infinito d'Aquele que não quer a morte, o aniquilamento do pecador, mas que este se converta, para viver, não vidas de tribulações e amarguras, porém a vida eterna, que é a integração da criatura no Criador, tornando-se, por assim dizer, partícipe da sua divindade, por lograr conhecê-lo e senti-lo na majestade dos seus atributos de perfeição absoluta.
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Gratidão
Pereira Marques
Reformador (FEB) Dezembro 1943

Guillon Ribeiro, saudoso amigo, nunca deixará de existir para mim que tive a felicidade de poder, na casa de Ismael, através de longos anos, apreciar a envergadura moral do amigo querido, cujos exemplos inconfundíveis são um valioso patrimônio, que nem o tempo nem a traça consumirão jamais.

Ele foi, em verdade, na Federação, um dos mais conscientes e dedicados trabalhadores da Seara bendita de Jesus, digno do respeito de todos que, criteriosamente, sabem separar o joio do trigo. Enérgico, mas sereno; sincero, bom, justo, tolerante, soube desempenhar, fielmente, a tarefa difícil, cheia de espinhos, na direção da Casa de Ismael, onde, como sabem os que ali trabalham, fora colocado, como sempre sucede, pela vontade do Alto, acolhida e respeitada por todos os trabalhadores da gloriosa oficina espiritual.

Guillon, dedicado ao extremo, nunca do seu pensamento e do seu coração afastou a Federação, a quem tinha grande amor e dava, ao seu serviço, energias sem conta, além de dignos e edificantes exemplos; foi, por isso mesmo, colhido de surpresa, no seu posto de trabalho, de presidente da casa abençoada de Jesus, - casa que, a despeito das deficiências dos homens, continuará a sua grande obra, amparada pelo glorioso anjo Ismael; não permitirá ele possa ser interrompido o trabalho do devotado companheiro que partiu, depois de ter dedicado, sem medir sacrifícios, uma parte de sua vida, ao serviço da Doutrina, zelando e defendendo
a sua pureza, pregando, com fervor e fé, o Evangelho, que conhecia a fundo, com sua palavra fácil, segura, fluente, serena e vigorosa. Sua linguagem castiça tinha uma ressonância que sentirei sempre, com saudade, no meu coração de crente.

Guillon, finalmente, compreendeu, sem nunca hesitar, as suas responsabilidades na investidura do cargo de presidente da Federação, tendo-o desempenhado, até o último momento de sua vida, com profundo conhecimento de seus deveres de tolerância, amor e caridade, e sem nunca ter esmorecido o seu ardor pela obra que muito dignamente soube orientar. Essa obra ostenta, na sua fachada, o tema: Deus, Cristo é Caridade, apontando aos homens, ainda tão endurecidos, o caminho da salvação.

Que Guillon, o amigo querido me perdoe, porque eu bem sei o quanto ele sempre dispensou, com humildade, os louvores humanos. Mas, graças a Deus, ele sabe que essas palavras exprimem o testemunho de minha gratidão pelo muito que aprendi com ele; são, também, o meu reconhecimento à amizade o confiança que sempre me dispensou.
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O Pioneiro
Camilo Silva
Reformador (FEB) Novembro 1943

Movimento, atividade e vida é da Lei suprema que rege o Coamos. Não há ponto algum do Universo, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, onde essa lei não se manifeste. Desde o microcosmo ao macrocosmo, isto é, desde o infinitamente pequeno ao infinitamente grande, tudo é ação permanente e construtora tendendo a um fim, grandioso e sublime, pela força inviolável do equilíbrio e do ritmo, sem destoar uma nota, por mais leve que pareça, nessa maravilhosa orquestração que penetra em todos os seres e envolve todos os mundos, produzindo a sinfonia terna e suave, dirigida pela batuta maravilhosa do Excelso, Maestro e Autor da grande Lei de harmonia universal - Deus.

Entretanto, é para lamentar que entre o homem e a natureza haja um contraste tão visível, em vista dos males que infelicitam, tanto a ele, como a família, atingindo a coletividade.

