Na Palestina
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB)
Janeiro 1954
Conta antiga lenda
persa que, certa vez, chegou Jesus a vetusta cidade, à hora em que a. terra
ainda repousava envolta nas brumas da madrugada. Tudo era silêncio. Por isto,
encaminhou-se ele para pequena colina e lá de cima aguardou que o dia
amanhecesse. À proporção que o Sol fazia emergir da névoa matutina as ruas
estreitas e :irregulares, os habitantes iam despertando para as lutas habituais.
Desceu Jesus do monte e seguiu o rumo do mercado, onde se misturava gente de
toda espécie. Os mercadores começavam a armar suas barracas, em algazarra
ensurdecedora. Mais adiante, viu o Mestre, sentado no chão úmido, uma mulher
pálida, que trazia ao colo o filho faminto. A criança, chupando-lhe inutilmente
o seio ressequido, chorava, desesperada. Acercando-se dos infelizes, Jesus
passou as mãos sobre a cabeça de ambos, que estremeceram. Prolongado suspiro
partiu do peito da pobre mãe e logo ela sentiu que a criança sugava avidamente
a mama até então vazia. O leite era farto. A desgraçada espantara-se, ignorando
a razão do bem-estar que experimentava. Reanimara-se e o filhinho lhe traduziu
no olhar meigo a alegria que o visitava. Jesus permaneceu invisível,
amparando-os com os seus fluidos magníficos. Nisto apareceu um mercador de bom
coração. Vendo a mulher, disse-lhe,
satisfeito:
- Sabes? Meu filho
faz hoje um ano!
Está ficando homem!
Acho-me contente, contentíssimo. Deixa-me ver o teu. Que anjo! É tão bonito
quanto o meu. Toma este dinheiro e este cabaz de frutas. Quero que festejes
também o aniversário de meu filho. Pede a Deus por ele, assim como eu, neste
instante, peço também a Deus que dê saúde a ti e a teu filho e que ele cresça
forte para um brilhante futuro!
E seguiu seu
caminho, alegre. Ela ficou tão comovida que nada pode dizer. Seus grandes e
belos olhos, no entanto, afogaram-se em lágrimas. Era a resposta silenciosa da
gratidão.
*
Jesus continuou sua
rota. Encontrou, além, dois homens que altercavam por fútil razão. Alegava um
que o lugar ocupado pelo outro lhe pertencia, pois chegara primeiro ao mercado.
Respondia o segundo que ali estivera em outras ocasiões, adquirindo, pois,
prioridade pelo local disputado. Estavam quase a atracar-se quando o Mestre
interveio:
- Amigos: o mundo é
tão grande e estais brigando por tão pequeno espaço; o tempo é tão curto e estais
pondo fora preciosos momentos da existência. Porque não tentais resolver
fraternalmente a questão? Vejamos: são iguais as mercadorias que vendeis?
- Não. Eu vendo
frutas.
- E vós?
- Eu? Vitualhas... (alimentos)
- Então, porque se
hostilizaram, quando, unidos, podeis formar ambiente mais favorável aos vossos
negócios? A paciência facilita a compreensão, a ira a perturba.
Dizendo isto, Jesus
se afastou.
Os dois homens se
entreolharam com mais simpatia e compreenderam que havia cabimento no que
dissera aquele homem, para eles desconhecido. Não tardou que trocassem ideias
sobre a arrumação das respectivas mercadorias, cada qual mais solícito que o
outro.
E assim foi Jesus
disseminando a fraternidade, pregando o bem, desfazendo conflitos,
restabelecendo a harmonia, insuflando a caridade no coração dos homens e
perfumando com a gratidão dos favorecidos o espírito dos benfeitores sinceros.
*
Durante algumas
horas pervagou o Mestre o velho marcado, até que viu um grupo de homens em
torno de um cão morto, de cujo pescoço saía uma corda longa com a qual,
certamente, o haviam arrastado. Era insuportável o mau cheiro daquele corpo já
em decomposição.
- Isto está podre!
Faz-nos mal-estar respirando este ar pestilento! protestava um dos presentes.
- Que ideia
estúpida, trazer para aqui um cão morto! Que nojo! O diabo que o leve!, atalhou
outro.
Não presta nem para
botar fora! Está com o couro rasgado! - acrescentou um terceiro que farejava a
possibilidade de aproveitar alguma coisa do inditoso animal.
- O melhor é
queimá-lo. Deve ter sido um cão vadio e ladrão. Para ladrão, só fogo! - rematou
outro.
Jesus, que ouvira
tudo em silêncio, curvou-se sobre os restos do pobre cão e fez também seu
comentário:
- Entretanto, que
belos são os seus dentes! Mais brancos que as mais caras pérolas do Oriente!
Sua voz se tornara
mais impressionante na profunda ternura de seu tom e o brilho de seu olhar invariavelmente
meigo adquiriu indefinível doçura. Afastou-se mansamente, por entre olhar os de
surpresa e respeito. Entretanto, suas palavras ecoaram no íntimo daqueles
indivíduos e um deles ponderou, admirado:
- Quem será esse
estranho? Tanta nobreza no porte, tanta simplicidade no gesto, tanta pureza no
semblante ... Ninguém senão Jesus, o Nazareno, seria capaz de se compadecer até
de um cão morto, de descobrir num animal putrefato alguma coisa digna de
piedade e louvor... Garanto a vocês como é o Nazareno que ali vai!
Foi quando muitos
reconheceram que, na verdade, era o Mestre excelso que ali estivera. Tentaram
segui-lo, mas seu perfil inconfundível se diluiu à curta distância...
Arrependidos e confusos, os homens arrastaram o cão para um terreno baldio e Já
o enterraram sem maiores apreciações.
Assim, com
sabedoria e humildade, Jesus deixara no mundo mais uma de suas prodigiosas
lições de amor e tolerância, para a meditação das criaturas de boa-vontade. Seu
exemplo foi uma reprovação à maledicência e um incentivo à caridade. Quisera
demonstrar que sempre há alguma coisa de aproveitável no que nos parece ruim.
Pode mesmo ser um quase nada de bondade, mas o suficiente para justificar um
pensamento e uma palavra de simpatia.
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