domingo, 25 de janeiro de 2015

Alegria de Viver

Alegria de Viver
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Dezembro 1955

            Pairando muito acima da matéria perecível, o Espírito goza a plenitude da vida; sente-se uno com tudo que vive no Universo, e percebe que tudo vive, sob as mais variadas formas de viver, de vibrar, de sintonizar-se com a Fonte Suprema da Vida, de cumprir seus destinos traçados pela mais sábia das Mãos.

            O infusório, o inseto, o animal, o homem, o anjo, o arcanjo, o átomo, a molécula, o mar, o planeta, a estrela, a galáxia, tudo se move dentro das leis da Vida, cumprindo seu Destino, traçado de toda a eternidade e por toda a eternidade pela Sabedoria Absoluta, com a segurança da Onisciência, com a Providência do Amor Universal; e dentro deste Amor tudo canta um hino de gratidão, de louvor, de embevecimento diante da obra do Supremo Arquiteto do Universo. Desde a planta humilde rastejante na lama até o Arcanjo Divino pairando acima das celestes esferas, tudo se sente uno, unificado pela mesma Vida, partículas do Grande Todo, amando-se reciprocamente pela mesma atração que engendrou a unidade de tudo que vive e palpita, nas formas infinitamente variáveis de viver e de vibrar no oceano imenso, infinito, do Amor.

            E o Espírito anseia por evolução, por promoções a novas formas de vida, sempre mais bela, mais sintônica com o Foco Universal de onde ela emana para animar tudo que existe. Grãozinho de pó na atmosfera dum grão de areia chamado Terra, o homem se sente sublime parte de um todo divino, e sonha com seu noivado de luz que lhe há de conceder ventura sempre maior, família sempre mais vasta, amor mais intenso, vibrações mais sublimes no concerto universal.

            A primeira porta aberta em sua frente, o primeiro degrau evolutivo a galgar - real ou ilusório, não importa - é uma transformação que outrora o intimidava, mas hoje o encanta, hoje que ele já encontrou o segredo da grandiosa realidade da vida eterna, sempre crescente e cada dia mais bela. Essa transformação, a Morte, lhe descortina novos horizontes, lhe restitui os pais, os filhos, a esposa amada, a noiva pranteada, os amigos da infância, os companheiros da juventude, a saúde, a abundância, a mocidade, o vigor, tudo num mundo sem dores, sem separações, sem o tormento da saudade, sem temores nem dúvidas, sem ciúmes nem invejas, sem a febre do anseio nem as nuvens negras do desespero.              

            Tudo que a Morte lhe roubara, ela mesma lhe restitui aumentado, melhorado, embelezado, e lhe revela que não se apropriara de seus tesouros, apenas os levara à oficina do aperfeiçoamento, da lapidação, do burilamento, para aumento da sua e da alheia felicidade.

            Como é bela a morte que nos promove a uma vida maior! A alegria de viver tem a sua culminância na alegria de morrer, de transpor o limiar das trevas para a luz. A morte é a libertação do condenado à masmorra da carne e sua reintrodução nas alegrias da liberdade; é sua reintegração na família amorosa e maior do que se lembrava. Falta uma palavra no título do livro monumental de Flammarion. Deveria chamar-se: A Morte e seu mistério revelado. Faltou esta palavra "revelado" e faltou muito, porque depois de revelado o mistério da morte, ela se torna a mais bela transformação, a mais sublime metamorfose da Vida. Poderia chamar-se também e com mais propriedade "A Vida e seu Mistério", pois que realmente os fatos alinhados nos três volumes nos demonstram a existência somente da vida e o desaparecimento da morte, com a acepção que ela já teve na consciência dos homens da Terra.

            Temos que definir de novo o termo "morte". Talvez assim: "Promoção do ser a uma forma mais bela da vida"; ou "Libertação do Espírito que se achava em missão inferior num escafandro pesado, chamado corpo, no fundo escuro do mar atmosférico de um planeta, preso à crosta planetária pela lei da 'gravidade em atuação sobre o escafandro. Sinônimos: desencarnação, repatriação, regresso. Antônimos: nascimento, encarnação, descida."

            Somos um fraco lexicógrafo, e já o sabíamos na preparação de dois dicionários. Outros hão de encontrar melhor definição para o vocábulo "morte".

            Há uns trinta anos lemos o original do livro de Flammarion; depois folheamos com desânimo suas traduções para o inglês e para o português; mas só agora sentimos em suas páginas a grande alegria de viver, o ardente entusiasmo pela morte.

            Bem sabemos que na travessia do Estige o velho Caronte será exigente e teremos muita impureza a queimar antes de entrarmos numa vida maior, mas tudo isso é nada em comparação com o porvir na vida plena.


            Lendo o livro de Flammarion, que será novíssimo para a imensa maioria dos espíritas brasileiros desta nova geração, não nos detenhamos nos fatos passados, nem nas belas conclusões que encerra o terceiro tomo, procuremos nossas próprias conclusões, apliquemos o livro à nossa própria alegria de viver.

Ismael Gomes Braga

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