Sendo a criatura humana dotada de raciocínio e livre arbítrio, quiçá de responsabilidade, ela no entanto, em regra geral, nivela-se muitas vezes - quando não excede -, ao vivente mais ínfimo da criação, pois que este apenas possui uma inteligência relativa, e age pelo instinto, em prol da necessidade, e por isso mesmo desculpável pelos seus gestos ou agressividade. De forma que, assim, invertem-se os papeis; aquilo que no homem devia ser regra, é exceção, aquilo que poderia ser exceção, é regra;. isto é, entre os que procedem com critério, justiça e amor e os que agem com injustiça, desvirtuamento e maldade, é maior o número destes do que daqueles!

Porém, como até no seio da floresta mais espessa, ou da noite mais escura e tempestuosa uma faísca elétrica produz um clarão assim, também, até no próprio seio das multidões heterogêneas, Deus permite que, de vez em quando, surja um vulto que se destaca e se torna admirável pela inteligência ou pela virtude. E, quando parte para o além alguém que possua um desses predicados, a sua partida provoca grandes saudades. Assim, reunindo não apenas um, porém, os demais predicados da
moral e da inteligência, acaba de deixar o plano da Terra, 0límpio Guillon Ribeiro, que ocupava, desde muitos anos, o cargo de Presidente da Federação Espírita Brasileira. Homem de grande cultura e vastos conhecimentos, ele semeou até o fim da terrenal existência as partículas maravilhosas que se desprendem da doutrina espírita, tanto pelo seu verbo convincente, que não se afastava do assunto em apreço, como pela imprensa, onde, quer como escritor, quer como tradutor, deixou vasta profusão de trabalhos preciosos e de grande benefício para a humanidade!

Alma sensível a todas as dores alheias, coração que se compadecia de todos os sofredores, ele deixou um sulco profundo de saudade em toda família espírita e de quantos dele se acercavam. O autor destas linhas jamais esquecerá aquela prece (24 de janeiro de 1935) tão sentida e fervorosa dirigida a Maria, na ocasião em que o corpo hirto de minha muito querida e saudosa companheira estava prestes a ser conduzido à necrópole. Por estes e outros benefícios do saudoso amigo, a minha grandão será eterna!..

No lar, à saída do féretro, onde sua amada esposa e filhos se esforçavam por conter a emoção que a saudade do ser querido lhes deixava, via-se a mágoa resignada do verdadeiro espírita, estampada em todos os semblantes e a religiosidade com que acompanharam a prece sentida e comovente feita por um dos diretores da Federação. Grande número de confrades de ambos os sexos acompanhou o enterro, e, alguns, com os olhos marejados de lágrimas.

Graças a Deus e a Jesus, o elevado espírito de Guillon Ribeiro está, neste momento, sob o manto protetor de Maria de Nazaré, nossa Mãe Santíssima, a quem ele sempre orava, porque muito amava! Que sirva de exemplo e de estimulo para todos os trabalhadores da Seara o esforço e a dedicação do grande pioneiro. 
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Guillon Ribeiro
Editorial
Reformador (FEB) Dezembro 1943

Já estava no prelo o número anterior desta Revista, quando recebemos, inopinadamente, a notícia do decesso de Guillon Ribeiro, diretor do Reformador, presidente da Federação Espírita Brasileira, companheiro de muitos anos, amigo dos mais sinceros.

