domingo, 7 de dezembro de 2014

5a AntiCristo senhor do mundo



5a

V. Escopo do apostolado franciscano menosprezado pela Igreja.
- Crescimento paralelo do "trigo" e do "joio". - O partido político e a família cristã.
- Novo movimento de reação, tendente a restabelecer e popularizar o Evangelho. - Martinho Lutero e a Reforma. O AntiCristo não renuncia ao seu predomínio.
- Excessos e frutos do fanatismo. - Deficiência do movimento reformista.
- O reino dividido.

            Foi verdadeiramente uma rajada de luz, vinda do Alto, a passagem de Francisco de Assis pelos flancos da igreja romana. Porque ele, de fato, nunca pertenceu a essa igreja, de que apenas, como o próprio Cristo, veio a tornar-se prisioneiro, desde que aos sagazes detentores da direção espiritual da cristandade pareceu conveniente se apropriarem do nome e da vida gloriosa do santo, para enriquecerem de imerecida auréola a instituição que vinham profanando com suas paixões desordenadas.

            A ação do patriarca foi exercida paralelamente e não dentro da própria igreja. A razão é fácil de compreender-se.

            O Senhor Jesus havia prometido à humanidade, simbolicamente representada em seus apóstolos, reunidos em torno da Ceia pascal: "Não vos hei de deixar órfãos". Quando, portanto, depois de haver feito a sua redentora doutrina triunfar de todas as vicissitudes, desde as ferozes perseguições iniciais à sua adoção por Constantino como religião do Estado e, através as múltiplas agitações e controvérsias dos séculos seguintes, não obstante as alterações na letra e no espírito que a animava, tornar-se o fundamento estrutural das sociedades ocidentais, quando - repetimos - a viu conspurcada e quase desaparecida em seus frutos de regeneração, pela mistura com as ambições politicas e o desregramento de costumes ostentado pelo clero e contaminando o próprio povo, destacou o seu Enviado, infundiu-lhe o seu espírito e, por ele, operou os prodígios de ressurgimento cristão, que deviam restituir à Igreja, com idênticos caracteres, o esplendor dos primitivos tempos.

            Desde o período apostólico o mundo, com efeito, não tornara a presenciar igual movimento de vitalidade religiosa e efusão do espírito divino, como durante a vida do excelso patriarca, sobretudo - como precedentemente o assinalamos - nos dez primeiros anos que se seguiram à fundação da Ordem dos irmãos menores. E, se os fiéis companheiros, de que se rodeou, porfiaram em diligentemente o imitar, Francisco de Assis foi, realmente, por sua estatura de verdadeiro missionário, o centro irradiado  desse movimento de renovação.

            O seu apostolado, fundado intencionalmente na Pobreza, foi uma obra de amor e de humildade. Tanto como de pureza espiritual e de renuncia. Para corrigir os vícios dos serventuários do altar, envilecidos em suas desvairadas ambições de ouro e de mundano poderio, para edificar a cristandade, extraviada pela conduta de seus pastores infiéis e restituir à doutrina o prestígio de seus postergados mandamentos, que melhor e mais oportuno remédio que o contraste daquela vida de indigência material, duplicada de excelsas virtudes morais, oposto às falaciosas opulências do clero e aos seus costumes dissolutos. A incredulidade e ao sórdido materialismo, que haviam terminado por implantar-se no seio da igreja, importava contrapor a fé em que se abrasava o santo, a certeza da vida imortal de que ele, por antecipação, participava, e os dons do espírito que através de seus atos fluíam da divina Fonte e o tornavam um veículo irradiador do saneamento de almas e de corpos, como em tão grande abundância o atestaram os testemunhos de seus contemporâneos que determinaram a abreviação do prazo para sua canonização, nos termos a que aludimos no anterior capitulo.

            Posto assim diante da igreja, como exemplo vivo das potências realizadoras do Espírito, inspirado no amor e na humildade, ao mesmo tempo que transportado na fé que animava o seu instituidor, o escopo do apostolado franciscano, evidentemente suscitado pelo Senhor Jesus, era restaurar em seus fundamentos a Igreja, na iminência de ruína, e restituir-lhe a função de remodeladora dos costumes e orientadora das sociedades humanas em o rumo de seus destinos espirituais.

