quinta-feira, 11 de junho de 2015

Pernicioso Engano

            O afã de participar de movimentos ditos ecumenistas denuncia, da parte de alguns espíritas, um deplorável mal-entendido, ou seja, o falso pressuposto de que o Espiritismo constitui uma religião, ou uma seita religiosa que, competentemente rotulada e caracterizada, deva colocar-se em pé de igualdade com as demais, a merecer as mesmas atenções de César e a ser reciprocamente reconhecida e acatada como investida de qualificações e prerrogativas idênticas às de suas congêneres. Enfatiza-se muito - e com razão - que o Espiritismo é o Consolador prometido, o Evangelho redivivo. Reconhece-se que o Mestre não veio ao mundo para fundar uma religião, mas para cumprir a Lei, segundo suas próprias palavras. E a Lei é aquela Verdade que só ele ensinou, indicadora da verdadeira religião.

            Todavia, é chocante o descompasso que marca o ritmo natural da irradiação da Doutrina com o frenesi dos que a querem ecumenicamente irradiada à vela, ventanejada do alto dos púlpitos ou debaixo dos altares, ainda que no desconforto da insinceridade e da desconfiança. É nessa orquestração semitonada que alguns se afastam da pauta kardequiana, cuja verdadeira linha melódica já levara o mestre a afirmar, em “O Livro dos Espíritos”, que o Espiritismo é encontrado “por toda parte, em todas as religiões, principalmente na religião católica” (Conclusão, nº VI). Encarado à luz dos conceitos humanos, o Espiritismo será, de fato, uma super religião, que sobrepaira às demais e não tem, portanto, por que com elas se confundir. Diante de colocação tão clara, não haveria motivo para os espíritas se equivocarem, hoje, a respeito do ecumenismo apregoado pela Igreja Católica. Mormente porque esta delineou com muita precisão a natureza e alcance de tal iniciativa, dela excluindo, incisivamente, a participação do Espiritismo. O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, em mensagem radiofônica, alertou seus fiéis no tocante ao “trato de missionários com as outras seitas”, e a imprensa publicou lhe, posteriormente, os trechos mais elucidativos. “O problema do sincretismo religioso - acentuou, referindo-se, inicialmente, aos ateus e aos evangélicos - não se apresenta para os dois primeiros grupos, apenas para o último, espiritismo e umbanda.” “Assim, pessoas pouco instruídas na matéria ou premidas pela busca de soluções para seus problemas, não identificam ( ... ) os elementos essenciais que distinguem nossa Igreja da crença desses nossos irmãos.” Nesse assunto, não se pode pedir justificativas ao Ecumenismo. Este é, essencialmente, uma busca da unidade, na verdade, e não uma condescendência com posições contraditórias, objetivamente tomadas.” “Para o Ecumenismo frutificar, necessário se faz a fidelidade à própria convicção religiosa e à procura honesta daquilo que nos une. ..” “Isto, sempre em nome da verdadeira Mensagem do Cristo, o que é possível entre católicos, protestantes e ortodoxos.”

            Não é preciso ser bom entendedor. As coisas não estão ditas em meias palavras, mas, ao contrário, clara e sublinhadamente, até de forma contundente: as “pessoas pouco instruídas na matéria” não sabem distinguir entre a Igreja e a crença espírita e, por conseguinte, crendo que estão fazendo ecumenismo, quando procuram misturar as duas, o que estão promovendo, erroneamente, é um sincretismo inaceitável pela Igreja, já que o ecumenismo tem como propósito uma unidade somente, possível entre católicos, protestantes e ortodoxos.

            Diga-se, de passagem, que o ecumenismo não é sequer invenção dos católicos, mas dos protestantes, que o engendraram há alguns séculos. A moderna impulsão é que resultou do Concílio Vaticano II, mas, tanto quanto não vingou, quando gerada fora das linhas vaticanas, a iniciativa já se deteriora novamente e o movimento vai agonizando. A imprensa pouco espaço lhe dedica, os fiéis o ignoram, as lideranças opõem-lhe embargos gradativos. E quando católicos, protestantes e ortodoxos começam a ver esmaecer as cores dessa melancólica lua-de-mel, parece que os mais embaídos pela ideia são exatamente os únicos que, afinal, nunca foram convidados às bodas: os espíritas. Depois disso, em matéria de ecumenismo, só continuarão enganados os distraídos e os teimosos.

Pernicioso engano
Editorial

Reformador (FEB) Setembro 1974

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