A nova deixou-nos atônitos, a todos aqueles que estavam habituados à sua convivência, que tinham prazer de suas relações, que privavam de sua intimidade, que gozavam de sua estima. Nesta folha a sensação foi de alarma. Dada a sua capacidade de trabalho, a lucidez de sua orientação, o conhecimento profundo e
lato de tudo que se relacionava com a edição da revista, o grande amor que a ela dedicava; dado, enfim, o empenho que fazia para que nela nada saísse capaz de comprometê-la, ou comprometer a doutrina, ou comprometer a Federação, ou comprometer a Causa por que todos trabalhávamos, tomara a si o exaustivo encargo de dirigir todos os serviços, desde o da revisão até o da paginação, desde o artigo de
fundo, até as pequenas notas, preenchendo os claros, enriquecendo os estudos e colaborando mesmo nos artigos, sempre para aperfeiçoá-los, apresentando-os destarte mais bem limados, mais garridos do que os apresentara os seus autores. Era o burilador obscuro, o obreiro que se escondia voluntária, obstinadamente, deixando quase sempre a outrem as glórias que lhe cabiam.

Pode-se, assim, calcular a soma dos seus serviços e a falta desse amigo, desse verdadeiro irmão em Cristo que não sabia dizer não, malgrado o que dele se pensava e se dizia, e que, por isso mesmo, teve grandes sangrias nos seus recursos materiais e esgotou-se espiritualmente, porque era um trabalhador incansável do espírito, que a tudo provia, tudo previa, e tombou por assim dizer, nos trabalhos da seara.

Seu desencarne foi tanto mais doloroso quanto inesperado. Sabíamo-lo enfermo, mas crentes estavam os que mourejavam a seu lado, tratar-se de moléstia passageira, destas que comumente nos acometem no crepúsculo da vida.
Talvez só o seu dileto filho, por ser médico, com o seu olhar de facultativo e a sua intuição de amigo, sabia de sua doença, e previa o desenlace. Mas escondeu de todos o diagnóstico e as lágrimas, de sorte que o trespasse a todos colheu de surpresa, tornando assim mais cruciante a nossa tristeza, mais viva a nossa
saudade.

*

Foi às pressas que um dos nossos companheiros, velho e operoso amigo, vencendo a comoção que o assediava, redigiu a página que foi apensa ao último número, onde comunicava aos nossos leitores e confrades o infausto acontecimento, e traduzia em singelas palavras o que, no momento, queríamos dizer, mas não o
podíamos, todos os que estávamos acostumados à presença continua do grande amigo e inolvidável companheiro.

Vimos, pois, só agora, dizer quem foi Guillon Ribeiro, e o que foi a sua vida, cheia de bons serviços à pátria, dedicada à família, devotada ao Evangelho, transcorrida num esforço máximo de tornar melhores os nossos semelhantes, mas tudo ocultamente, como que clandestinamente, visto que a sua modéstia, levada
às vezes até ao extremo, não permitia que algo dissessem dele os seus melhores amigos.

Mas dessa sua existência se poderia declarar o que a respeito de Rui Barbosa dissera Alcindo Guanabara - uma linha reta entre o dever e a justiça.

Guillon Ribeiro nasceu de pais pobres, no Estado do Maranhão, a 17 de janeiro de 1875. Desde os verdes anos começou a conhecer as asperezas da existência, e tanto, que foi internado gratuitamente no Seminário de S. Luís do Maranhão, onde cursou as primeiras letras.

Aos 7 anos ficou órfão de pai. Aumentaram as dificuldades na família, com a perda irreparável do chefe, e a sua querida progenitora transferiu-se para o Rio de Janeiro. Porque minguassem os meios de subsistência, teve ela ainda que procurar colocar o filho, gratuitamente, numa escola, e assim conseguiu que ele ingressasse como aluno gratuito da antiga Escola Militar, na Praia Vermelha.

Ótimo estudante, bom discípulo; acatado pelos mestres, querido dos camaradas, parece que o seu gênio, entretanto, não era de feitio com a vida militar, e, desse modo, não levou mais de três anos na carreira das armas.

Pediu e obteve baixa. Aproveitou, então, os conhecimentos do curso que houvera seguido, e já com uma sólida base, matriculou-se diretamente no 2º ano da Escola Politécnica, nesta Capital.

Para poder custear os seus estudos e prover à manutenção da sua extremosa mãe, desde cedo já se entregava a árduos labores. Entre outros, trabalhava à noite como redator do Jornal do Comércio, e estudava até alta madrugada. Quase que esgotava no estudo e no trabalho as 24 horas do dia.

