Cortinas de fumaça
Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Dezembro 1942
No piedoso intuito de mostrar as
maleficências do Espiritismo, o digníssimo reverendo Zioni, quando não dá
ensanchas ao gênio inventivo, arma umas frases que ninguém entende. E é fácil saber
porque.
Pretende ele desvirtuar, deturpar
os ensinos ou os factos espíritas, mas não quer que o apanhem em falso. Põe-se,
então, a ajeitar os períodos, e, sobretudo, a enfumaçá-los, a fim de que passe
por verdade o "maranhão" (mentira bem engendrada)
que nos esteja a apresentar. Senão, vejamos esta, a título de amostra:
"A primeira vista, sob o
aspecto social evidencia-se o Espiritismo como uma instituição beneficente aos
que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz.
A Santa Igreja, sempre de atalaia, proibiu aos seus filhos a menor contribuição
a essas instituições, sectárias do erro e de intentos perversos ... " (O
Probl. Esp. Pág. 9)
Perceberam? Provavelmente, não. Nós,
porém, que lidamos há muito com o "pessoal", com cujas manhas estamos
familiarizado, já vamos explicar a coisa e o que ele quer dizer na sua.
Como se vê, fala-se ali em
"instituições beneficentes". Todos sabem que, em Espiritismo, há
essas instituições. Não existe ninguém, mediocremente esclarecido, que não
julgue supinamente estúpido combate-las. Mas, a Igreja as combate; lançam-se lhe
anátemas de todos os púlpitos; não deixa de entrar com seu contingente o padre Zioni.
Para justificar, então, assim a
arrancada ofensiva, como para desmoralizar as ditas instituições, o professor
lança aquela cortina de fumaça: "instituição beneficente aos que sofrem as
dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz". E
reforça o período nebuloso, com epítetos, desta vez claros, à guisa de solução
do enigma: - "instituições sectárias
do erro e de Intentos perversos".
Ora, os asilos espiritas são
abrigos de órfãos, casas de velhos, tabernáculos para os desamparados. Neles se
socorrem, indistintamente, a todos.
Nunca, absolutamente nunca, nunca
jamais, constou a ninguém que se andassem catando especialmente para os abrigos
os sofredores de taras, os herdeiros infelizes. Donde viria, para o padre, essa
finalidade das instituições?..
Clara, a manganilha (artimanha):
Trata-se de conspurcar a beneficência espírita. Não sabendo como atingir o alvo
e receoso de que desse muito na vista a protérvia (petulância),
arranjou S. R. aquela frase, por onde se insinuava a maranha (fibras
embaraçadas). Antevendo o risco de ser colhido em flagrante embuste, foi
entrevando o período; besuntou-o de termos impressionantes, para que a casca do
trovisco (tipo de arbusto venenoso) produzisse nas ideias as necessárias
empolas (bolhas) e ficassem todos a crer que as beneficências estavam ligadas a
taras infelizes e hereditariedades do mesmo jaez.
O ilustre ministro de Deus - vejam
só a quanto leva o sacrifício pelas coisas divinas - faz ali o papel de melga, mosquito que pica sem zunir.
*
Constam em muitos estatutos das
malsinadas instituições, que nelas não se faz questão do credo dos protegidos.
Católicos ou protestantes, espíritas ou não, são eles aceitos de acordo com sua
indigência ou infelicidade. Em muitas dessas mansões de amor fraterno, o
asilado exerce o culto que entende. O que nelas se procura é prestar socorro,
tão somente.
Mas não tinha que ver! O padre
precisava escurecer aquilo tudo. Fazia-se mister denegrir a caridade espírita
e, de outra mão, inocentar a campanha agressiva dos seus correligionários e a
dele, inclusive. E vai daí, lançou aquela caligem (escuridão,
trevas) das taras bio-psicológicas e da hereditariedade infeliz, com o
acréscimo da terrível objurgatória - instituições sectárias do erro e de
intentos perversos.
Tivesse S. Reverendíssima, ainda
que por momentos, o desejo de explicar-se, ou pelo menos esclarecer-nos um
pouco, e nós lhe perguntaríamos porque, apanhando uma criança ao desamparo, a
quem morreram os pais, ou que estes abandonaram, são obrigados os espíritas a
responder pelas taras bio-psicológicas, ou têm alguma coisa que ver com as
hereditariedades Infelizes: ou porque há de haver sempre uma hereditariedade
infeliz ou uma tara psicológica, num indivíduo a quem as asperezas da sorte ou
as desgraças do mundo lançaram na orfandade, ou cobriram de andrajos na
velhice.
E indagaríamos, ainda, ao honrado
reverendo, porque será instituição sectária do erro a que procura dar em vez de
receber, a que recolhe sem nada indagar, a que não estabelece condições para o
amparo, a que consola em vez de excomungar, a que enaltece em vez de humilhar.
Onde estarão os intentos
perversos, numa obra de caridade, em que se dá tudo e não se pede nada?..
Em resumo: não sabendo como aviltar
as instituições de benemerência espírita, o professor mascara o seu período com
uma transe bombástica e obscura, onde fala em bio-psicologia, em taras, em
hereditariedades infelizes, sem que se saiba porque os beneficiados hão de ter
essas taras e essas hereditariedades, nem se compreenda a culpa que delas cabe
aos espíritas beneficiadores. Mas, a frase lá fica para turvar o merecimento da
obra. E para achatá-la de veras, dado o caso de que o mistifório (confusão) não
produza o desejado efeito, atira o padre a contumélia (insulto,
afronta) final: instituições de
intentos perversos.
Está justificada a Igreja no seu
anátema. A Igreja e ele!
E depois daí, o honrado sacerdote
continua a folhear tranquilamente o seu breviário e o erudito professor a esparzir
as luzes do seu conhecimento e os benefícios da sua justiça por sobre as
promissoras cabeças dos seminaristas do Ipiranga!
Nenhum comentário:
Postar um comentário