Espiritismo “Sui-Generis” Parte 1
Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Junho 1944
A
maior tarefa do Espiritismo, hoje mais do que em outros tempos, está na
evangelização dos lares, sem o que progresso espiritual dos homens se irá
processando com grande lentidão, pela dificuldade de se expurgir dos corações a
poluição do pecado. Com a evangelização dos lares, proporcionar-se-á o
encaminhamento moral da criança nos moldes da orientação verdadeiramente
cristã, fortalecendo-lhe o espírito, tornando-a menos vulnerável às paixões,
preparando-a, enfim, para participar com real eficiência da obra de renovação
do homem.
O maior e mais importante setor da atividade espírita é,
pois, o lar. Através dele o Espiritismo poderá alcançar o seu grande e nobre objetivo,
que é a cristianização das massas. Espiritas, verdadeiramente, não os temos
muitos, porque podem, talvez, ser contados aqueles que trazem o Evangelho nos
lábios e no coração simultaneamente. Crer na fenomenologia espiritista, frequentar
sessões práticas e de estudo, renunciar a outras religiões sem seguir os
preceitos da moral espírita, convenhamos, não basta ao Espiritismo. Temos
"espíritas" que se combatem, que procuram destruir o próximo e sua
obra, em nome não sabemos de que princípios. Haja vista quanto se passa por aí
acerca de Roustaing, tão malsinado por incompreendido, tão enxovalhado por tão
pouco lido... Entretanto, que nos deu Roustaing? Que fez ele pelo Espiritismo?
Qual sua ação a respeito de Allan Kardec? Sua obra é um monumento de sabedoria,
representa um serviço notável à causa espírita, prestigia e reforça a doutrina
codificada por Kardec. E esses pseudo-espíritas investem aqueles que não querem
ficar no meio do caminho, acusam-nos, atacam-nos, esquecidos de que não há
sentimento espírita onde não houver sentimento cristão.
Não é espírita quem não ratifica pelo exemplo a doutrina que
prega ou ouve pregar. O espírita não alimenta sentimentos subalternos, não
busca envaidecer-se, não procura a evidência, satisfazendo-se com o realizar
bem os deveres que lhe cabem.
Infelizmente, a vaidade tomou conta dos supostos espiritas.
Uma de suas piores manifestações é de caráter literário, porque há quem faça
questão de parecer emérito vernaculista, escritor primoroso, estilista impecável,
ainda que tripudiando sobre a ética cristã. Essa preocupação tola e anti-espírita
tem induzido muitos adeptos da doutrina a lastimável situação espiritual. A
vaidade tomou conta de os pretensos espíritas a que nos referimos. Domina-os,
conduz-os a práticas que se contradizem, que ferem os princípios doutrinários,
o código moral do Espiritismo.
São esses falsos seguidores da doutrina que maior mal causam
ao Espiritismo, levando a desilusão e a descrença a simpatizantes, muitas vezes
egressos decepcionados de outras religiões...
Eles nos fazem recordar estas palavras de Jesus:
"Nem todo aquele
que me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus; aquele, porém, que fizer
a vontade de meu pai que está nos céus, esse entrará no reino dos céus. Muitos
me dirão nesse dia: Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome, não expulsamos
em teu nome os demônios e não fizemos em teu nome muitos prodígios? Então lhes
direi: Nunca vos conheci; afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade. Aquele
que escuta as minhas palavras e as pratica é comparável ao homem ajuizado que
construiu sua casa sobre a rocha. Veio a chuva, transbordaram os rios, os
ventos sopraram e se arremessaram sobre essa casa e ela não caiu por estar
edificada sobre a rocha. Aquele, porém, que ouve as minhas palavras e não as
pratica se assemelha ao insensato que construiu sua casa na areia. Veio a
chuva, os rios transbordaram, sopraram os ventos, precipitaram-se sobre essa
casa e ela desabou e grande foi a sua
ruína. Ora, terminando Jesus esses
discursos, a multidão se admirava da sua doutrina, porque ele a instruía como
tendo autoridade e não como os escribas e os fariseus" (Mateus, VII, 21-29).
*
Falsos espíritas são os que aborrecem a humildade e se
embriagam com aplausos fáceis; são os que trazem o Cristo nos lábios, mas o
coração deserto de sentimentos fraternos. Escravos do orgulho, servos da
vaidade, presumem servir a Deus, quando, na realidade, servem a Mamon. Que
adiantam livros cheios de lições evangélicas, artigos magníficos de doutrinação,
discursos empolgantes de catequese, se o objetivo maior não é servir a Jesus,
mas atender a exigências dum personalismo sorrateiro e debilitante?