Formou-se em engenharia civil. Mas a necessidade premente de angariar o sustento levou-o a aceitar o cargo de 2º oficial da Secretaria do Senado Federal, para daí transferir-se a outro mais condizente com a sua profissão. Ali, porém, logo se tornou admirado e querido por quantos lidavam com ele, de sorte que o retiveram, que o prenderam, até que se aposentou no mais alto cargo da carreira.

Sua mãe extremosíssima desencarnara. Tinha sido tudo para ele. Era a sua companheira de infortúnio, a sua animadora nas horas amargas, a sua alentadora nos difíceis momentos da experiência. Ficou inconsolável. Entregou-se ao mais avassalador desânimo, senão ao desespero. Ia quotidianamente ao túmulo da sua velha querida, e todas as suas aspirações ficaram como que mortas com aquela que lhe dera o ser. Foi então que lhe principiaram a bruxolear no entendimento vagas ideias espíritas.

A sua ascensão no Senado foi rápida. Talvez não fosse esse o seu maior desejo, mas o seu acendrado amor ao trabalho, de que dão testemunho todos os que o conheceram, em qualquer dos ramos de sua profícua atividade, o seu trato amável e bom, a retidão do seu proceder, a integridade do seu caráter, a sua grande competência, a habilidade e inteligência com que se desincumbia de qualquer mister, por árduo e difícil que fosse, o escrúpulo com que estudava todas as questões, o alto critério que sempre mostrava, levaram-no a galgar rapidamente todos os postos, até que foi nomeado Diretor Gerai da Secretaria do Senado, cargo em que se aposentou em 1921, deixando a todos a quem prestou os mais relevantes serviços, sentimentos de gratidão e de saudade.

Sirva de amostra o discurso pronunciado pelo Senador Rui Barbosa, no Senado Federal, na sessão de 14 de outubro de 1903, e publicado a folhas 717, coluna esquerda, do volume Anais do Senado Federal, vol. II. (Sessões de 1 de agosto a 31 de outubro de 1903).

Dele extraímos o seguinte tópico:

"O respeito que devemos nós - todos aqueles que escrevem ao público e a nós mesmos, esse respeito nos impõe o maior cuidado até os últimos momentos. Nenhum bom escritor pode confiar absolutamente, exclusivamente, nos protos.
Devo, entretanto, Sr. Presidente, desempenhar-me de um dever de consciência registrar e agradecer da tribuna do Senado a colaboração preciosa de um dos auxiliares desta Casa, o Sr. Dr. Guillon Ribeiro, que me acompanhou nesse trabalho com a maior inteligência, não limitando os seus serviços à parte material do comum dos revisores, mas, muitas vezes, suprindo até a desatenções e negligências minhas."

Para não nos alongarmos muito, damos, apenas, este exemplo, do que era a dedicação, o escrúpulo, a alta capacidade do Dr. Guillon Ribeiro, na sua carreira pública. Como vimos, ela foi ao ponto de merecer especial referência, em discurso, do maior parlamentar brasileiro, do maior vulto das nossas letras. A sua família possui ainda valiosas cartas dos grandes estadista da época, todas cheias de encômios e agradecimentos ao distinto funcionário. 

Desde cedo, dizia ele, sentira inclinação pelo Espiritismo; é que, no seu subconsciente, já estava traçado o plano da missão de que fora incumbido. Só mais tarde, porém, aproximou-se de amigos espíritas, começou a ler e a meditar sobre assuntos espíritas, abraçando definitivamente a doutrina em 1911.

Durante muito tempo, levou palavras de consolo e de fé aos detentos, na Casa de Correção, e muitos dos presidiários que de lá saíram, cumprida a pena, tornaram-se seus verdadeiros amigos.

