O afã de participar de movimentos ditos
ecumenistas denuncia, da parte de alguns espíritas, um deplorável
mal-entendido, ou seja, o falso pressuposto de que o Espiritismo constitui uma
religião, ou uma seita religiosa que, competentemente rotulada e caracterizada,
deva colocar-se em pé de igualdade com as demais, a merecer as mesmas atenções
de César e a ser reciprocamente reconhecida e acatada como investida de
qualificações e prerrogativas idênticas às de suas congêneres. Enfatiza-se
muito - e com razão - que o Espiritismo é o Consolador prometido, o Evangelho
redivivo. Reconhece-se que o Mestre não veio ao mundo para fundar uma religião,
mas para cumprir a Lei, segundo suas próprias palavras. E a Lei é aquela
Verdade que só ele ensinou, indicadora da
verdadeira religião.
Todavia, é chocante o descompasso que
marca o ritmo natural da irradiação da Doutrina com o frenesi dos que a querem
ecumenicamente irradiada à vela, ventanejada do alto dos púlpitos ou debaixo
dos altares, ainda que no desconforto da insinceridade e da desconfiança. É
nessa orquestração semitonada que alguns se afastam da pauta kardequiana, cuja
verdadeira linha melódica já levara o mestre a afirmar, em “O Livro dos
Espíritos”, que o Espiritismo é encontrado “por toda parte, em todas as
religiões, principalmente na religião católica” (Conclusão, nº VI). Encarado à
luz dos conceitos humanos, o Espiritismo será, de fato, uma super religião, que
sobrepaira às demais e não tem, portanto, por que com elas se confundir. Diante
de colocação tão clara, não haveria motivo
para os espíritas se equivocarem, hoje, a respeito do ecumenismo apregoado pela
Igreja Católica. Mormente porque esta delineou com muita precisão a natureza e
alcance de tal iniciativa, dela excluindo, incisivamente, a participação do
Espiritismo. O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, em mensagem radiofônica,
alertou seus fiéis no tocante ao “trato de missionários com as outras seitas”,
e a imprensa publicou lhe, posteriormente, os trechos mais elucidativos. “O problema do sincretismo religioso -
acentuou, referindo-se, inicialmente, aos ateus e aos evangélicos - não se apresenta para os dois primeiros
grupos, apenas para o último, espiritismo e umbanda.” “Assim, pessoas pouco instruídas na matéria ou premidas pela
busca de soluções para seus problemas, não identificam ( ... ) os elementos
essenciais que distinguem nossa Igreja da crença desses nossos irmãos.” “Nesse assunto, não se pode pedir
justificativas ao Ecumenismo. Este é, essencialmente, uma busca da unidade, na
verdade, e não uma condescendência com posições contraditórias, objetivamente
tomadas.” “Para o Ecumenismo
frutificar, necessário se faz a fidelidade à própria convicção religiosa e à
procura honesta daquilo que nos une. ..” “Isto, sempre em nome da verdadeira Mensagem do Cristo, o que é possível
entre católicos, protestantes e ortodoxos.”
Não é preciso ser bom entendedor. As
coisas não estão ditas em meias palavras, mas, ao contrário, clara e
sublinhadamente, até de forma contundente: as “pessoas pouco instruídas na matéria” não sabem distinguir entre a
Igreja e a crença espírita e, por conseguinte, crendo que estão fazendo ecumenismo,
quando procuram misturar as duas, o que estão promovendo, erroneamente, é um
sincretismo inaceitável pela Igreja, já que o ecumenismo tem como propósito uma
unidade somente, possível entre católicos, protestantes e ortodoxos.
Diga-se, de passagem, que o ecumenismo
não é sequer invenção dos católicos, mas dos protestantes, que o engendraram há
alguns séculos. A moderna impulsão é que resultou do Concílio Vaticano II, mas,
tanto quanto não vingou, quando gerada fora das linhas vaticanas, a iniciativa
já se deteriora novamente e o movimento vai agonizando. A imprensa pouco espaço
lhe dedica, os fiéis o ignoram, as lideranças opõem-lhe embargos gradativos. E
quando católicos, protestantes e ortodoxos começam a ver esmaecer as cores
dessa melancólica lua-de-mel, parece que os mais embaídos pela ideia são
exatamente os únicos que, afinal, nunca foram convidados às bodas: os
espíritas. Depois disso, em matéria de ecumenismo, só continuarão enganados os
distraídos e os teimosos.
Pernicioso engano
Editorial
Reformador (FEB) Setembro 1974
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