Carta a um Infeliz
por Ojuara
Reformador (FEB) Março 1955
Meu
irmão:
O doloroso quadro que me foi dado
presenciar, repetidas vezes, no teu desventurado lar, do qual sou íntimo, é
algo que confrange o coração, por menos sensível que seja.
Sim! É deveras lamentável que o
clima de recíproca intolerância e de absoluta incompreensão que se estabeleceu
entre ti e a tua esposa, situação essa que malgrado a vossa esmerada educação
nem sempre conseguis disfarçar, mesmo perante estranhos, transforme a vossa
vida conjugal num verdadeiro e permanente inferno, o que tem motivado as vossas
reiteradas afirmativas de sincero arrependimento de vos haverdes casado.
No entanto, quantas juras de amor
trocadas e quanta esperança de felicidade, no dia do vosso casamento!..
Decorrida, porém, a breve fase da
chamada “lua de mel”, a vossa vida conjugal, tão feliz no começo, passou a
modificar-se.
Recapitulando a tua própria
narrativa, começaste, de princípio, a notar com estranheza, na tua esposa,
ligeiras crises de mau humor, ciúmes e injustificadas tristezas, que terminavam
sempre por entre beijos, carinhos e protestos mais veementes de
amor mais intenso e constante.
Depois, o mal passou a agravar-se e
começaram a surgir, a pretexto de nada, desavenças mais sérias, nas quais ela
se descontrolava com incrível facilidade, chegando muitas vezes a ser grosseira
e ríspida para contigo, deixando-te completamente estarrecido diante das suas
atitudes violentas e descabidas.
Nesse ínterim, o amor, que só pode
viver num ambiente de harmonia e de compreensão, passou a definhar, terminando
por desaparecer totalmente.
Por fim, ausente o amor, que foi
substituído pela indiferença e, muitas vezes, pelo ódio, desapareceram as
cerimônias, e até as mais simples normas de corriqueira educação foram postas à
margem nas vossas relações íntimas, chegando ela a praticar ações
inacreditáveis, incompatíveis até com os mais comezinhos ditames do senso
comum.
Atualmente vos encontrais
desempenhando o lastimável papel de infelizes protagonistas de um drama tão
terrível, que não sei como não degenerou, até agora, na mais deplorável
tragédia.
A separação definitiva ainda não
ocorreu, conforme confessaste, não somente por não teres coragem de separar-te
dos teus dois mimosos filhinhos, que são outras tantas inocentes vítimas de
toda essa infelicidade, como também porque juiz nenhum te concederia o
desquite, desde que não existe, para tanto, motivo legal a ser invocado.
O médico da família, consultado
várias vezes, não encontra motivos para declará-la uma alienada mental ou uma
psicopata passível de internamento num manicômio, limitando-se a diagnosticar o
seu mal como distúrbios nervosos, que a medicação prescrita não consegue,
contudo, debelar.
Um sacerdote amigo, cujo conselho
solicitaste, declarou-te apenas ser necessária muita paciência, afirmando-te
ainda, não obstante se intitular “ministro de Deus e condutor de almas”, que o
melindroso caso escapava à sua ajuda e que somente à Medicina competia
pronunciar-se sobre o delicado assunto.
Estavas num doloroso estado de
espírito, após terrível cena desse angustioso drama, quando tive ocasião de
ouvir a tua amargurada confissão e a completa narrativa de toda a tua desdita,
desconhecida por mim, na maior parte, até então.
E desde que me pedes uma opinião, a
mim que sou apenas um humilde principiante no estudo da sublime e consoladora
Doutrina Espírita, venho afirmar-te, com toda a segurança, que não tens razão
de odiar tua esposa, nem de acusá-la como responsável pela infelicidade que tem
desabado sobre o teu lar, desde que ela, tanto quanto tu, é apenas uma infeliz
e inconsciente vítima da lastimável ignorância e da Obstinada cegueira em que
ainda vive a maior parcela da Humanidade, acerca dos complexos e importantes
problemas de natureza espiritual que aí se encontram, desafiando certos
princípios estabelecidos pela ciência oficial e contradizendo outros,
consagrados imutáveis pela “infalibilidade” de religiões do passado; problemas
de amor mais intenso e esses cuja solução só pode ser conseguida mediante
outros estudos, dos quais, uma parte da Medicina ainda desdenha, e que o clero proíbe
terminantemente, mas que constituem, todavia, fator de primordial importância e
elemento de imprescindível necessidade na realização da felicidade humana.
Informam-nos, esses estudos, que
certas e determinadas pessoas possuem, mais do que outras, faculdades
mediúnicas; isto é, a possibilidade de receberem, ou de serem influenciadas por
Espíritos, os quais nos rodeiam permanentemente, como verdadeira nuvem de
testemunhas, sem que os pressintamos, afirmativa essa que é plenamente
confirmada pelo Apóstolo Paulo, na sua memorável epístola aos hebreus, capítulo
12, versículo 1º.
Essas influências podem ser
exercidas, em maior ou menor grau, tanto por Espíritos sabotadores e
iluminados, que podem inspirar tais pessoas à prática das mais nobres ações,
como também por Espíritos imperfeitos ou totalmente maus e perversos, que podem
também conduzi-las, em virtude da sua costumeira invigilância ou total desconhecimento
do assunto, à execução de todas as maldades e dos mais repugnantes vícios.
