O século XVIII terminava o seu curso
sob as mais violentas convulsões a que jamais a Humanidade assistira.
Em nome da liberdade, em nome desse
princípio altruísta e santo, cometeram-se as maiores atrocidades e os mais violentos
atentados contra a sua própria essência.
O espírito das trevas baixou sobre a
França e, invadindo o coração do mundo, sobre ela descarregou todo o seu ódio e
toda a sua maldade.
Em nome da liberdade tolheu- se o
livre arbítrio do homem, amesquinhou-se o direito de livre pensamento, em uma
palavra, anulou-se a própria liberdade humana! Infelizes
que foram e que são! Não compreendem que a liberdade é função imediata do amor,
porque só o amor, princípio gerador da caridade, é que conduz a criatura a não fazer
a outrem o que não quer que se lhe faça.
Cumpra-se a lei, e ter-se-á
liberdade. E a lei é: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si
mesmo.
Dentro deste escrínio divino,
encontra-se toda a felicidade imaginável. Aí também está a liberdade bela e
santa que fará a felicidade dos homens quando a souberem praticar.
Mas infelizes que são, quando
confundem os abusos e licenças com o dom sublime e grandioso da liberdade!
Não se lembram de que os opressores
de hoje serão os oprimidos de amanhã; e então conservarão em seus espíritos
todos os sentimentos contrários à liberdade.
Os déspotas são outros tantos Simão,
que, de sapateiro que era, se tomou diretor político da culta França, quando
diabolicamente convulsionada sob as inspirações tirânicas
de Marat.
Foi assim que o déspota de outrora,
não querendo subordinar-se às suas condições humildes de simples proletário de
então, audaciosamente se fez chefe revolucionário e apoderou-se do Delfim, o
pequenino príncipe, pobre criança indefesa, que, para o novo déspota, era réu
de lesa-liberdade: era filho do rei! E, por isso o sapateiro de então, mas o
déspota de outrora, em nome da liberdade reduz o inocente filho de Maria
Antonieta a seu escravizado!
O tufão do crime, arrastando em sua
impetuosidade todo um cortejo de males, arrancara dos corações daqueles
infelizes o sentimento de piedade pelas misérias e de respeito por tudo quanto
era santo, pois que o próprio Deus, o Criador do Universo, foi, por uma
arrogante ironia, sacrilegamente substituído pela deusa "Razão".
Em nome dessa deusa eles praticaram
desmandos e desvarios tais que tocaram à meta. Pararam porque não mais puderam
prosseguir.
Se Deus consentira que aqueles
homens, no uso de seu livre-arbítrio, pudessem servir de pedra de escândalo na
punição necessária de uns tantos culpados, nem disso se conclua
que Ele abandona a Humanidade.
Não; Ele afastou do cenário do mundo
os principais instrumentos de escândalo, e ao mundo enviou uma legião de
missionários para desfraldarem a bandeira da liberdade com o amor, em
substituição da liberdade com o crime.
À frente de tal legião era mister
colocar-se um Espírito já bastantemente provado nos sentimentos da caridade e
da abnegação, um Espírito capaz de pregar e de exemplificar a doutrina do seu
amado Filho, N.S. Jesus Cristo, como sendo capaz de sanar tão grande mal, e o
único lenitivo às dores cruciantes que sofria à Humanidade, em virtude dos seus
desvarios e crimes.
Espírito de escol, tirado dentre os
da elite celestial, deveria naturalmente ser aquele que em sua anterior
encarnação dera provas exuberantes de abnegação e de profundo amor pela
liberdade e pela verdade, síntese da doutrina do seu amado Filho.
Foi chamado João Huss que, em defesa
da verdade, fora lançado em uma fogueira!
João Huss era um espírito de têmpera
moral capaz de resistir, como resistiu, aos vendavais das perversidades
humanas.
E assim foi que, efetivamente, ele
soube afrontar galhardamente as chamas de uma fogueira ainda mais temível: a
fogueira dos escárnios, das injúrias e das calúnias.
Assim, por determinação do Senhor,
encarnou Allan Kardec.
Dizer-se o que foi este missionário
é, caro leitor, tarefa incomparavelmente superior às nossas exíguas forças.
O que sabemos é que o homem é o
fruto de suas próprias ações, é idêntico às suas próprias obras. Quereis
conhecê-lo? Estudai os seus feitos, examinai as suas obras.
Estudai Allan Kardec na sua obra, e
lá encontrareis a alma diamantina do seu grande autor.
Vereis, então, abrirem-se aos vossos
olhos as duas brilhantes páginas do grande poema em que estivera encerrado todo
o seu espírito: numa admirareis o saber de sua rutilante
mentalidade, noutra vos extasiareis diante das virtudes que foram o apanágio da
sua vida de peregrino.
Difícil será dizer-se qual das duas
é mais digna da nossa contemplação, da nossa admiração; qual das duas inspira
mais veneração e desperta maior entusiasmo pelo seu autor.
Assim, n' "O Livro dos
Espíritos" encontra-se o filósofo ultra transcendente; no "O
Evangelho segundo o Espiritismo" depara-se o espírito profundamente bom e
amoroso, a fazer compreender a grandeza do amor de Jesus. Salve! Salve, Mestre!
O Grande MIssionário
por Pedro Richard
Reformador (FEB) Outubro 1904
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