5a
V.
Escopo do apostolado franciscano menosprezado pela Igreja.
-
Crescimento paralelo do "trigo" e do "joio". - O partido
político e a família cristã.
-
Novo movimento de reação, tendente a restabelecer e popularizar o Evangelho. -
Martinho Lutero e a Reforma. O AntiCristo não renuncia ao seu predomínio.
-
Excessos e frutos do fanatismo. - Deficiência do movimento reformista.
- O
reino dividido.
Foi verdadeiramente uma rajada de
luz, vinda do Alto, a passagem de Francisco de Assis pelos flancos da igreja
romana. Porque ele, de fato, nunca pertenceu a essa igreja, de que apenas, como
o próprio Cristo, veio a tornar-se prisioneiro, desde que aos sagazes
detentores da direção espiritual da cristandade pareceu conveniente se
apropriarem do nome e da vida gloriosa do santo, para enriquecerem de imerecida
auréola a instituição que vinham profanando com suas paixões desordenadas.
A ação do patriarca foi exercida
paralelamente e não dentro da própria igreja. A razão é fácil de
compreender-se.
O Senhor Jesus havia prometido à
humanidade, simbolicamente representada em seus apóstolos, reunidos em torno da
Ceia pascal: "Não vos hei de deixar órfãos". Quando, portanto, depois
de haver feito a sua redentora doutrina triunfar de todas as vicissitudes,
desde as ferozes perseguições iniciais à sua adoção por Constantino como
religião do Estado
e, através as múltiplas agitações e controvérsias dos séculos seguintes, não
obstante as alterações na letra e no espírito que a animava, tornar-se o
fundamento estrutural das sociedades
ocidentais, quando - repetimos - a viu conspurcada e quase desaparecida em seus
frutos de regeneração, pela mistura com as ambições politicas e o desregramento
de costumes
ostentado pelo clero e contaminando o próprio povo, destacou o seu Enviado,
infundiu-lhe o seu espírito e, por ele, operou os prodígios de ressurgimento
cristão, que deviam restituir à Igreja, com idênticos caracteres, o esplendor
dos primitivos tempos.
Desde o período apostólico o mundo,
com efeito, não tornara a presenciar igual movimento de vitalidade religiosa e
efusão do espírito divino, como durante a vida do excelso patriarca, sobretudo
- como precedentemente o assinalamos - nos dez primeiros anos que se seguiram à
fundação da Ordem dos irmãos menores. E, se os fiéis companheiros, de que se
rodeou, porfiaram em diligentemente o imitar, Francisco de Assis foi,
realmente, por sua estatura de verdadeiro missionário, o centro irradiado desse movimento de renovação.
O seu apostolado, fundado
intencionalmente na Pobreza, foi uma obra de amor e de humildade. Tanto como de
pureza espiritual e de renuncia. Para corrigir os vícios dos serventuários do
altar, envilecidos em suas desvairadas ambições de ouro e de mundano poderio,
para edificar a cristandade, extraviada pela conduta de seus pastores infiéis e
restituir à doutrina o prestígio de seus postergados mandamentos, que melhor e
mais oportuno remédio que o contraste daquela vida de indigência material,
duplicada de excelsas virtudes morais, oposto às falaciosas opulências do clero
e aos seus costumes dissolutos. A incredulidade e ao sórdido materialismo, que
haviam terminado por implantar-se no seio da igreja, importava contrapor a fé
em que se abrasava o santo, a
certeza da vida imortal de que ele, por antecipação, participava, e os dons do
espírito que através de seus atos fluíam da divina Fonte e o tornavam um veículo
irradiador do saneamento de almas e de corpos, como em tão grande abundância o
atestaram os testemunhos de seus contemporâneos que determinaram a abreviação
do prazo para sua canonização, nos termos a que aludimos no anterior capitulo.
Posto assim diante da igreja, como
exemplo vivo das potências realizadoras do Espírito, inspirado no amor e na
humildade, ao mesmo tempo que transportado na fé que animava o seu instituidor,
o escopo do apostolado franciscano, evidentemente suscitado pelo Senhor Jesus,
era restaurar em seus fundamentos a Igreja, na iminência de ruína, e restituir-lhe
a função de remodeladora dos costumes e orientadora das sociedades humanas em o
rumo de seus destinos espirituais.