            Não se tratava certamente de uma brusca subversão na estrutura orgânica e exterior da igreja, que subitamente a transformasse numa vasta confraria, rigidamente plasmada nos moldes franciscanos. O que o trabalho dos séculos realizara, só poderia ser modificado por uma gradual substituição, inflexivelmente prosseguida. A reforma devia operar-se energicamente, sim, mas de dentro para fora, isto é: cumpria que, desde o pontífice aos prelados da menor categoria, o clero antes de tudo se convertesse novamente ao Evangelho, cujos preceitos havia desertado, e, adotando um teor de vida irrepreensível, desse testemunho dessa conversão. À libertação interior do apego aos bens materiais, seguir-se-ia o complemento exterior da abolição do luxo na corte pontifícia e nas cerimônias do culto, uma e o outro cingindo-se a proporções de modéstia e de simplicidade, que lhes não diminuiriam o prestigio, antes o exalçariam, fazendo-o de preferência consistir na prática de virtudes e na sobriedade, que as coisas sagradas, por sua natureza, exigem.

            Da eficácia desse programa, tendente a promover o rejuvenescimento e a prosperidade espiritual da igreja, o melhor testemunho ali estava na vitalidade, por toda parte suscitada pelo apostolado franciscano. Em lugar, portanto, de o absorver e deturpar em seus caracteres substanciais, como o terminaram por fazer os pontífices romanos, chegando alguns, em sua desvairada cegueira, segundo o vimos precedentemente, a abrir luta com os irmãos menores, aos quais pretendiam negar o direito de ser pobres, por mais esse motivo impopularizando a própria cúria, o que lhes cumpria, para honra e salvação desta, era assegurar ao patriarca a liberdade de ação que desejava, a fim de ampliar aos extremos limites a sua obra regeneradora.

            Mas para isso era necessário que não houvessem eles perdido o senso de sua missão e de suas responsabilidades. Ora, um dos efeitos, sem dúvida o principal, da ação inibitória do AntiCristo, que se vinha, de séculos, exercendo no ânimo dos responsáveis pela direção da cristandade era - como o é em todos que têm o infortúnio de padecer essa influência - gerar primeiro a dúvida e, em seguida, a descrença na própria existência de Deus. Sim, o alto clero e, em grande número, os seus inferiores hierárquicos haviam perdido a fé. Procediam, pelo menos, como filhos do século e materialistas consumados. Daí o seu desregrado apego às coisas deste mundo, únicas em que acreditavam. Daí os escândalos, de que fora teatro a corte pontifícia, sobretudo em Avignon, e os excessos de tantos papas, que muitas vezes faziam relembrar os truculentos desvarios dos césares romanos.

            Para essa descrença em Deus muito contribuiria certamente um falso raciocínio sobre a impunidade com que perpetravam e viam outros iterativamente perpetrarem tamanhos e tão escandalosos ultrajes à doutrina do Senhor, cuja guarda e difusão lhes fora confiada. Se Deus existisse -  raciocinariam eles - já teria, suscitando aterradores cataclismos, fulminado os que desonram a Sua Casa. Se o consente, é que não existe ou, pelo menos, lhe são indiferentes as coisas d'este mundo. Tratemos, pois, de gozar o mais possível, sem nos preocuparmos do que virá depois.

            Insensatos, que até haviam perdido, com a fé, o senso interpretativo das próprias Escrituras. Porque há no Evangelho uma parábola que, de um lado, exprime profética visão do que sucederia ao Cristianismo e, do outro, constitui um comovedor testemunho da longanimidade de Deus, em face da fragilidade e extravios de suas criaturas - homens e Espíritos. É a parábola do joio entre o trigo, referida pelo Senhor Jesus em seguida à do semeador.

            "O reino dos céus - disse Ele - é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e retirou-se. E quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu também o joio. Chegando os servos do dono do campo, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde, pois, vem o joio? Respondeu-lhes: Homem inimigo é quem fez isto. Os servos continuaram: Queres então que vamos arrancá-lo! - Não, respondeu ele, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis juntamente com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa, e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro."

