Da Proibição
por Antônio Túlio (Ismael Gomes Braga)
Reformador
(FEB) Junho 1947
As leis sociais
proíbem tudo quanto prejudique a vida harmoniosa da coletividade e aplicam penalidades
a quem viole tais proibições. Isso é justíssimo num mundo habitado por Espíritos
atrasados como é o nosso. A sociedade tem o direito de regulamentar sua própria
vida e punir os membros que lhe desobedeçam às determinações.
Igualmente a
primeira Revelação participa dessa natureza de legislação social e estabelece proibições:
Não furtarás; Não matarás; Não levantarás falso testemunho; Não cobiçarás as coisas
alheias. São proibições ao indivíduo para que ele possa viver e colaborar com os
outros indivíduos, formando a sociedade útil e feliz. Essa moral das proibições
é negativa e passageira; não é a ideal, porque esta não se contenta com o não
fazer e reclama ação; por isso a segunda Revelação já aboliu as negações e as substituiu
por princípios afirmativos: Faze aos outros o que queiras que os outros te façam
a ti; ama o teu próximo como a ti mesmo. Já não se proíbe ao homem fazer o mal, porque se
exige que ele só faça o bem.
A interpretação
humana do Cristianismo, porém, voltou às negações e até pediu o apoio do Estado
para fazer valer suas proibições. Em 1793 as ideias revolucionárias ameaçavam
todos os privilégios da aristocracia europeia e do Clero, e a Áustria, por
pedido de seu Ministro de Polícia, Conde Pergen, estabeleceu a mais rigorosa
censura literária. Um exército de censores lia todos os livros e proibia tudo
que não estivesse de acorde com os interesses das classes superiores. Por outro
lado corrigiam e refaziam as obras clássicas, modelando-as aos interesses da
moral religiosa e das classes dirigentes. Periodicamente aparecia uma lista
completa dos livros proibidos, com o título "Catalogus Librorum
Prohibitorum".
Esse catálogo tinha
grande procura e todos os livros nele incluídos eram impressos e vendidos
clandestinamente em grande escala, ficando os outros, os permitidos, encalhados
com os editores. Havia pessoas ricas que se ufanavam de possuir toda a
literatura proibida, de estarem perfeitamente em dia com o
"Catalogus".
Diante do resultado
contraproducente; foi decretada a proibição de publicar-se o "Catalogus
Librorum Prohibitorum". Por mais ridículo que isso hoje nos pareça, o fato
é verídico e o escritor húngaro István Râth-Végh o deixou bem registado num
trabalho hoje amplamente divulgado pelo mundo em excelente tradução para o Esperanto, feita por Ferenc Szilágyi e
publicada na Suécia.
O ideal espírita é
não proibir, mas esclarecer as consequências de cada ato, deixando ao homem o
livre arbítrio, a liberdade de aprender à sua própria custa. Demonstrar ao
homem que cada ato produz fatalmente suas consequências e que a sociedade
humana continua sua jornada, através dos milênios e das reencarnações, sob a lei
da mais perfeita justiça que não deixa impune o crime nem a virtude sem prêmio.
Em vez de proibir
que se mate, faz demonstrar que a morte não existe e que a vítima se vinga por
vezes durante séculos contra o assassino, reduzindo-o aos estados mais horrorosos
no mundo espiritual e durante as encarnações: por isso o inimigo morto é muito mais perigoso do que o
vivo, pois que este tem as limitações da matéria, enquanto que o outro é livre
em seus planos de vingança contra o culpado.
As mesmas consequências
do homicídio e n os mais diversos graus de intensidade acarretam todos os
outros atos que possam engendrar o ódio a alguém: o furto, o adultério, a
calúnia, o desrespeito a qualquer direito, a ingratidão, a arrogância, as
ofensas por palavras e pensamentos, tudo, enfim, que possa ferir a lei de amor
entre os membros dessa sociedade humana visível e invisível que caminha através
da eternidade e do infinito.
O indivíduo
necessita de conhecimentos para decidir por si mesmo a só fazer o bem por ser este
de sua conveniência e evitar toda sorte de mal que viria recair sobre ele
mesmo; possuir conhecimentos para ser o juiz severo de seus pensamentos,
palavras e obras, para se tornar um ser consciente e responsável, mas não um encarcerado
numa rede de proibições que ele não entende ou não acha justas e só não as
viola quando não pode.
Observar
inconscientemente as proibições, limitar-se a não fazer o que é proibido como
mal, sem desenvolver em si mesmo as faculdades de fazer o bem, é um
estacionamento, uma paralisia espiritual.
O ideal, a grande
aspiração do Espiritismo, é esclarecer, acordar as consciências individuais, sem
pear as energias, mas, ao contrário, desenvolvendo em cada pessoa o espírito de
iniciativa, o amor à atividade harmoniosa e construtiva. Podemos reconhecer que
no estado atual da humanidade da Terra a aspiração espírita é de realização
difícil, destina-se a remoto futuro, mas nem por isso deixa de ser um grande ideal
superior que devemos ter sempre diante dos olhos.
A moral negativa,
das proibições, do não faças tais e tais coisas, produz massas inconscientes e
obedientes ou revoltados e rebeldes: é o desejo dos amantes da disciplina, da
padronização do espírito humano; mas essa padronização é negada pela natureza
da evolução espiritual.
Os Espíritos
superiores não formam uma democracia como algumas pessoas supõem, mas, muito ao
contrário, formam uma aristocracia com uma hierarquia infinita, na qual reina
compreensão e por isso mesmo harmonia natural e não harmonia imposta pela
disciplina, pelos mais fortes aos mais fracos.
Numa democracia as
tarefas são estabelecidas de baixo para cima: as massas escolhem entre si as
pessoas que terão de dirigi-las e as minorias disciplinadamente submetem-se às
maiorias, estejam estas com ou sem razão. Prevalece o número e não a qualidade
e esse número pode a qualquer tempo desfazer sua própria obra, substituir seus
dirigentes. Precisamente o contrário se dá no mundo espiritual: as tarefas são
destinadas de cima para baixo e o número nada significa; reina consciência
clara, e as substituições não são consequência de erro da "eleição",
mas de incapacidade prevista do missionário e providenciadas antes do insucesso.
Um Espírito pede uma tarefa superior às suas
forças: os Guias sabem que ele vai falhar em meio do caminho, mas que o esforço
lhe será útil e fará obra preliminar de pioneiro: conferem-lhe a tarefa e
destinam outro para retomá-la no ponto em que o primeiro provavelmente virá a falhar;
de sorte que a sua falência não anula o plano Divino da evolução, porque, a
substituição se faz no momento oportuno e já previsto.
A Democracia é
excelente para o governo material das nações, mas não é aplicável nem aplicada
ao mundo espiritual, onde a disciplina só existe pela superioridade individual
de uns e inferioridade de outros, mas não pela imposição tirânica das maiorias
às minorias. Em outras palavras: os Espíritos atrasados não elegem seus Guias,
nem teriam conhecimentos necessários a tal eleição; são os Guias que decidem a
quem cabe dirigir. Deus não impede ao homem de praticar o mal, deixa-lhe toda
liberdade, mas ele sofrerá todas as consequências e aprenderá à sua custa a
evitar o mal e praticar o bem, por sua própria escolha.
Nossas organizações
atuais ainda necessitam de proibições, mas o nosso ideal é aboli-las a pouco e
pouco até que cada homem seja um juiz de todos os seus atos.
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