Fora um trabalhador indefesso. Não tinha horas de lazer. Mesmo quando se ausentava do Rio, nos seus curtos veraneios, levava vários trabalhos, e quando todos o supunham repousando, estava traduzindo, ou corrigindo provas, ou providenciando. Nunca deixara de fazer o Reformador; mesmo quando acamado. À noite, no interior do pais, apesar do repouso que lhe aconselhavam, saía a pregar o Evangelho nos centros espíritas locais.

E assim, tornava aos seus complexos e inúmeros afazeres, na metrópole, trazendo apenas, descansada, a consciência, por não haver perdido um minuto sequer da sua prodigiosa atividade.

O Dr. Guillon Ribeiro casou-se em 11 de abril de 1910 com D. Raimunda Portela e deste consórcio teve 5 filhos, Luiz Antonio, Antonio Luiz, Aloisio, Olímpia Luiza e Mariana.

Se a existência de Guillon transcorreu dificultosa e áspera, se os seus inúmeros trabalhos e preocupações de ordem pública lhe não davam repouso; se na doutrina que abraçou encontrou motivo de grandes contrariedades por ver deturpados os seus melhores sentimentos, mal considerado o seu ingente esforço, desconhecida a sua grande honestidade, sinceridade e boa fé, deu-lhe o Criador a recompensa no santuário do lar, onde todos o estimavam e respeitavam, como o chefe de família exemplar, o esposo amantíssimo, o pai carinhoso, sem já falar nas suas excepcionais qualidades de filho dedicado até o sacrifício.

Luiz Olímpio Guillon Ribeiro fechou os olhos à luz do mundo, quando já ia bem adiantada a sua obra espiritista. Foi o tradutor impecável de vários volumes, conhecedor profundo que era de vários idiomas e cultor, entre os melhores, da língua portuguesa.

Dedicado de corpo e alma ao Evangelho, viu na obra de João Batista Roustaing a chave das dificuldades escriturísticas, a verdadeira exegese, a interpretação simples e fácil de textos até então tornados obscuros sem aquela revelação.

Qualquer que seja a opinião que se forme sobre aquele trabalho, ao qual ele dedicou toda a sua alma, o que não podem olvidar os espíritas de boa fé e sinceros é a lealdade com que pôs mãos à tradução da obra, os propósitos que o animavam de espalhar a boa e verdadeira semente, a convicção que tinha de estar esclarecendo os seus semelhantes e servindo a Jesus, no verter, difundir e propagar os textos que do Espaço os Espíritos trouxeram a Roustaing.

Teve, em paga desse seu empreendimento, acusações de toda a ordem; malferiram-lhe o espírito sensível e bom, desconhecendo-lhe o desiderato. Não lhe deram o direito, sequer, de ter uma opinião, de defender uma ideia.

Mas o seu coração excelso, estamos certo, já esqueceu tudo. Não levou ressentimentos para o outro mundo, e a exemplo do Mestre, cuja doutrina pregava há mais de 30 anos, uma palavra ele terá para os que não o compreendiam - a do perdão.

No alvorecer da nova existência, vemos, sem sombra de dúvida, que desce sobre o nosso amigo a paz que não encontrou na Terra, Começa ele, agora, a colher os louros da sua campanha, o salário do seu imenso esforço na seara do Mestre.

A esse Mestre e a Maria dedicou a sua vida. Foi o mais sincero dos crentes, o mais convicto dos missionários. No seu sublime apostolado, não conhecia o desânimo, a fraqueza, o desalento. As tempestades passavam pela sua fronte trazendo-lhe grandes mágoas, porém não o abatiam nunca, Era o roble (árvore de nome ‘carvalho’) da floresta no que toca às energias do espírito, à firmeza de convicções. A morte o foi buscar em plena atividade. Não sofrerá solução o exercício da sua carreira. O meteoro não se apagou. E as esperanças dos que o acompanharam, como irmãos, na sua santa incumbência terrena, é que continue a projetar sobre a Federação, que tanto amou, o clarão do seu talento, e sobre os corações daqueles que tanto o amaram - o sopro da sua imensa bondade. 

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