Não
restam dúvidas que o mundo anda cheio de mestres, e os dicionários terrestres,
dando-nos o significado do termo, dizem-nos que mestre é “aquele que ensina ou é versado em uma
arte ou ciência”.
Assim, temos mestres de cerimônias, mestre-sala, mestre
de dança, mestre-escola e até mesmo o mestre-cuca, isto é, o nosso cozinheiro.
Em termos,
pois, de práticas mundanas, louvem-se os mestres das várias profissões.
E as escolas? Da mesma sorte que
abundam os mestres, multiplicam-se as escolas. Assim,
temos a Escola Ativa, Escola de Aeronáutica, Escola Lírica, Escola Livre,
Escola Militar,
Escola Naval, Escola Rural, Escola Normal, Escola Primária, Escola
Profissional, Escola
Média, Escola Superior, Escola de Samba, Escola Veterinária, etc.
E a Escolástica? Segundo o Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos, a Escolástica é o “sistema
teológico-filosófico surgido nas escolas da
Idade Média e caracterizado pela coordenação entre Teologia e Filosofia;
concordância do conhecimento natural com o revelado;
argumentação silogística e reconhecimento da autoridade de Aristóteles e dos padres
de Igreja. Manteve-se em alguns estabelecimentos até aos fins do século XVIlI”.
Afinal de contas, que tem isso a ver
com o Espiritismo?
A análise do processo hodierno
quanto ao chamado “movimento espírita” leva-nos a crer
que, em muitos setores da atividade espírita, volta-se, novamente, e de forma
imprudente, para os caminhos indebitamente percorridos pelos que, outrora,
substituíram a
revelação cristã pelos dogmas, frutos duma teologia acomodatícia, filha
legítima dos “doutores” no assunto.
O engano parece residir no que se
entende como sendo a natureza e o objetivo do Espiritismo.
Se aceitarmos o Espiritismo como a
Revelação (e Revelação relacionada com as duas anteriores,
de Moisés e Jesus, não se constituindo em obra humana, embora repousando nela
a necessidade evolutiva do homem e da sua maturidade como Espírito Eterno)
perguntaríamos: onde situar os mestres, em termos da Revelação?
Quem se aventuraria, na Terra, a
considerar-se professor de Espiritismo? Como encarar a evidência de que para
cada mestre ou professor teríamos, necessariamente, uma série
infindável de discípulos, de cursos, de diplomas, de anéis de grau, etc?
Nesse negativo aspecto
ressaltaríamos o que de imediato nos sugere o aparecimento desses
“mestres de Espiritismo”. Os mais cultos e os mais eruditos far-se-iam novos intérpretes
da Revelação, e as escolas desses “novos sábios”, formariam, evidentemente, uma
“nova escolástica”, agora já em termos de Espiritismo e fazendo valer o velho
sistema medieval, de conformar o conhecimento natural (das ciências e
filosofias humanas) com a Revelação Espírita; a argumentação silogística, isto
é, o argumento baseado nas três famosas proposições: premissa maior, premissa
menor e conclusão; e, finalmente, o reconhecimento da autoridade de Allan
Kardec e dos sábios e professores do Espiritismo!
Então, tudo estaria consumado!
Parece-nos que estamos necessitando,
pelo menos, de reaprender as lições vivas da própria História.
Como somos reencarnacionistas,
aceitamos a ideia de podermos ter contribuído, de certa
forma, para que se plantassem na Terra, junto ao trigo puro do Evangelho de
Amor e
de Luz, as sementes infortunadas do joio de nossa eterna vaidade.
Seria bem mais justo que nesse
instante meditássemos, sobremodo, nas palavras de Jesus:
“A ninguém chameis Mestre”.
E, para não se alegar que estamos
com ideias preconcebidas e movidos pelo desejo de
simplesmente discordar daqueles que estão buscando fazer alguma coisa no
movimento espírita,
principalmente no terreno “educacional”, fazemos nossas as palavras do eminente
psicólogo Carl R. Rogers (in “On Becoming
a Person”, Boston 1961, opúsculo que, traduzido
para o português, tomou o nome de “O que Penso do Ensino e da Aprendizagem”),
palavras que aquele estudioso dirigiu aos professores da Universidade de
Harvard, falando a respeito do ensino
apoiado no aluno. Eis as principais
conclusões a que chegou Rogers:
a) Para definir, desde logo, minha
posição em relação ao tema proposto, começarei dizendo que: Minha experiência pessoal ensina-me que ninguém
ensina a ninguém como ensinar.
Considero, pois, pura perda de tempo a teimosia dos mestres nesse sentido.
b) Acho, portanto, que o que quer que seja, que se consiga ensinar a
outrem, não é o bastante para
produzir resultados apreciáveis, e pouca ou nenhuma influência terá na conduta alheia. Chocante e
descabida proposição. Ao formulá-la, não posso deixar de pedir-lhes seja ela
anotada como questão que merece ser examinada em ulteriores debates.
c) Constatei, outrossim, que o meu interesse pelo assunto é limitado e se
restringe à aprendizagem que produz
efeitos significativos na conduta. Admito; porém, que isso decorra
de uma idiossincrasia pessoal.
d) Logo, entendo que só existe uma aprendizagem capaz de exercer influência
decisiva na conduta: aquela que o indivíduo sente como necessária e realiza por
esforço próprio.
e) O autodidata, que satisfaz suas carências através de experiências devidamente incorporadas, não
fica contudo apto para transmitir diretamente a outrem o que aprendeu. Sempre que um
indivíduo, com justificado entusiasmo, tenta comunicar suas experiências, armasse a conhecida posição de ensino.