Até para os que a esses ouvem ou leem Jesus deixou no
Evangelho outra advertência que não perde o sentido de oportunidade:
"Observai e
fazei, pois, o que eles vos disserem, porém, não os imiteis nas suas obras,
porquanto dizem, mas não fazem. Atam pesados e insuportáveis fardos e os
colocam sobre os ombros dos homens e no entanto nem ao menos com o dedo os querem tocar. Todas as suas ações eles
as praticam para, serem vistos pelos homens; daí o alargarem seus filactérios (caixa,
geralmente de couro, que contém pergaminho com textos bíblicos judaicos,
transportada no ritual judaico junto à testa e ao braço esquerdo) e alongarem
suas franjas. Querem os primeiros lugares nos banquetes e os primeiros assentos
nas sinagogas. Gostam de que os saúdem nas praças públicas e de que os homens
os chamem de mestres". (Mateus, XXlll, 3-7).
Esses pseudo-cultores do Espiritismo são como crianças
educadas com excesso de mimos pois, quando contrariados, põem de lado a
doutrina e mergulham de olhos fechados no abismo trevoso da intolerância,
esquecidos de que somos todos imperfeitos, todos temos defeitos e qualidades,
mas, para melhor progredirmos, precisamos de serem benevolentes com as faltas
alheias e severos com os próprios erros, Faz-se o contrário, entretanto. Depois,
abrem o Evangelho, estudam-lhe os versículos, fazem preleções e, como sucede em
outras religiões, consideram-se absolvidos de todos os pecados".
Espiritismo “Sui-Generis” Parte 2
Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Junho 1944
Não se pode compreender Espiritismo sem tolerância, sem
fraternidade, sem propósitos conciliadores. E, diante do que ora se observa nos
meios espíritas, valha-nos o velho rifão:
"Deus escreve direito por linhas tortas". De fato,
assim o é.
O "caso Humberto de Campos" veio a talhe de foice.
Fazia-se mister separar o joio do trigo, apartar a boa da má ovelha, de modo
que a questão suscitada pelas obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier
tem servido de "teste" a muitos dos que trombetearam a segurança de
sua crença espírita, sem, contudo, saberem cumprir os postulados mais simples
da doutrina.
É claro que o joio tem também sua utilidade, como a má
ovelha não deve ser deixada ao abandono. Torna-se necessário, no entanto, fazer
a distinção entre uns e outros para que o bom não seja corrompido pelo mau e este
possa ser assistido para se tornar como aquele.
O Espiritismo não foi obra do homem, mas dos Espíritos,
através dos médiuns que facilitaram a codificação dos ensinamentos por Allan
Kardec. Entretanto, há Espiritismo e ... espiritismo. Tem-se visto mais adeptos
do espiritismo do que seguidores do Espiritismo... Se assim não fora, a união
de espíritas e "espíritas" seria completa nesta conjuntura e os
pseudo-profitentes da Terceira Revelação não estariam auxiliando o esforço dos
tradicionais inimigos do Espiritismo, aproveitando-se de todos os motivos, por
mais fúteis, para, ostensiva ou dissimuladamente, investirem a Federação
Espirita
Brasileira,
instituição por todos os títulos respeitável.
Esse espiritismo "sui-generis" desmascarou-se
desta feita. Os "quislings" da doutrina, no afã de dar expansão a
sentimentos inamistosos e, por conseguinte, anti- espíritas, se esqueceram de
que é chegado o momento crítico dos testemunhos indeclináveis.
A divisa de Kardec – “trabalho, solidariedade, tolerância” -
somente é lembrada nas discurseiras pomposas, nos escritos frequentes, em
jornais e revistas, porque, na vida de relação, principalmente quando se
oferece uma oportunidade de aplicá-la com espírito sincero e humildade, parece
que o seu sentido se altera.
O Espiritismo tem mais a temer daqueles que se mascaram de
espíritas, para melhor feri-lo - lobos entre ovelhas... - do que de seus
inimigos declarados. Estes são conhecidos, fáceis de neutralizar; aqueles se
confundem com os crentes sinceros e só de quando em quando pelas suas atitudes
contrárias ao que Kardec determina em suas obras fundamentais.
Dessa maneira, devemos elevar o pensamento ao Alto,
agradecendo a dádiva preciosa que, para o Espiritismo, representa a conduta
hostil à Federação, tomada por elementos que dizem comungar com a mesma
doutrina que professamos, doutrina de paz, amor e caridade. E, chegada que foi
a hora decisiva, instilemos em nossos corações o sentimento de tolerância que
nos ensinam os nossos maiores, em obediência que às lições desse Allan Kardec
tão citado, tão “defendido” e, desgraçadamente, tão esquecido nos momentos em
que mais deveria ser lembrado.
A obra grandiosa da Federação Espírita Brasileira não será
jamais destruída pelos que se deixam sugestionar pela Treva. Obra sã, amparada pelo
refulgente Espírito Ismael, cumpre o seu destino fecundo, indiferente aos
apodos, às injúrias, às injustiças, porque, afinal, tudo isto é do mundo.
Quantos, depois de haverem-na apedrejado, não acabaram reconhecendo o erro
praticado e nela vieram buscar o conforto espiritual de que precisavam!
Não se atiram pedras em árvores sem frutos ... E a cada
pedrada recebida, a Federação deixar cair opimo (excelente,
rico, fértil, de grande valor) fruto da sua
semeadura evangélica.
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