terça-feira, 21 de julho de 2015

Rumo Seguro

            Uma das razões que têm prevalecido para iludir o homem desprevenido, quando se trata do Cristianismo, hoje em sua lídima forma, sob a Doutrina Espírita fundada pelas nobres entidades do Além e codificada por Allan Kardec, é a pretensa passividade que deve caracterizar a criatura, tornando-a um ser apático, abúIico, incapaz de manifestações benéficas de energia, por sujeita a mórbido conformismo. Erro grave e crasso, que deve ser combatido pelo esclarecimento persistente, por exemplos expressivos que podem ser retirados do próprio Evangelho, onde Jesus não foi um vencido pela inércia nem pela covardia, mas um vencedor, porque sabia o que queria e justamente queria o que realizava. Supor-se que o espírita cristão deva ser um elemento sem vontade, relegado ao desprezo dos direitos mais sagrados, é não compreende verdadeiramente a essência da doutrina do Mestre. O conformismo doentio não é uma virtude. Todos nós temos o dever de lutar a boa luta pela defesa dos princípios sadios que norteiam a existência humana. Cruzar os braços, quando é preciso que eles movimentem com decisão não é trabalhar cristãmente mas demonstrar errônea compreensão da vontade divina, porquanto, na Natureza, tudo é vida, vibração, energia, luta pelo triunfo honesto e, sobretudo, reação contra o erro, que, em muitos casos, é o mal.
 
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            Quando, imolado na cruz, pediu ao Pai que perdoasse a seus algozes porque eles não sabiam o que estavam fazendo, essa atitude não foi, devidamente analisada, uma atitude passiva, mas de reação magnífica, não pelo ódio que expele vingança, mas pelo amor que recomenda perdão. Perdoar numa situação daquelas é revelar uma grandeza moral extraordinária, principalmente quando o perdão pode significar, como em tal caso, a dádiva derradeira de um coração pungido pela dor, acicatado pelo desencanto, torturado pela ingratidão mais cruel.

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            Se o mundo tem, ainda nos dias em que vivemos, tão errada compreensão do espírito do Cristianismo,  isso se deve a séculos e séculos de vida exonerada dos deveres verdadeiramente cristãos. A Humanidade levou largos períodos sob uma orientação que se distanciava imensamente do Cristo. Quando uma religião se impõe pelo terror ou pela força, seu espírito religioso já está morto. Desde que a doutrina do Mestre, toda amor, perdão e trabalho construtivo, foi substituída pelos excessos do poder político, extravasando-se das taças da amargura o fel do “crê ou morre”  já não era ela que se pregava, porque, na realidade, assim como o óleo não se mistura com a água, muito menos se podem irmanar o espírito do Cristianismo com as extravagâncias que se fizeram e se fazem ainda em nome do Cristo, embora representem integral subversão dos conceitos firmados pelo Mestre, há quase dois milênios, em sua peregrinação visível pela Terra.

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            O Espiritismo Cristão, corporificado nas lições memoráveis que Allan Kardec legou ao mundo, com a Codificação, é um aurorar glorioso para a criatura humana. Ele ensina o homem a vencer-se a si mesmo, antes de se lançar à grande tarefa de vencer o mundo. Sem estar senhor de si, não pode o homem desviar-se dos perigos que o ameaçam de todos os lados. O essencial é alcançar-se esse primeiro triunfo aprendendo a amar, a perdoar, a construir ou reconstruir, sempre imbuído de força de vontade, pronto às reações pelo bem e para o bem, sem despenhar-se no abismo da indulgência sem esclarecimento, que muitas vezes favorece a reincidência por não iluminar o culpado, encaminhando-o a destino em que ele possa compreender a diferença entre o bem e o mal certificando-se da verdade de que o mal não compensa jamais. O espírita tem de realizar, a todos os instantes, o trabalho da auto vigilância, da auto reforma, da autoeducação. E é tão difícil a tarefa, que muitos a ela renunciam ou se iludem, exaltando as belezas da doutrina do Mestre, pela palavra escrita e pela palavra falada, como se isto pudesse representar, no fim de contas, integração real nos princípios cristãos da Terceira Revelação. Nós mesmos, que redigimos  estas linhas não fugimos à compreensão de que não basta falar ou escrever, porque somente a exemplificação dá ideia precisa do valor moral do homem. Valemos, não apenas pelo que dizemos ou escrevemos, mas pelo que fazemos e pensamos. Eis porque sempre entendemos que os nossos escritos se destinam à orientação do nosso Espírito, porque nos sentimos mais do que qualquer outro confrade, necessitado do amparo espiritual que costuma vir em socorro dos que tem vontade e querem acertar o caminho.
           
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            Um das ideias que no acorreram ao cérebro, desde quando começamos a nos ocupar destes problemas foi a de que o espírita não pode nem deve ser um individuo desanimado. presa de invencível conformismo. É de seu dever reagir sempre contra os estados depressivos, não exagerando os fatos nem supondo que sempre as coisas se sucedem em razão de débitos espirituais do passado e do presente e que, por conseguinte, deve curvar a cabeça e quedar vencido até novo ensejo. Absolutamente. Temos as obrigações decorrentes do nosso estado cármico, vivemos subordinados à lei de causa e de efeito, mas tudo isso, em vez de nos sugerir desânimo e apático conformismo , deve-nos  lembrar a necessidade de vencer a nossa própria, reagindo salutarmente, dentro do Evangelho, pelo Evangelho e para o Evangelho. Se uma tempestade surpreende o pescador em alto mar, destruindo lhe o barco, ele deve lutar pela sobrevivência, agarrando-se a destroços da embarcação, nadando, fazendo, enfim, tudo quanto puder para salvar-se porque este é seu dever perante Deus. Se não o fizer, deixando-se tragar pelas ondas , sem haver sequer lutado pela salvação, convencido de que o naufrágio "estava escrito” e que não lhe cabia contrariar a vontade de Deus, estará consumando um ato de covardia. Na vida o homem jamais deve desistir da boa luta, da luta honesta, que dignifica o Espírito.

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            Supor que tudo quanto nos acontece é provação ou perseguição de maus Espíritos, quando nos orientamos evangelicamente, é cair num exagero que se aproxima do fanatismo. Devemos raciocinar, principalmente porque o Espiritismo é uma doutrina racional, onde a inteligência, a reflexão e o discernimento andam sempre juntos. Às vezes, algo nos sucede,  não porque estejamos resgatando débito ou porque Espíritos malévolos se empenhem em nos fazer mal, mas porque as circunstâncias se aglomeram e estabelecem situações que exigem de nós serenidade de exame, ponderação acurada e perfeito controle do pensamento, do atos e das palavras. Há provações e há também ocasiões em que, sob o influxo da lei cármica, podemos sofrer a ação de Espíritos mal esclarecidos ou trevosos. Mas não devemos aceitar que tudo seja sempre assim, do contrário pouco restaria para nos deixar fazer uso da inteligência e da razão. Devemos renunciar ao egoísmo, aos hábitos mentais perniciosos, às atitudes descaridosas. Renunciar, porém, à luta sadia, que enrijece o Espírito e o torna apto a melhor cumprir seus deveres perante Deus  e perante os homens, seria como que renunciar à própria vida que nos foi dada pelo Criador.

Rumo Seguro
Indalício Mendes

Reformador (FEB) Novembro 1955

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