Há
quem suponha que o livre arbítrio do homem seja absoluto, incontrastável, e
que, no uso dessa prerrogativa, ser-lhe-ia possível fazer ou deixar de fazer o
que bem entendesse, até mesmo rejeitar os planos de Deus, ou colocar-se
ostensivamente contra eles, sem que houvesse meio de dobrar lhe a cerviz.
A teologia tradicional assim o
ensina e uma vasta literatura, dita cristã, também o confirma, ao apregoar que
a vontade de Deus está sendo frustrada constantemente pelo homem aqui na Terra,
como já o fora por grande número de anjos lá no céu.
Puro engano.
Deus quer que o homem tenha o mérito
da glória para a qual o destinou e por isso, a par das revelações progressivas
com que lhe há iluminado a consciência, concede-lhe relativa liberdade, a fim
de que cada qual a alcance por si mesmo, pelo próprio esforço.
Insipiente, pode ele, então, tal
qual o filho pródigo da parábola evangélica, enveredar
por ínvios carreiros (os erros e crimes de toda espécie), distanciando-se da
retidão (o cumprimento das leis de Deus).
Cada vez, porém, que isso acontece, sofre
tropeços, quedas e acúleos que o fazem
retornar ao bom caminho.
Destarte, esses transviamentos
temporários, com as agruras e lacerações que lhes
são consequentes, constituem experiências que ele vai adquirindo para melhor
conduzir-se no futuro e não mais fugir ao roteiro que lhe cumpre palmilhar.
A única coisa, pois, que o homem
pode escolher, a seu talante, lemos algures, é o modo de cumprir a vontade de
Deus; apenas isso.
Quem, como Jesus, haja conseguido
harmonizar o seu querer pessoal com a vontade
divina, cumpre-a com gozo, deleitosamente, como se estivesse a participar de um
esplêndido banquete. Daí as suas palavras: "O meu manjar é cumprir a
vontade d'Aquele que me enviou" (João, 4: 34).
Os que, entretanto, em razão de seu
atraso espiritual, ainda se mostram recalcitrantes, uma vez escoado o
"prazo de espera" que as Leis Divinas concedem a todos
para que se submetam espontaneamente ao seu império, terão que cumpri-las, quer
o queiram quer não, ainda que com sofrimento, dolorosamente, porque acima do
alvedrio humano vige um Determinismo Superior, a regular e a garantir a ordem universal.
O equívoco dos que acreditam seja
possível ao homem deixar de cumprir os desígnios
de Deus reside na ideia corrente de que ele é "essencialmente mau", e pode querer manter-se eternamente afastado do Supremo Bem.
Essa ideia, todavia, é falsa e
insustentável.
Filho de Deus, criado à "imagem
e semelhança" d'Ele, o homem não é, nem poderia ser mau por natureza; pelo
contrário, é "essencialmente bom", potencialmente idêntico ao
Criador, e, pela evolução, dia virá - embora longínquo - em que se tornará uno
com Ele.
Esta conclusão, que pode
escandalizar a muitos, nada tem de extraordinária.
Um recém-nascido, malgrado sua
fragilidade e inconsciência, é um ser adulto em potencial.
O homem, semelhantemente, em que pese a suas limitações atuais, possui em
germe todas as faculdades que hão de deificá-lo. Questão de tempo, trabalho e perseverança
nos bons propósitos.
Assim não fora, e o Cristo não teria
feito esta exortação: "Sede perfeitos, como perfeito é o vosso Pai
Celestial".
Há ainda um outro fator de suma
importância que impede a cristalização do homem
na rebeldia: o desejo de ser feliz.
A felicidade é sua maior e mais
profunda aspiração.
Todo homem quer possuí-la, anseia
tê-la por companheira inseparável de sua existência.
Por outro lado, não há um só que
possa ter o desejo mórbido de ser infeliz para sempre, renunciando em
definitivo às delícias da bem-aventurança.
Ora, como "ser feliz" é
uma decorrência de "ser bom", tanto quanto "ser infeliz" o
é de "ser mau", segue-se que o homem, por mais embrutecido e perverso
que seja, há de, infalivelmente, cansar-se de sofrer, por descumprir as Leis
Divinas, buscando, afinal, aquela felicidade verdadeira e indestrutível que
consiste em fazer o bem, ou seja, em cumprir, com amor, a vontade do Pai Celestial.
A vontade de Deus
Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Agosto 1971
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