Irrelevantes, todavia, são os efeitos que em nós produz o conhecimento da
experiência alheia, no que se refere às mudanças de atitude.
Faz mais de um século, e isso é digno de nota, que um filósofo dinamarquês,
Sõren Kierkegaard,
chegou a essas mesmas conclusões a respeito de suas experiências pessoais. Vale,
pois, invocarmos sua autoridade, para atenuarmos os efeitos de tão escandalosas afirmativas.
f) Isso posto, concluí que: O mais
acertado para mim, é não querer bancar o professor.
g) Todas as vezes em que me meti a
ensinar, e isso me ocorreu em muitas ocasiões, os
resultados obtidos deixaram-me apreensivo. A rigor, não devemos dizer que os
efeitos do
ensino são nulos, já que, se nos atribuem alguma autoridade, influímos de fato
na conduta dos outros. Mas acontece que, em todas as coisas em que pude aferir
resultados acabei verificando que a minha interferência nos negócios alheios
era sempre perniciosa. Dir-se-ia que o ensino leva o aluno a desconfiar de suas
próprias experiências debilitando sua capacidade de aprender. Portanto: OU O
ENSINO Ê INOPERANTE, OU PREJUDICIAL.
h) Eis o que verifico invariavelmente,
quando repasso os resultados da minha atuação como professor: ou perdi meu
tempo, inutilmente, malhando em ferro frio ou causei sérios
embaraços aos alunos, criando situações problemáticas desnecessárias. Natural, pois,
que eu me sinta confuso.
i) Daí a decisão que tomei de só me ocupar com a aprendizagem, optando
sempre pelo que possa ter algum interesse imediato e que exerça influência
significativa na minha conduta.
j) Aprendi, que aprender é sobremodo compensador, tanto quando os
aprendizes são os
participantes de um grupo, como quando são o cliente de um lado e o clínico do
outro.
k) Descobri que o mais acertado embora seja um dos caminhos mais difíceis
de trilharmos, é tentarmos refrear os mecanismos de defesa do eu, ainda que por
um curto prazo, como esforço
para vermos se conseguimos compreender o que pensam e sentem os outros a
respeito de suas próprias experiências. Entretanto, quando me ponho a pensar nas
consequências imediatas dessa minha atitude, chego a sentir calafrios e é então
que percebo o quanto me afastei desse mundo convencional e pacato em que nos
acomodamos para viver. Prevejo mesmo o que acontecerá, se outros mais
corroborarem minhas experiências, admitindo a validez de minhas interpretações.
Com isso teríamos:
1) Em primeiro lugar, a supressão do
ensino, porque as pessoas passariam a fazer reuniões
para aprender em grupos.
2) Não haveria mais exames, nem
provas, uma vez que estes são instrumentos de avaliação
daquele tipo de aprendizagem que consideramos inócua.
3) Pelas mesmas razões, já não teria
mais sentido fornecer certificados ou diplomas.
4) Nem a graduação servirá mais como
medida da competência, em parte pelo que já se
disse, em parte porque graduação
significa arremate ou conclusão e a aprendizagem é um processo que não
tem fim.
5) E, como ninguém chega a aprender
o bastante para considerar-se formado no que quer
que seja, não haveria mais doutores.
As experiências de Rogers encontram
plena ressonância no Evangelho de Jesus. Basta,
para tanto, que leiamos o cap. 23 do Evangelho segundo Mateus, principalmente quando
o Cristo exprobra o comportamento dos escribas e fariseus. Dizem-nos os
versículos 7 e 8:
“E
as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens - Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais
ser chamado Rabi, porque um só é o vosso MESTRE a saber, o Cristo, e todos vós
sois irmãos”.
Falamos que o Espiritismo é a
síntese preciosa de toda a sabedoria acumulada através dos anos incontáveis,
todavia, esquecemos que o Espiritismo não significa tão somente a experiência
acumulada pelos séculos, mas, e principalmente, transuda dos séculos, para ser
filho legítimo da Eternidade e do Infinito.
As suas luzes representam a
antecâmara de um mundo regenerado e feliz, conduzindo os homens a uma concepção
mais perfeita do significado da vida.
É por tal razão que, segundo o
espírito da Doutrina Espírita, há de se fazer um giro de
cento e oitenta graus no ponteiro da nossa compreensão em todas as matérias,
inclusive, e basicamente, quanto ao processo educacional.
O Espiritismo, sendo o Cristianismo
Redivivo, objetiva uma sociedade de irmãos que se
amem e se auxiliem, e não de doutores que se digladiem e se odeiem.
Não sejamos participes de movimentos
que levem novamente a trair os postulados sublimes
de Jesus, arremetendo-nos à sombria aventura de uma nova Escolástica, em
detrimento das luzes abençoadas e eternas da Revelação Espírita.
Em nosso entender, Rogers
compreendeu, por antecipação, a sociedade humana no terceiro milênio. Sejamos
nós, os espíritas-cristãos, os vanguardeiros dessa futura civilização.
Mestres, Escolas e Escolástica
Abelardo Idalgo Magalhães
Reformador (FEB) Julho 1971
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