Incompreensão
Martins Peralva
Reformador (FEB) Janeiro 1962
Sim, amigo, a incompreensão
dilacera-te a alma.
Desejarias que o teu pensamento, as
tuas ideias e os teus sentimentos fossem os sentimentos, as ideias e o
pensamento dos que, junto de ti, palmilham o caminho evolutivo, as veredas da
redenção.
Mas tu, que lês e meditas, que
estudas e raciocinas sobre o Evangelho e o Espiritismo - tu, que falas e
escreves, não tens mais o direito de alimentar semelhante ilusão.
Esperar entendimento não mais se
justifica em ti, porque não desconheces a Doutrina, nem ignoras as lições da
Boa Nova da Imortalidade.
O Evangelho e o Espiritismo te
cassaram o direito de exigir compreensão, porque ambos te ensinaram, te
induziram a ser compreensivo.
Desejarias - bem o sinto! - que o
lar fosse o tranquilo refúgio onde pudesses, esgotado, descansar dos labores de
cada dia, em noites em que o cansaço não é mais cansaço, porque se transformou
em exaustão, convertendo-te num trapo humano.
Gostarias - oh, como o percebo! - de
te entreteres em palestras edificantes com aqueles que, contigo, mais de perto
transitam nas redentoras estradas da vida.
Sentir-te-ias feliz - imensa e
profundamente feliz, suave e liricamente venturoso! - se a
tua delicadeza e se o teu carinho tivessem ressonância junto a todos os
caminheiros terrenos.
Sim, amigo, seria agradável e
reconfortante, mas, bem o reconheces, em tuas silenciosas reflexões: não tens
direito, por enquanto, a essa ventura.
O teu mundo, o nosso mundo não
comporta, ainda, a felicidade sem mescla.
"O
meu reino não é deste mundo" - asseverou o Mestre.
Resgata, primeiro, os teus débitos.
Acerta, antes, as tuas contas.
Corrige, agora, os erros de ontem.
Reconcilia-te com aqueles a quem
feriste, suporta aqueles a quem fizeste chorar, abraça aqueles cujas esperanças
esfacelaste.
Foste livre na semeadura? Sê, agora,
escravo na colheita...
Não sonhes com a reciprocidade
afetiva, uma vez que, no momento que passa, no relógio de tua vida, ela é uma
flor que não pode medrar no jardim do teu idealismo, no canteiro de tuas
aspirações.
Oferece tua ternura, dá algo de ti
mesmo, mas não esperes retribuição, porque a Lei está funcionando junto a ti,
contigo, em ti mesmo, nos escaninhos da tua consciência.
Os teus companheiros de jornada,
guardando, ainda, dolorosas e amargas reminiscências de ti, desconfiam do teu
afeto, repelem o teu carinho. Tem, pois, paciência.
Resigna-te.
Ama e sofre, perdoa e procura
servir.
Não é isso que tens aprendido no
Espiritismo?! Não te tem o Evangelho indicado essa conduta?!..
Lembra-te do Cristo, quando te
sentires fraco no exercício da compreensão.
Ele espalhou alegria e paz,
consagrando-as, jubilosamente , nas Bodas de Caná da Galileia.
Distribuiu, por onde passou, saúde e
bom ânimo, esperança e fé.
Reabilitou mulheres infelizes,
corrigiu homens equivocados.
No entanto, no seu último dia entre
nós, ofertamos-Lhe, por lembrança do Mundo, o vinagre e o fel, a coroa de
espinhos e a cruz.
Recorda isso, amigo, a fim de que a
incompreensão te não doa n’alma; a desafeição dos teus não te incomode tanto; a
rebeldia dos companheiros não te deprima a vida.
Ora e trabalha, confia e espera.
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