Desborda
da Doutrina; é tal como penso; e já o afirmei por escrito: Espiritismo e
Política são incompatíveis, valendo lembrar nesta oportunidade a sábia
assertiva de Camilo Castelo Branco, no sentido de que a política, sob a capa da
razão, cava, num palmo de terra existente entre dois irmãos, a sepultura de
ambos.
Destarte, na análise que ora faço
não sou movido por nenhum objetivo partidário, ideológico ou eleitoreiro. Não
me cabe alvitrar, aqui, sequer sobre o programa do Presidente da República.
Muito menos comentar as medidas que tem tomado, dispensando-me a oportunidade
de considerá-las certas ou erradas. Repito apenas meu ponto de vista sobre um
dos aspectos dessa complexa questão; único aspecto, aliás, que um
artigo nesta revista - ou em qualquer publicação séria sobre Doutrina Espírita
- comporta: ninguém é Chefe de Estado por acaso.
Alcançar a mais alta magistratura
dum Pais é acontecimento que não se regista na carreira de nenhum Espírito
encarnado senão com o beneplácito do Alto. É claro que isso não implica endosso
permanente a tudo o que um Presidente faça. O caminho à suprema curul é aberto
ao emissário e até mesmo alguns problemas lhe são contornados pelos mentores
espirituais.
Mas, depois de coroado, embora
continue como qualquer criatura a ser assistido, o Presidente é deixado à sua
liberdade e à sua consciência.
No entanto, como dele dependerão
indiretamente milhões de vidas outras, poderá ser afastado se não cumprir sua missão
com desvelo. Ouçamos, a propósito, a palavra abalizada do superior Espírito de
Emmanuel:
“A
responsabilidade dum cargo público, pelas suas características morais, é sempre
mais importante que a concedida por Deus sobre um patrimônio material. Daí a
verdade que, na vida espiritual, o depositário do bem público responderá sempre
pelas ordens expedidas pela sua autoridade, nas tarefas da Terra” (“O
Consolador”, questão 65).
Veja-se, ainda do próprio Emmanuel,
a narrativa do caso de Napoleão, em “A Caminho da Luz”, págs. 175/176 da 5ª
edição:
“O
humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do
século XIX, não soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão.
Bastaram as vitórias de Arcole e de Rivoli, com a paz de Campo-Fórmio, em 1797,
para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o pensamento”. “Sua fronte de
soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é
que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças”.
Caberia uma indagação: o afastamento
seria decursivo da influenciação do Alto junto aos inimigos do Presidente para
que ele - por exemplo - seja deposto? Não. Evidentemente que não. O Alto só é
agente do Bem. Dar cobertura a criaturas que, embora às vezes por causas
nobres, empregam meios de violência, de atrito, de luta, seria inconcebível da
parte dos bons Espíritos, responsáveis pelos destinos dos países. O que o Alto
faz é apenas retirar a sua cobertura, deixando o Presidente sem apoio, sem amparo
espiritual. Então, os que investem contra ele (e há sempre esses, em qualquer
país) acabam levando de vencida seus planos e o Presidente cai, é afastado, é
apeado. Por outro lado, enquanto ele estiver cumprindo seu dever com lealdade a
Deus e a seu povo, enquanto estiver empenhado em promover o bem-estar social da
nação sob seu comando, é claro que permanecerá sempre assistido e não vingarão
contra as suas portas as ameaças e as assacadilhas dos que pretenderem
derrubá-lo.
Assinale-se porém, “en passant”, que
muita vez os atos e as decisões dum Chefe de Estado são aparentemente errados
ou injustos, mas intrinsecamente estão certos. O povo, não raro, desconhece a
globalização dos problemas duma nação e julga seus mandatários pelo ângulo
apertado da sua visão de indivíduo isolado, dissociado da coletividade, que é,
afinal, a que tem de ser visada pelo Governo. E pede então o que, a rigor, não
lhe pode ou não lhe deve ser dado. Tal como o faz, igualzinho, em relação a
Deus, quando sofre e acha sempre que lhe é injusta ou imerecida a sua dor. Daí
a lição do missionário Roustaing:
“O
Senhor não se mantém nunca surdo, bem o sabeis, às vozes de seus filhos, quando
se dirigem a ele com confiança e fé. O pai da grande família nem sempre concede
as graças como lhe são pedidas, porque, em vez de constituírem um bem,
redundariam em confusão para o homem”. “O homem a quem o pai celeste deu bom
espírito é aquele que compreende as palavras do Mestre, que se aplica em
praticá-las e nunca desespera do seu amor e da sua justiça” (“Os Quatro
Evangelhos”, tomo segundo, págs. 58/59 da quarta edição).
Falei acima em coletividade a ser
visada pelo Governo. Não se confunda, por favor, essa alusão, com falsas ideias
coletivistas, sonhadas utopicamente pelos que leram Engels e se encantaram por
desaviso. “A caridade e a fraternidade
não se decretam em leis. Se uma e outra não estiverem no coração, o egoísmo aí
sempre imperará” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, capo XXV, nº 8). O
bem da coletividade deve ser objetivo de qualquer Governo honesto; mas
certamente dentro das coordenadas próprias de cada nação, com suas peculiaridades
humanas, suas características psicológicas, seus processos administrativos, sua
produção interna, seu progresso técnico e material. Não nos empolguemos com
promessas aparentemente vantajosas. “O Socialismo é uma bela expressão de
cultura humana, enquanto não resvala para os polos do extremismo”. (“O
Consolador”, questão 57). O bem-estar do proletário é necessário e conveniente,
importante e impositivo. Mas só ele, quando queira e quando possa (não
esqueçamos a implacável lei do carma), deixará de ser - se o for - proletário
injustiçado. Depende mais dele do que de qualquer outra criatura, embora essa
conceituação tenha de ser entendida não em termos de uma só vida, mas da
pluralidade de vidas a que todos estamos sujeitos. Não adianta, pois, alterar
as estruturas políticas. O problema é mais amplo e é de sistemas, não de
regimes.
Evolução é conquista individual e
inalienável.
Ninguém pode fazer nada por mim, se
eu não quiser ser ajudado, se eu não fizer por onde ser ajudado. Lembremos o
Cristo: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”.
Lembremos também o feliz comentário de Kardec, no capítulo XXVII, número 7, de “O
Evangelho segundo o Espiritismo”: “Ele
(Deus) assiste os que se ajudam a si mesmos, de conformidade com a máxima:
“Ajuda-te, que o céu te ajudará”; não assiste, porém, os que tudo esperam dum
socorro estranho, sem fazer uso das faculdades que possui. Entretanto, as mais
das vezes, o que o homem quer é ser socorrido por milagre, sem despender o
mínimo esforço”.
Falando-se porém em proletariado,
complementemos a análise novamente com Emmanuel: “A verdade é que todos os homens são proletários da evolução e nenhum
esforço de boa realização na Terra é indigno do espírito encarnado. Cada
máquina exige uma direção especial e o mecanismo do mundo requer o infinito de
aptidões de conhecimento” (“O Consolador”, questão 57).
Ademais, quem é capaz de jurar que o
homem de maiores recursos não é menos feliz do que o desafortunado? Ah ...
quanto Sol não gostaria de ser vagalume...
Mas, voltemos à noção anterior.
Ninguém chega ao primeiro posto dum País, a não ser com o consenso da
Espiritualidade. Repitamos: será assistido se se mantiver à altura das suas promessas
feitas antes de encarnar; será abandonado se faltar aos seus compromissos...
.....................
trecho de
artigo sob o título ‘Parnaso Oficial’
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Fevereiro 1970
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