Espiritismo
e Política
Boanerges da Rocha (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Julho 1958
Na
grande marcha do Espiritismo para o porvir, é impossível desconhecer-se o
perigo das afirmações vãs, das atitudes insinceras e, sobretudo, das simulações
que tendem a desiludir e chocar as pessoas simples de coração. Vivemos uma
época de profundas conturbações, que podem significar a agonia do materialismo,
que está queimando todos os seus últimos cartuchos. Daí a onda de depravação
que sacode muitos países, tirando aos homens e às mulheres a faculdade do raciocínio, levando a juventude a desregramentos incompatíveis com a verdadeira
felicidade. Materialismo é negação. O - que se vê no mundo contemporâneo é uma
ânsia mórbida de prazeres, muitos dos quais inconfessáveis. O culto da família
nem sempre é mantido com a mesma pureza de outros tempos, porque homens
e mulheres entendem a vida por outro prisma, ofuscados pelas promessas
materialistas e ludibriados por organizações religiosas que de há muito
abdicaram os princípios éticos que as originaram. Daí toda essa confusão, toda
essa irresponsabilidade que faz dos homens títeres de paixões subalternas,
paixões que conspurcam lares e arrojam famílias nas sombras do infortúnio.
Uma religião que, para sobreviver,
necessita transigir com os seus naturais adversários, é uma religião decadente,
agonizante, que se agarra desesperadamente a tudo para evitar o deperecimento
evidente. Nessas condições, fecha os olhos ao abastardamento dos costumes,
amancebando-se com a política, dela participando ostensivamente e buscando
impugnar tudo quanto possa constituir obstáculo às suas discutíveis ou
suspeitas pretensões. Esse é o espetáculo que a História nos oferece, desde
recuados tempos.
O Espiritismo, além de Ciência e
Filosofia, é Religião liberal, que não está presa à golilha da intolerância e
do fanatismo. Em vista de sua liberalidade, no entanto, alguns elementos
entendem dever realizar atos e programas que de certa forma afetam as normas de
atividade doutrinária. Não devemos imitar jamais as práticas de religiões
desespiritualizadas, que se aboletaram em prateleiras políticas e com isso
renunciaram à própria independência moral. Se o Espiritismo pretendesse seguir
tão perigoso e censurável rumo, não lhe faltariam Constantinos, sôfregos de
participarem da nossa obra, dispostos a engrandecê-la, defendendo-a,
auxiliando-a materialmente, combatendo os que a combatem, esmagando os que a
querem esmagar, etc. Mas, reflitamos um pouco, isso tudo seria
benéfico ao Espiritismo? Não! Representaria sua desgraça, porque viria macular
a pureza dos seus ideais e o faria abastardar-se tanto e tanto, que, dentro de
poucos anos, sua doutrina seria uma colcha de retalhos, talvez multicolorida,
mas sem consistência alguma! Tornar-se-ia viveiro de oportunistas políticos,
que poderiam arengar nas praças públicas, citar Kardec, relembrar passagens
evangélicas, de maneira a empolgar os menos avisados, levando-os a decisões
completamente diversas daquelas que a Doutrina sugere e ensina, pois o
Espiritismo é apolítico, absolutamente apolítico.
Que tem feito a Federação Espírita
Brasileira? Permanecer fiel à Doutrina, relembrando, consoante a palavra de Allan
Kardec (“Obras Póstumas”, 11ª ed., pág. 336), que “a constituição do Espiritismo tem como complemento necessário, no que
concerne à crença, um programa de princípios definidos, sem o qual seria obra
sem alcance e sem futuro”. Diante dos postulados doutrinários e mesmo em
face da tradição que há 100 anos nos orienta, não deve jamais o Espiritismo
intrometer-se em lutas políticas, indicando candidatos ou apoiando nomes, por
mais respeitáveis que o sejam, e, mais absurdo ainda, criando órgãos
especializados para tais fins. Cumpre-nos dilatar progressivamente a distância
que já nos separa de religiões constantinizadas, de grupamentos religiosos que
sobrepuseram à estrutura ética de seus credos meras ambições políticas,
discutíveis vantagens profanas, que rebaixam, que aviltam, que destroem a
autoridade que a Religião precisa conservar a fim de se perpetuar no respeito e
na compreensão dos povos.
Desfraldar no cenário das contendas
políticas o nome do Espiritismo será enfraquecê-lo por imitações espúrias, que,
além do mais, pecam pela absoluta falta de originalidade, porquanto religiões
esgotadas se arrastam penosamente nos pleitos eleitorais, esquecidas de seus
compromissos espirituais e divorciadas dos deveres elementares do Evangelho. Os
que assim não pensam, e insistem em levar o Espiritismo ao
campo dos recontros políticos, desconhecem as obrigações doutrinárias e muito
mais ainda as responsabilidades evangélicas. Divergem, nesse ponto, da
Federação Espírita Brasileira, porque não concebem a acendrada fidelidade que
ela timbra em manter ao seu passado de perfeita identidade com a Doutrina. E,
por vias transversas, acometem-na, investem-na, criticam--na, irritados por não
conseguirem demovê-la da sólida diretriz traçada por seus maiores e
reconsolidada pelo Alto. Lembremo-nos, uma vez mais, do mestre Kardec, que nos
adverte “contra a ambição dos que, a
despeito de tudo, se empenham por ligar seus nomes a uma inovação qualquer”.
Retemperemos as forças na repeticão dos conselhos do Codificador: “Se, porém, o Espiritismo não pode escapar às
fraquezas humanas, com as quais se tem de contar sempre, pode todavia
neutralizar lhes as consequências e isto é o essencial.”
Compreende-se que, em face do
extraordinário progresso do Espiritismo no seio do povo, haja políticos
interessados em aproveitar-se de tão rico filão. Imiscuindo-se no ambiente
espírita, pretendem arregimentar inexperientes confrades ou vacilantes adeptos
em torno de seus galhardetes partidários. Cada
espírita, de per si, e por si, pode tomar a posição política que lhe agradar.
Dispõe de seu livre arbítrio e responde pelo bom ou mau uso do mesmo. Não pode,
porém, falar politicamente em nome do Espiritismo, porque, repetimos, o
Espiritismo é essencialmente apolítico e deseja permanecer longe das
competições partidárias.
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