Palavras que confundem
Editorial
Reformador (FEB) Maio 1971
Se há aviso que não pode ser esquecido
pelo espiritista é aquele que adverte: “a letra mata; o espírito vivifica”. Isto
quer dizer, em suma, que o estudioso da Doutrina deve libertar-se, a começar da
leitura do Evangelho, do significado literal das palavras e das locuções
verbais, desprezando o vocábulo grafado para apreender e reter o seu conteúdo
espiritual.
Ante recomendação de tal importância
torna-se óbvio, em contrapartida, que o espiritista deve alertar-se quanto ao
modo de falar e, em especial quanto à maneira de escrever. Ele precisa
cuidar-se no emprego das palavras, evitando que se transponham para a área das
atividades doutrinárias ideias e conceitos estratificados no significado dos termos
e expressões da linguagem comum.
Espiritismo não é somente uma maneira
renovada de interpretar e desvendar os problemas de ordem espiritual. Ele é
também um renovador vigoroso das concepções que os homens formam da vida e das
circunstâncias imperantes na crosta planetária. Em virtude disso, é de ponderar
que nem sempre as palavras consagradas pelo uso do mundo são apropriadas para
traduzir o sentido espiritual das exteriorizações doutrinárias, por oferecerem
o perigo da deturpação ou do amesquinhamento.
Quando
enunciamos o propósito de difundir a Doutrina, será que a ideia que queremos
expressar é exatamente aquela que a palavra difusão sugere? Se a Doutrina tem
uma mensagem a veicular, como faze-lo? Nos nossos próprios círculos essa
atividade se tem desdobrado sob a prevalente feição de ensino. Todavia - é
forçoso reconhecer - o vocábulo ensino pressupõe, no mundo, o professor de um
lado e, do outro, o aluno... Ora, ninguém poderá sustentar, neste plano da
vida, o título de professor de Espiritismo. Concebemos que os haja, porém,
somente no plano dos invisíveis, uma vez que, na carne, somos todos estudantes
e, por sinal, muito bisonhos...
Se estamos certos de que é, ou é
bom, aprender o Espiritismo (ou, no Espiritismo? ou, com ele?), subentenderemos
incoercivelmente que se faz necessário haja quem ensine a quem quer aprender; e
ensinar a quem quer aprender implica métodos didáticos e pedagógicos que só
encontram ambiente propício em recintos denominados escolas, as quais, por sua
vez, tem seu significado estreitamente ligado a currículos, séries, classes,
aulas, aprendizado, disciplinas, cursos, que finalizam normalmente (ou ainda
que virtualmente) com a expedição de um certificado declarando seu portador
habilitado a exercer uma atividade profissional ou uma especialização técnica.
Mas esta, todos concordarão, não é a meta do estudante do Evangelho.
Não se pode negar que o adepto do
Espiritismo deve ser um estudioso. Isto implica absorver conhecimentos,
mediante uma dada técnica ou método de transmissão, de assimilação de cabedais
já sistematizados e coordenados. Os métodos racionais e provados devem, é bem
verdade, ser utilizados. Porém, não menos inegável é que os espíritas estão
conclamados a encarar esses problemas de maneira totalmente renovada, sobretudo
para equaciona-los em moldes diametralmente opostos às convenções reinantes no
mundo.
As palavras de ordem hão de ser, por
certo, fraternidade e solidariedade, que nos impõem o dever de ajudar-nos uns
aos outros. Ajudemo-nos, pois, a instruir-nos, de acordo com a recomendação do
Espírito da Verdade. E - quem sabe? - seja o espírito de semelhante
recomendação o de que saibamos estudar, aprendendo a “estudar sem mestre”...
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