Não se tratava certamente de uma
brusca subversão na estrutura orgânica e exterior da igreja, que subitamente a
transformasse numa vasta confraria, rigidamente plasmada nos
moldes franciscanos. O que o trabalho dos séculos realizara, só poderia ser
modificado por uma gradual substituição, inflexivelmente prosseguida. A reforma
devia operar-se energicamente, sim, mas de dentro para fora, isto é: cumpria
que, desde o pontífice aos prelados da menor categoria, o clero antes de tudo
se convertesse novamente ao Evangelho, cujos preceitos havia desertado, e,
adotando um teor de vida irrepreensível, desse testemunho dessa conversão. À
libertação interior do apego aos bens materiais, seguir-se-ia o complemento
exterior da abolição do luxo na corte pontifícia e nas cerimônias do culto, uma
e o outro cingindo-se a proporções de modéstia e de simplicidade, que lhes não
diminuiriam o prestigio, antes o exalçariam, fazendo-o de preferência consistir
na prática de virtudes e na sobriedade, que as coisas sagradas, por sua
natureza, exigem.
Da eficácia desse programa, tendente
a promover o rejuvenescimento e a prosperidade espiritual da igreja, o melhor
testemunho ali estava na vitalidade, por toda parte suscitada pelo apostolado
franciscano. Em lugar, portanto, de o absorver e deturpar em seus caracteres
substanciais, como o terminaram por fazer os pontífices romanos, chegando
alguns, em sua desvairada cegueira, segundo o vimos precedentemente, a abrir
luta com os irmãos menores, aos quais pretendiam negar o direito de ser pobres,
por mais esse motivo impopularizando a própria cúria, o que lhes cumpria, para
honra e salvação desta, era assegurar ao patriarca a liberdade de ação que
desejava, a fim de ampliar aos extremos limites a sua obra regeneradora.
Mas para isso era necessário que não
houvessem eles perdido o senso de sua missão e de suas responsabilidades. Ora,
um dos efeitos, sem dúvida o principal, da ação inibitória do AntiCristo, que
se vinha, de séculos, exercendo no ânimo dos responsáveis pela direção da
cristandade era - como o é em todos que têm o infortúnio de padecer essa influência
- gerar primeiro a dúvida e, em seguida, a descrença na própria existência de
Deus. Sim, o alto clero e, em grande número, os seus inferiores hierárquicos
haviam perdido a fé. Procediam, pelo menos, como filhos do século e
materialistas consumados. Daí o seu desregrado apego às coisas deste mundo, únicas
em que acreditavam. Daí os escândalos, de que fora teatro a corte pontifícia, sobretudo
em Avignon, e os excessos de tantos papas, que muitas vezes faziam relembrar os
truculentos desvarios dos césares romanos.
Para essa descrença em Deus muito
contribuiria certamente um falso raciocínio sobre a impunidade com que
perpetravam e viam outros iterativamente perpetrarem tamanhos e tão
escandalosos ultrajes à doutrina do Senhor, cuja guarda e difusão lhes fora
confiada. Se Deus existisse - raciocinariam
eles - já teria, suscitando aterradores cataclismos, fulminado os que desonram
a Sua Casa. Se o consente, é que não existe ou, pelo menos, lhe são
indiferentes as coisas d'este mundo. Tratemos, pois, de gozar o mais possível,
sem nos preocuparmos do que virá depois.
Insensatos, que até haviam perdido,
com a fé, o senso interpretativo das próprias Escrituras. Porque há no
Evangelho uma parábola que, de um lado, exprime profética visão do que
sucederia ao Cristianismo e, do outro, constitui um comovedor testemunho da
longanimidade de Deus, em face da fragilidade e extravios de suas criaturas -
homens e Espíritos. É a parábola do joio entre o trigo, referida pelo Senhor
Jesus em seguida à do semeador.
"O reino dos céus - disse Ele - é
semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto os
homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e retirou-se. E
quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu também o joio. Chegando os
servos do dono do campo, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu
campo? Donde, pois, vem o joio? Respondeu-lhes: Homem inimigo é quem fez
isto. Os servos continuaram: Queres então que vamos arrancá-lo! - Não,
respondeu ele, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis juntamente
com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa, e no tempo da
ceifa direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o
queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro."