            A significação espiritual dessa parábola foi dada pelo próprio Cristo aos seus discípulos, que a solicitaram, em termos restritivos, apropriados a sua capacidade, mas que podem ser, nalgumas expressões, ampliados e esclarecidos, consoante o adiantamento das inteligências e os dados da Revelação nova, que vem preparar os novos tempos.

            Explicou, pois, o Senhor aos seus discípulos:

            "O que semeia a boa semente é o Filho elo homem; o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do reino; o joio são os maus filhos. O inimigo, que o semeou, é o Diabo; o tempo da ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os anjos. De maneira que, assim como o joio é ajuntado e queimado no fogo, assim acontecerá no fim do mundo. O Filho do homem enviará os seus anjos e eles tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniquidade e os lançarão na fornalha de fogo. Alí haverá o choro e o ranger de dentes. Então resplandecerão os justos como o sol no reino de seu Pai. O que tem ouvidos de ouvir, ouça."
           
            Agora a ampliação interpretativa. O Senhor Jesus semeou no mundo, sancionando-a com o exemplo e o martírio, a sua doutrina redentora. Com ela converteu e tem, ao longo dos séculos, convertido pecadores em discípulos, ou filhos da luz, participantes do seu reino, ao mesmo tempo que sublimado nessa categoria os espíritos consideravelmente evoluídos, que tem enviado à Terra, com a missão de acelerar, pelo exemplo de suas virtudes, o adiantamento espiritual da humanidade; legítimo trigo por Ele semeado no terreno inculto deste mundo. O AntiCristo, porém, infatigável em suas reacionárias investidas, aproveitando o sono dos encarregados de velar pela sementeira, isto é, a falta de vigilância introspectiva dos pastores religiosos, tem não somente suscitado falsas doutrinas, mas estimulado os vícios e paixões nos próprios que ouviram a palavra do Evangelho, sem, todavia, como na parábola do semeador, anteriormente referida pelo Mestre, lhe guardar fidelidade, antes conspurcando-a com suas violações e só exteriormente adotando as insígnias de cristãos.

            Aproxima-se, porém, o fim do mundo, por essa expressão devendo entender-se não o aniquilamento catalítico do globo, mas o fim do velho mundo moral ou - equivalente-
mente - a terminação do ciclo desta civilização estrepitosa e materialista, irreligiosa, portanto, que se ostenta em nosso século, para ceder lugar a uma nova era, de espiritualização da humanidade, em que, aproveitadas todas as maravilhosas conquistas da ciência, para beneficio de todos e não apenas de uma minoria de favorecidos, o Evangelho será restabelecido em espírito e verdade, no esplendor de seus ensinamentos. Era de ascensão da Terra na hierarquia sideral, passando de esfera expiatória á categoria de mundo de regeneração, não sendo inadmissível - acrescentemos incidentemente - a ocorrência de alguns cataclismos parciais, que modifiquem, melhorando-as, as suas condições de habitabilidade, os Espíritos que, por sua obstinação no mal, se tornarem indignos de aqui voltar ou, conforme a sua rebeldia, de sequer permanecer em a nossa atmosfera, serão retirados pelos anjos do Senhor e conduzidos a planeta, ou sistema planetário, em formação - verdadeira fornalha ígnea, como o foi o nosso - em cujo ambiente, saturado de gazes asfixiantes, aguardarão, entre "choro e ranger de dentes", a época de baixarem a tomar novos corpos, para recomeço de evolução, que se tornaram incapazes de prosseguir na Terra, então regenerada. Os justos, que nela permanecerem, nela implantarão, com a Lei do Cristo, fiel e universalmente observada, o reino de seu Pai, isto é, de justiça, de paz e de fraternidade. E, como o sol, em sua deslumbradora irradiação física, resplandecerão eles de virtudes nesta morada, tornada então celestial.

            Esta, segundo os dados da Revelação nova, a significação espiritual do julgamento.


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