Em todos os tempos existiram vítimas
dos Espíritos das trevas e o próprio Jesus, segundo narram os Evangelhos,
curou, em diversas ocasiões, portadores de obsessões e de enfermidades
produzidas por influências dos mesmos. (Mateus: 8:28, 34; 9:32; 12:22;
17:14-21.)
Inúmeras foram as oportunidades em
que os Apóstolos, pela imposição das mãos e por outros modos, produziram curas
de moléstias e anularam outras variadas manifestações do grande poder dos
Espíritos malfazejos.
Nos tempos atuais, mais do que
nunca, ocorrem casos em que se manifesta do modo mais cabal a influência de tal
poder, não somente em face do crescente descaso votado pela Humanidade dos
nossos dias à prática dos sublimes ensinamentos do Divino Mestre Jesus, estabelecendo,
consequentemente, perigosa afinidade com os perniciosos elementos das sombras,
como, também, pela extrema difusão da mediunidade, que cada dia mais se
generaliza, de acordo com a promessa contida nas Sagradas Escrituras (Atos,
2:17, 18), dando lugar, como resultado, a uma alarmante multiplicidade de
enfermidades físicas, mas sobretudo espirituais, que se manifestam com os mais
variados e misteriosos sintomas,
desde as simples e passageiras perturbações aos nervosismos agudos, manias, psicopatias,
fobias, alucinações e outros, sintomas esses que se agravam em muitos casos,
confundindo-se com a própria loucura, e cujo diagnóstico os mais competentes
médicos não logram encontrar com segurança, por pretenderem sempre buscar, no
organismo físico, as causas de males que residem no Espírito, sejam em virtude
das próprias imperfeições, sejam resultantes da ação real, embora invisível, de
ferrenhos perseguidores espirituais, aos quais, muitas vezes, encontra-se o
enfermo imantado por terríveis elos
de ódio e de vingança, consequência de cruéis inimizades ou mesmo de crimes
cometidos em vidas passadas.
Tais definições, que te podem
parecer absurdas e que talvez as acolhas com um sorriso de descrença nos lábios, são,
todavia, absolutamente certas, e não vacilo em afirmar que não é de outro mal
que está sofrendo a tua esposa, pois que ela é apenas detentora de faculdades mediúnicas
muito acentuadas e que precisam ser, quanto antes, orientadas e desenvolvidas.
Assim como a eletricidade, essa
misteriosa força da Natureza, que atuando sem controle produz o raio que
destrói e aniquila, mas que, devidamente conduzida através de fios de cobre verdadeiros
prodígios no terreno das iniciativas humanas, assim também a mediunidade, sem direção
e desenvolvimento, é causadora de inúmeras perturbações psíquicas, algumas de tanta
gravidade, que médicos menos experimentados as têm confundido com a loucura,
fazendo internar em manicômios os seus infelizes portadores.
Entretanto, bem desenvolvida e
encaminhada num sentido superior e nobre, a mediunidade constitui uma força de
inestimável valor, um elemento de considerável importância na elevação espiritual
da criatura, pois que lhe possibilita o mais proveitoso intercâmbio com os
felizes habitantes dos mundos superiores, sempre dispostos a prestar-lhe a sua
benéfica assistência por meio de salutares inspirações, preciosas advertências
e os mais valiosos conselhos e ensinamentos, desde que ela se mostre digna de
receber tão importantes dádivas.
Diagnosticando, assim, com toda a
precisão, de que sofre a tua esposa, devo esclarecer-te de que somente no
Espiritismo poderás encontrar os meios adequados à anulação das perigosas perturbações
que a assediam, resultantes da ação nefasta de elementos espirituais sem esclarecimento
e que por isso se comprazem em fazer o mal.
Sim! Nunca é por demais repetir: o
Espiritismo é incontestavelmente o anunciado Espírito da Verdade, o sublime
Consolador prometido por Nosso Senhor Jesus-Cristo, nos capítulos 14, 15 e 16
do Evangelho de São João, que deveria vir, nos últimos tempos, que são os que estamos
vivendo atualmente, ensinar-nos todas as coisas, guiar-nos em toda a Verdade e
restabelecer a Doutrina Cristã em toda a sua primitiva pureza, da qual foi ela
despojada pelo egoísmo, pela maldade e ignorância dos homens.
Cumpre-te, pois, sem demora,
iniciar-te resolutamente no estudo e na prática dessa doutrina santa, a mesma
que foi legada à Humanidade pelo Nosso Divino Mestre, por quem Ele se sacrificou
no madeiro infamante, e nela buscar o remédio que restituirá, ao teu
desventurado lar a paz e a tranquilidade de que tanto necessitas.
Implora, portanto, a Jesus, com todo
o fervor da tua alma, que te dê suficientes forças, a ti e a tua esposa, para
que possais doravante trilhar nova e magnífica senda, e abandonar, de vez,
arraigados e perniciosos hábitos que atraem para o vosso convívio as tenebrosas
forças do mal e repelem inexoravelmente as benéficas influências dos vossos
bondosos amigos do Plano Superior que desejam ardentemente ajudar-vos a
transformar o vosso lar num refúgio verdadeiramente cristão onde imperem, em caráter
permanente, a harmonia, a compreensão e a boa vontade, elementos básicos na
constituição da verdadeira felicidade. (Extraído
de ‘Seara do Cristo’).
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