quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O Grande Missionário

Autor: Pedro Richard

            
            O século XVIII terminava o seu curso sob as mais violentas convulsões a que jamais a Humanidade assistira.

            Em nome da liberdade, em nome desse princípio altruísta e santo, cometeram-se as maiores atrocidades e os mais violentos atentados contra a sua própria essência.

            O espírito das trevas baixou sobre a França e, invadindo o coração do mundo, sobre ela descarregou todo o seu ódio e toda a sua maldade.

            Em nome da liberdade tolheu- se o livre arbítrio do homem, amesquinhou-se o direito de livre pensamento, em uma palavra, anulou-se a própria liberdade humana! Infelizes que foram e que são! Não compreendem que a liberdade é função imediata do amor, porque só o amor, princípio gerador da caridade, é que conduz a criatura a não fazer a outrem o que não quer que se lhe faça.

            Cumpra-se a lei, e ter-se-á liberdade. E a lei é: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

            Dentro deste escrínio divino, encontra-se toda a felicidade imaginável. Aí também está a liberdade bela e santa que fará a felicidade dos homens quando a souberem praticar.

            Mas infelizes que são, quando confundem os abusos e licenças com o dom sublime e grandioso da liberdade!

            Não se lembram de que os opressores de hoje serão os oprimidos de amanhã; e então conservarão em seus espíritos todos os sentimentos contrários à liberdade.

            Os déspotas são outros tantos Simão, que, de sapateiro que era, se tomou diretor político da culta França, quando diabolicamente convulsionada sob as inspirações tirânicas de Marat.

            Foi assim que o déspota de outrora, não querendo subordinar-se às suas condições humildes de simples proletário de então, audaciosamente se fez chefe revolucionário e apoderou-se do Delfim, o pequenino príncipe, pobre criança indefesa, que, para o novo déspota, era réu de lesa-liberdade: era filho do rei! E, por isso o sapateiro de então, mas o déspota de outrora, em nome da liberdade reduz o inocente filho de Maria Antonieta a seu escravizado!

            O tufão do crime, arrastando em sua impetuosidade todo um cortejo de males, arrancara dos corações daqueles infelizes o sentimento de piedade pelas misérias e de respeito por tudo quanto era santo, pois que o próprio Deus, o Criador do Universo, foi, por uma arrogante ironia, sacrilegamente substituído pela deusa "Razão".

            Em nome dessa deusa eles praticaram desmandos e desvarios tais que tocaram à meta. Pararam porque não mais puderam prosseguir.

            Se Deus consentira que aqueles homens, no uso de seu livre-arbítrio, pudessem servir de pedra de escândalo na punição necessária de uns tantos culpados, nem disso se conclua que Ele abandona a Humanidade.

            Não; Ele afastou do cenário do mundo os principais instrumentos de escândalo, e ao mundo enviou uma legião de missionários para desfraldarem a bandeira da liberdade com o amor, em substituição da liberdade com o crime.

            À frente de tal legião era mister colocar-se um Espírito já bastantemente provado nos sentimentos da caridade e da abnegação, um Espírito capaz de pregar e de exemplificar a doutrina do seu amado Filho, N.S. Jesus Cristo, como sendo capaz de sanar tão grande mal, e o único lenitivo às dores cruciantes que sofria à Humanidade, em virtude dos seus desvarios e crimes.

            Espírito de escol, tirado dentre os da elite celestial, deveria naturalmente ser aquele que em sua anterior encarnação dera provas exuberantes de abnegação e de profundo amor pela liberdade e pela verdade, síntese da doutrina do seu amado Filho.


            Foi chamado João Huss que, em defesa da verdade, fora lançado em uma fogueira!

            João Huss era um espírito de têmpera moral capaz de resistir, como resistiu, aos vendavais das perversidades humanas.

            E assim foi que, efetivamente, ele soube afrontar galhardamente as chamas de uma fogueira ainda mais temível: a fogueira dos escárnios, das injúrias e das calúnias.
           
            Assim, por determinação do Senhor, encarnou Allan Kardec.

            Dizer-se o que foi este missionário é, caro leitor, tarefa incomparavelmente superior às nossas exíguas forças.

            O que sabemos é que o homem é o fruto de suas próprias ações, é idêntico às suas próprias obras. Quereis conhecê-lo? Estudai os seus feitos, examinai as suas obras.

            Estudai Allan Kardec na sua obra, e lá encontrareis a alma diamantina do seu grande autor.

            Vereis, então, abrirem-se aos vossos olhos as duas brilhantes páginas do grande poema em que estivera encerrado todo o seu espírito: numa admirareis o saber de sua rutilante mentalidade, noutra vos extasiareis diante das virtudes que foram o apanágio da sua vida de peregrino.

            Difícil será dizer-se qual das duas é mais digna da nossa contemplação, da nossa admiração; qual das duas inspira mais veneração e desperta maior entusiasmo pelo seu autor.

            Assim, n' "O Livro dos Espíritos" encontra-se o filósofo ultra transcendente; no "O Evangelho segundo o Espiritismo" depara-se o espírito profundamente bom e amoroso, a fazer compreender a grandeza do amor de Jesus. Salve! Salve, Mestre!

O Grande MIssionário
por Pedro Richard

Reformador (FEB) Outubro 1904 

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