A significação espiritual dessa parábola
foi dada pelo próprio Cristo aos seus discípulos, que a solicitaram, em termos
restritivos, apropriados a sua capacidade, mas que podem ser, nalgumas
expressões, ampliados e esclarecidos, consoante o adiantamento das inteligências
e os dados da Revelação nova, que vem preparar os novos tempos.
Explicou,
pois, o Senhor aos seus discípulos:
"O que semeia a boa semente é o Filho elo homem; o campo é o mundo; a
boa semente são os filhos do reino; o joio são os maus filhos. O inimigo, que o
semeou, é o Diabo; o tempo da ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os
anjos. De maneira que, assim como o joio é ajuntado e queimado no fogo, assim
acontecerá no fim do mundo. O Filho do homem enviará os seus anjos e eles
tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniquidade e os
lançarão na fornalha de fogo. Alí haverá o choro e o ranger de dentes. Então
resplandecerão os justos como o sol no reino de seu Pai. O que tem ouvidos de
ouvir, ouça."
Agora a ampliação interpretativa. O
Senhor Jesus semeou no mundo, sancionando-a com o exemplo e o martírio, a sua
doutrina redentora. Com ela converteu e tem, ao longo
dos séculos, convertido pecadores em discípulos, ou filhos da luz,
participantes do seu reino, ao mesmo tempo que sublimado nessa categoria os espíritos
consideravelmente evoluídos, que tem enviado à Terra, com a missão de acelerar,
pelo exemplo de suas virtudes, o adiantamento espiritual da humanidade; legítimo
trigo por Ele semeado no terreno inculto deste mundo. O AntiCristo, porém,
infatigável em suas reacionárias investidas, aproveitando o sono dos
encarregados de velar pela sementeira, isto é, a falta de vigilância
introspectiva dos pastores religiosos, tem não somente suscitado falsas
doutrinas, mas estimulado os vícios e paixões nos próprios que ouviram a
palavra do Evangelho,
sem, todavia, como na parábola do semeador, anteriormente referida pelo Mestre,
lhe guardar fidelidade, antes conspurcando-a com suas violações e só
exteriormente adotando as insígnias de cristãos.
Aproxima-se, porém, o fim do mundo,
por essa expressão devendo entender-se não o aniquilamento catalítico do globo,
mas o fim do velho mundo moral ou - equivalente-
mente
- a terminação do ciclo desta civilização estrepitosa e materialista,
irreligiosa, portanto, que se ostenta em nosso século, para ceder lugar a uma
nova era, de espiritualização da humanidade, em que, aproveitadas todas as
maravilhosas conquistas da ciência, para beneficio de todos e não apenas de uma
minoria de favorecidos, o Evangelho será restabelecido em espírito e verdade,
no esplendor de seus ensinamentos. Era de ascensão da Terra na hierarquia
sideral, passando de esfera expiatória á categoria de mundo de regeneração, não
sendo inadmissível - acrescentemos incidentemente - a ocorrência de alguns
cataclismos parciais, que modifiquem, melhorando-as, as suas condições de
habitabilidade, os Espíritos que, por sua obstinação no mal, se tornarem
indignos de aqui voltar ou, conforme a sua rebeldia, de sequer permanecer em a
nossa atmosfera, serão retirados pelos anjos do Senhor e conduzidos a planeta,
ou sistema planetário, em formação - verdadeira fornalha ígnea, como o foi o
nosso - em cujo ambiente, saturado de gazes asfixiantes, aguardarão, entre
"choro e ranger de dentes",
a época de baixarem a tomar novos corpos, para recomeço de evolução, que se
tornaram incapazes de prosseguir na Terra, então regenerada. Os justos, que
nela permanecerem, nela implantarão, com a Lei do Cristo, fiel e universalmente
observada, o reino de seu Pai, isto é, de justiça, de paz e de fraternidade. E,
como o sol, em sua deslumbradora irradiação física, resplandecerão eles de
virtudes nesta morada, tornada então celestial.
Esta, segundo os dados da Revelação
nova, a significação espiritual do julgamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário