quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Uma revisão dos estudos de Swedenborg


 











Uma revisão dos ensinos de
Swedenborg
Parte 1

Hermínio de Miranda

Reformador (FEB) Agosto 1961

            No livro “Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita”, páginas 101 a 103 da primeira, edição (1946), encontramos algumas notas extraídas de “Reformador” de Junho de 1945, sobre Emmanuel Swedenborg, um dos grandes precursores do Espiritismo. Creio que vale a pena reproduzir a nota, modelo de concisão e clareza, a fim de que possamos mais adiante apresentar alguns comentários sobre a personalidade e a obra daquele grande Espírito.

            “Emmanuel Swedenborg, vidente sueco nascido em 1688 e desencarnado em Londres, em 1772 era um homem de enorme e variada cultura: engenheiro de minas, autoridade em metalurgia, engenheiro militar, astrônomo, físico, zoólogo, anatomista, financista e economista. Foi enérgico na juventude e amabilíssimo na sua velhice.

            “A vidência lhe surgiu na infância, seguida, logo depois, da clarividência a distância. Educado entre a nobreza sueca, transportou-se mais tarde para Londres, onde as suas teorias apareceram em 1744, através dos livros que escreveu.

            “Ensinava que o Universo se compunha de esferas diferentes, com vários graus de luminosidade e felicidade, e que essas esferas nos servirão de morada depois da morte na Terra, de conformidade com as condições espirituais que aqui tenhamos conseguido. Nesses mundos seremos julgados automaticamente por uma Lei espiritual, de acordo com o que houvermos realizado na Terra.

            “Há casas, templos, clubes e palácios nessas esferas e os seres, que nelas habitam, recebem os recém-chegados que, após um período de repouso, recobram a consciência do seu novo estado. Não há qualquer mudança com a morte. O homem nada perde ao falecer, pois continua até mais perfeito que no estado corpóreo, conservando suas faculdades, modo de pensar, crenças e opiniões. As crianças, batizadas ou não, são recebidas e encaminhadas por criaturas que lhes servem de mães.

            “Não há castigos eternos. Os que habitam os infernos, desde que se desenvolvam, que progridam, passam para mundos melhores, e os que se encontram nos céus, não o estão, de modo permanente, pois todos trabalham para atingir um mundo superior.

            “Há, por lá, arquitetos e mecânicos, flores e frutos bordados, arte, música, literatura, ciência, colégios, museus, escolas, livrarias e até esportes, o que nos faz lembrar os tronos e as coroas do céu dos católicos e os ensinamentos magistrais que vem sendo transmitidos, no Brasil, mediunicamente, através dos livros “Nosso Lar”, “Os Mensageiros” e outros.

            Os velhos, os doentes e os aleijados renovam-se e recobram gradualmente o seu vigor, e os casados continuam juntos se os seus pensamentos mútuos os atraem.

            “Se levarmos em conta a época em que ele viveu, podemos dizer que Swedenborg expôs as suas ideias com clareza; não o fez, porém, com a perfeição, a experiência e a direção que mais tarde orientaram Allan Kardec.

            “Seus discípulos não lhe compreenderam a obra e fecharam-se num estacionamento lamentável tanto assim que, ao aparecerem os primeiros trabalhos de André Jackson Davis, em 1848, grande foi a hostilidade que moveram a Davis.

            “Os ensinos de Swedenborg estão contidos nas suas obras – “Céu e Inferno”, “A Nova Jerusalém” e “Arcana Coelestia”.

*

            Figuras eminentes, como Helen Keller, sentiram-se atraídas pelos ensinamentos do sábio filósofo sueco e adotaram seus princípios religiosos, que se transformaram em religião organizada. No entanto, o grande drama daqueles que procuram de alguma forma transmitir aos seus irmãos um pouco de suas ideias quando encarnados é exatamente a luta contra a névoa que desde sobre o entendimento da realidade espiritual. Enquanto estamos na vida espiritual, livres das ilusões e desenganos da matéria, vemos com clareza nossos objetivos, compreendemos com serenidade as verdades espirituais. Uma vez descidos à carne, porém, torna-se difícil entender sem assistência superior, o problema da vida da morte, da dor. Somente depois que Allan Kardec organizou para nós a codificação do Espiritismo, tornou-se relativamente fácil acertar com as verdades da verdadeira evolução espiritual. Isso porque Kardec teve a superior inspiração de erguer os edifícios da nova doutrina sobre os alicerces do mais puro e legítimo Cristianismo. Não um Cristianismo complexo, cheio de dogmas e envolto em bizantinices teológicas de direito canônico, mas um Cristianismo que nós, os do povo, podemos entender sem dificuldades; um Cristianismo tal como o Cristo pregou ao povo de seu tempo: pescadores, carpinteiros, donas de casa, militares, como também doutores da lei e sacerdotes das religiões organizadas de então.

            Nos 29 volumes que escreveu sobre assuntos religiosos, Swedenborg deixou na Terra uma preciosa bagagem de ensinamentos; não obstante, ao regressar à vida espiritual, entregando-se certamente à meditação, procurou rever e recordar suas ideias, readaptando-se à nova realidade que tinha diante de si.

            Foi talvez num desses momentos de análise que ditou as seguintes palavras ao médium George William Sharpe:

            "Estou no gozo da liberdade de que todos podem gozar... a liberdade de progredir e de se expressar, e, por vosso intermédio, espero indicar os erros que cometi quando na carne, na Terra. Muitas das declarações que hoje faço, não as poderia eu ter aceito durante minhas existências passadas (vê o leitor que o Espírito é reencarnacionista) e nem mesmo depois de meu regresso à vida espiritual, pois que não havia razão alguma para pensar que eu estava errado em minhas crenças terrenas. Quando o despertar ocorre, acode-nos a ideia de rever as velhas concepções e, então, o que era incorreto é percebido."

            Nessa mensagem de humildade e grandeza, evidencia-se também que, como afirma Kardec, o Espírito evolui tanto na carne como no mundo espiritual.

            É assim, para proclamar algumas de suas novas concepções e rever a sua obra, Swedenborg escolheu, em 1943, a médium inglesa Sra. Stella Myers. Tenho aqui diante de mim o livro que resultou desse entendimento. Chama-se “Herein Know Thyself” e se divide em duas partes. O livro I, denominado igualmente “Herein Know Thyself”, é escrito pela médium, que procura resumir e interpretar o pensamento do Espírito, tal como lhe foi transmitido nas conversações que com ele manteve. O livro II, sob o título “The True Jesus” (O Verdadeiro Jesus), é escrito pelo próprio Espírito, através da psicografia, já então desenvolvida.

            No seu longo prefácio, a Sra. Myers descreve os acontecimentos que a levaram a escrever o livro e a publicá-lo, bem como as razões que a fizeram acreditar que o Espírito manifestante, a que ela chama seu Mentor, era de fato aquele cujo nome lhe era anunciado. Convém acrescentar que somente depois de publicado o livro é que foi permitido revelar a identidade do autor espiritual. Essa notícia é assim reservada para a orelha da sobrecapa, pois que no texto do livro não há menção ao nome de Swedenborg.

            Julguei de bom alvitre prestar estes esclarecimentos para que o leitor se informe das condições que rodeiam a obra.

*

            O primeiro capítulo é ainda, de certa forma, uma narrativa de caráter pessoal, na qual a Sra. Myers revela como viu seu interesse despertado para o Espiritismo.

            A certa altura de seu depoimento, a autora informa que um dia chegou à conclusão de que, de modo geral, os recursos da mediunidade estão concentrados em torno de questões de ordem material e em mensagens de caráter pessoal, em detrimento das comunicações de verdadeiro conteúdo espiritual. Essa é uma observação muito pertinente. Nossa condição humana imperfeita leva, muitas vezes, a melhor sobre nossos legítimos interesses espirituais e nos deixamos vencer pela simples curiosidade ou pelo desejo de receber ajuda dos amigos espirituais para resolver questões que, no fundo, não interessam ao nosso desenvolvimento espiritual, antes, pelo contrário, frequentes vezes põem em perigo nossa marcha evolutiva. Daí o risco das perguntas que têm por objeto problemas materiais. Nossos amigos espirituais do Além, colocados num plano superior de entendimento e tendo uma visão mais completa das leis que nos governam, das condições do nosso passado e até mesmo das nossas possibilidades futuras, estão em posição muito mais segura para nos aconselhar ou deixar de intervir quando isso lhes parece mais acertado. Qualquer atuação que possam desenvolver dentro do nosso roteiro terá que ser feita sempre dentro do mais absoluto respeito ao nosso próprio livre-arbítrio; de outra forma, nosso mérito seria nulo como também nossa responsabilidade uma farsa. Por isso, muitas vezes deixam de nos responder ou oferecem conselhos velados ou, ainda, orientação que nos parece até mesmo contrária ao nosso interesse imediato. É que, envolvidos pela névoa da carne, nem sempre sabemos o que é melhor para o nosso próprio bem-estar futuro. Certamente por isso é que a Sra. Myers conclui seu pensamento dizendo que sem demora ela percebeu que “vivia em dois mundos ao mesmo tempo e mantinha dois pontos de vista; ademais, o ponto de vista do mundo NÃO era o mais importante, a despeito de tudo quanto os outros dissessem”.

            É verdade. De modo geral, as normas que governam o mundo espiritual frequentemente estão em choque com as que são tidas como normais no mundo material.

            Já o capítulo segundo do livro começa propriamente a discussão em torno dos temas escolhidos pelo Espírito. Seu título: “Que é Religião? O Espiritismo é Religião?”. Uma discussão prática e de certo alcance é feita logo de início. Creio que vale a pena transcrevê-la: “Os credos e os dogmas são frequentemente tidos como religião, mas não são a mesma coisa, pois que a Religião pertence a Deus e os credos e dogmas foram concebidos pelo homem. A crença neste credo ou naquele dogma não livrará ninguém da responsabilidade de seus atos e é pelas leis espirituais que o homem, lutando para dominar aqueles desejos sensuais e emoções que aprisionam sua divindade quando na Terra, pode viver de tal forma que não ponha em perigo sua alma imortal por um indefinido período de purgação.”

            A exposição é muito lúcida e seria impraticável traduzi-la toda. Procuraremos mencionar apenas os pontos de maior relevo. Na opinião de Swedenborg, todos os grandes líderes espirituais foram inspirados por Deus; no entanto, o que hoje conhecemos por Religião “perdeu o seu verdadeiro sentido - como norma de vida - quando gradualmente se transformou em Igreja e tudo quanto a Igreja significa. A Humanidade não estava satisfeita com a simplicidade da verdadeira Religião demonstrada por Jesus e teve que rodear seus ensinos de forma e cerimoniais, credos e dogmas e, de tudo isso, surgiu o segundo tipo de cristão, o cristão paulino”. O primeiro, no dizer do autor, seria o cristão verdadeiro, simples, que procura singelamente seguir os ensinos de Jesus. Por outro lado, prossegue, “a Religião de Jesus não tinha barreiras; todos quantos, consciente ou inconscientemente experimentarem viver de acordo com as suas normas, são cristãos, sejam membros de quaisquer dos credos aceitáveis, livres pensadores ou “gentios”. Segue-se uma longa análise da influência de Paulo de Tarso sobre o Cristianismo nascente. Isso, porém, é um tema dentro de outro e talvez merecesse um comentário à parte, tal a sua importância. Quanto ao problema do Espiritismo, em particular, acha que a palavra Espiritismo contém hoje muita coisa que não é espiritual em essência. A atividade espiritual legítima é aquela que “enriquece e eleva a mente, conduzindo-a a um conhecimento superior, à mais ampla compreensão da verdade divina”.

            O autor apresenta a mais formal objeção ao uso da palavra - espiritismo - em conexão com certas manifestações, por mais genuínas que sejam, até mesmo com fenômenos de materialização, clarividência, etc.. A isso chamaria ele - psiquismo. Se, de um extremo, as qualidades psíquicas são utilizadas para os mais nobres objetivos, há o outro extremo que usa os recursos da mediunidade para interesses pessoais e imediatos, numa “prostituição de tais poderes”,  na palavra franca do autor espiritual.

            Esse ponto merece destaque especial. As mais puras correntes do pensamento espírita, especialmente no Brasil, têm dado combate sem tréguas àquilo que Swedenborg classificou duramente de prostituição da mediunidade. O objetivo superior dos dons mediúnicos não é adivinhar o número que vai dar na loteria, nem revelar tesouros materiais ocultos, é contribuir para difundir-se cada vez mais a verdade superior que emana de Deus. Não queremos dizer que estejamos a salvo da reprimenda, no Brasil, mas a preocupação exagerada com o fenômeno e a utilização da comunicação mediúnica para fins práticos têm sido o grande empecilho ao desenvolvimento espiritual dos povos da corrente anglo-saxônica. Na órbita latina do mundo, tivemos a ventura de contar com a codificação de Allan Kardec, que não se estacionou na aparente frivolidade do fenômeno das mesas girantes; pelo contrário, sentindo, na intuição segura de seu Espírito, que ali havia muito mais que uma brincadeira, dedicou-se ao estudo aprofundado dos fatos e emergiu com observações lúcidas, racionais, da mais inatacável pureza doutrinária e científica. O fenômeno psíquico é um simples instrumento de revelação, não um objetivo final de si mesmo. Para simples demonstrações de materialização, clarividência ou psicografia, por exemplo, não valeria a pena deslocarem-se no Espaço tantos Espíritos já libertos das limitações e das agruras deste mundo inferior em que vivemos. Se eles descem em missão de sacrifício e trabalho para nos mostrarem os fatos psíquicos, é porque desejam que deles tiremos nossas próprias conclusões, as quais trazem no bojo tremendas implicações morais, filosóficas e religiosas. Se o Espírito se manifesta depois de tido como “morto” pela ciência materialista da Terra, é porque sobrevive à desintegração do corpo físico. Se sobrevive, então é preciso rever a conceituação do materialismo dominante. A revisão do materialismo há de revelar à Humanidade, como já revelou a nós espíritas, que toda a estruturação filosófica, religiosa e científica, hoje em vigor, terá que ser reformada da base ao tope. Essa é que é a finalidade do fenômeno psíquico. Damos pois razão a Swedenborg quando nos diz que a simples repetição de fenômenos de materialização e clarividência não é Espiritismo. “A filosofia do Espiritismo, diz o autor, não é um credo, mas uma revelação de verdades que trazem a concepção das realidades da vida.”

            Como vê o leitor, o livro apresenta-se tão cheio de ideias e sugere tantos comentários que não será possível analisá-lo todo num só artigo. Vamos, pois, prosseguir o estudo em outros comentários.



Uma revisão dos ensinos de
Swedenborg
Parte 2

Hermínio de Miranda
Reformador (FEB) Setembro 1961


            Prosseguiremos hoje em nossos comentários sobre o livro “Herein Know Thyself”, atribuído ao Espírito de Swedenborg, o grande vidente sueco. Para não alongar demais o artigo, passaremos mais rapidamente pelos capítulos de menor interesse. O terceiro, por exemplo, sob o título “O poder do pensamento”, transmite noções sobre o poder criador, sem, no entanto, apresentar conceitos particularmente notáveis àqueles que estão familiarizados com os ensinamentos espíritas.

            O capítulo quarto intitula-se “Todos os Planos de Vida são substanciais”. A ideia central é a de que o mundo espiritual não é situado em algum planeta desabitado, mas sim numa faixa vibratória diferente daquela que constitui nosso mundo material, tal como nos vem ensinando, com maior clareza, o Espírito de André Luiz.

            Chama-se “Livre arbítrio e reencarnação” o capítulo quinto. E aqui entramos em assunto de maior profundidade doutrinária. Começa a autora, reproduzindo os ensinamentos do Espírito, por fazer um apelo aos leitores para os quais a ideia da reencarnação seja “repugnante” (sic). Sugere que procurem ler o capítulo, sem paixão, como algo que não lhes diga respeito. Continua, afirmando que “se eles não gostam da ideia de retornar a esta Terra, não há poder no Céu ou na Terra que possa compeli-los àquele retorno”. Em Kardec, “O Livro dos Espíritos”, 224-b, encontramos esta pergunta: “Essa duração (intervalo entre uma encarnação e outra) depende da vontade do Espírito, ou lhe pode ser imposta como expiação?” Resposta: “É uma consequência do livre arbítrio. Os Espíritos sabem perfeitamente o que fazem. Mas, também, para alguns, constitui uma punição que Deus lhes inflige. Outros pedem que ela se prolongue, a fim de continuarem estudos que só na condição de Espírito livre podem efetuar-se com proveito.”

            Preferimos, naturalmente, ficar com “O Livro dos Espíritos”. A afirmativa de que não há poder no Céu ou na Terra que possa compelir o Espírito a reencarnar é muito ampla demais. Nas instruções dos Espíritos a Kardec ficou entendido que em alguns casos a reencarnação é infligida como punição; logo, deixa de ser livremente decidida pelo Espírito. No meu modo de entender, não poderia ser de outra maneira, pois que, se os Espíritos endurecidos e estacionários fossem abandonados à sua vontade indefinidamente, jamais teriam a oportunidade de realizar os progressos que só na carne podemos conseguir. Nas obras de André Luiz, psicografadas por Francisco Cândido Xavier, o assunto se acha amplamente exposto e de acordo com os ensinos dados ao Codificador.

            Prossegue a autora dizendo que o Espírito comunicante ensinou que a reencarnação é um fato, mas foi bastante enfático na sua afirmativa de que é um ato voluntário da parte do ser espiritual. “Não existe uma lei universal que obrigue todo Espírito a voltar à Terra uma porção de vezes”, diz ela. Na verdade, a lei não se aplica a todos os Espíritos indistintamente, mas alguns deles precisam, como ensina Kardec, ser trazidos à reencarnação, em seu próprio benefício, pois que se acham tão fundamente mergulhados na confusão mental, que perderam praticamente a capacidade de julgamento.

            Mais adiante encontramos outro ponto em que nossos pontos de vista, sempre com base nos ensinos de “O Livro dos Espíritos”, não coincidem. Diz a autora, reproduzindo afirmativa de Swedenborg, que, ao deixar o corpo físico pela “morte”, n Espírito se encontra em completo estado de liberdade, nos limites do seu grau evolutivo, com o que concordamos. Mais além, no entanto, acrescenta que tal liberdade de ação “nem sempre significa progresso, podendo também representar retrocesso”.

            Já em Kardec, à pergunta 118 – “Podem os Espíritos degenerar?”, respondem os instrutores: “Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição. Concluindo uma prova, o Espírito fica com a ciência que daí lhe veio e não a esquece... Pode permanecer estacionário, mas não retrograda.”

            Também aqui preferimos ficar com o Código kardequiano, que é mais racional e lógico.

            De outro lado, justificando o fato de que muitos Espíritos, quando se comunicam, nem sequer mencionam a reencarnação, diz a autora que estão eles tão satisfeitos com a existência nos planos astrais que nem sequer contemplam a ideia da reencarnação.

            Como, porém, chega o Espírito a se convencer de que deve reencarnar? A explicação de Swedenborg, sobre este ponto, também não entra em choque com a nossa concepção. Segundo explica ele, através da Sra. Myers, o Espírito, “ao rever sua vida passada, com seus pecados e omissões e os consequentes resultados”, acaba chegando à conclusão de que outra existência terrena é a melhor e mais rápida maneira de superar uma deficiência. Depois da decisão, o Guia espiritual ajudará o Espírito na escolha dos seus pais e do ambiente mais indicado para o treinamento a que se propõe.

            Embora reconhecendo que a vida astral é cômoda, porque livre das agruras da matéria que obscurece o entendimento, junto dos seres que ama, o Espírito acaba por reconhecer que não pode deixar-se ficar indefinidamente no astral, ainda que também lá possa realizar progressos. É que a vida terrena é uma excelente escola que nos ministra uma espécie de curso intensivo, colocando num curto espaço de tempo - em relação à eternidade - uma grande intensidade de lições e oportunidades úteis à nossa evolução.

            Também esses conceitos poderemos facilmente subscrevê-los.

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            O capítulo VI é curto e trata da Humildade, “uma das maiores qualidades que podemos possuir, entretanto, a mais difícil de conseguir”.

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            No capítulo VII volta o livro ao problema da reencarnação. Já agora, procurando de certa forma restringir a amplitude da conceituação contida no capítulo anterior sobre o mesmo assunto, diz a autora, sempre repetindo as ideias do seu mentor: “Declaro com toda a ênfase possível que a reencarnação é um fato e que é um ato voluntário por parte do Espírito que regressa à carne; mas, no caso de Espíritos inferiores, parece haver alguma força compelidora na reencarnação.

            Logo, corrigindo o que havia dito, os ensinamentos do livro se colocam em linha com os de Allan Kardec. Ainda bem!

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            O contra-argumento, muito usado, de que não nos lembramos das vidas anteriores é também refutado, pois que, segundo a autora - e com ela concordamos – “o consciente alcança apenas uma fração do conhecimento armazenado na mente do Espírito”.

            Também é discutida a inconveniência de recordar-se a criatura de suas vidas anteriores. Tais recordações só nos poderiam perturbar e dificultar ainda mais a nossa evolução. O mais certo é mesmo receber, em cada dia, uma nova folha de papel em branco e nos deixar a liberdade de escrevermos nela um poema de amor ou uma tragédia.

            Ao encerrar o capítulo, à autora declara que, a seu ver, deixou bem claro que a “força diretora da experiência espírita é o amor. Não há ditadores endurecidos, nem compulsão, mas orientação amorável e compreensão indicam o caminho para cada Espírito, a fim de que ele possa alcançar a verdadeira felicidade”.

            Este final não está muito de acordo com a frase inicial do capítulo que declarava muito enfaticamente que “parece haver alguma força compelidora na reencarnação” de Espíritos inferiores.

            No correr do livro encontrei, algumas vezes, passagens como esta em que os pontos de vista da médium parecem ter emprestado algum colorido pessoal às concepções do Espírito comunicante. Talvez seja engano meu, mas o fato de a médium ter procurado reproduzir a conversação com o Espírito, em vez de psicografar-Ihe as ideias, poderá ter influído em alguns pontos.

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            O capítulo VIII cuida da Lei de Causa e Efeito, sobre a qual temos o livro magistral de André Luiz – “Ação e Reação”. 

            Discute as desigualdades sociais, observadas no mundo, o que ao observador menos avisado poderia parecer uma injustiça divina.

            A certa altura, diz o livro: “A cadeia da sequência é contínua; tudo quanto acontece em a Natureza é resultado de alguma causa e, por sua vez, torna-se causa de algum acontecimento futuro. O resultado de toda ação é duplo: primeiro, com referência à ação em si mesma; segundo, com referência ao motivo que a determinou.” Desse ponto, passa a autora a exemplificar o funcionamento da lei de causa e efeito sobre a reencarnação, dizendo que há muitas provas em favor da reencarnação, cada uma com seu valor próprio e com sua força. E continua: “Todas as provas mais fortes da reencarnação foram aceitas por alguns dos maiores sábios e pensadores, especialmente do Oriente; a existência da reencarnação, como dogma fundamental em muitas religiões, é de suprema importância.” Por outro lado, há sábios e pensadores que a negaram ou simplesmente a Ignoraram. Mas, a reencarnação, prossegue a autora, é um efeito da lei cármica e o carma é uma consequência da reencarnação. Estamos a cada instante agindo em função das ações que praticamos em vidas passadas e provocando reações que ocorrerão fatalmente nesta ou em vidas futuras. “Estamos, neste momento, aqui mesmo, construindo nosso futuro caráter. A respeito disso, temos a maior liberdade enquanto na Terra. O pensamento é uma das mais poderosas forças e podemos utilizá-lo livremente no desenvolvimento do caráter e, como a tendência para a ação é o resultado direto do pensamento estamos, de fato, constantemente semeando as nossas futuras ações.”

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            O capítulo IX cuida da prece. Acha a autora que certa racionalização da prece tem concorrido para que essa magnífica forma de expressão tenha perdido um pouco de sua influência sobre certos espíritos. Há quem assuma, por exemplo, a atitude de pensar que, sendo Deus todo-poderoso, sábio e bondoso, não há necessidade de orar para pedir-Lhe saúde, porque, melhor que nós, Ele sabe do que precisamos. De outro lado, nessa mesma linha de raciocínio negativista, há quem pense que Deus pode ser levado por nossas preces a mudar os seus propósitos para nos atender, como se fosse uma entidade vacilante, que não está muito certa do que fica melhor para nós. Tudo isso, no entanto, está inteiramente fora de propósito e pensamentos dessa ordem somente podem ser formulados por quem não tenha ainda bem desenvolvida a sensibilidade espiritual. Como diz a autora, “muito do que passa por prece não é nada disso. Orar não é suplicar a Deus por coisa alguma, a não ser por ajuda espiritual e compreensão. A prece não precisa nem mesmo ser uma expressão verbal, mas a manifestação do que temos de melhor dentro de nós mesmos”. De fato, orar não é também ficar repetindo, vezes sem conto, algumas palavras decoradas na infância. De tanto repeti-las, o seu sentido já se perdeu para nós e o coração não mais participa da ação, apenas os lábios reproduzem um encadeamento de palavras. Orar não é isso. A prece tem que sair da intimidade do ser, fazendo-nos lembrar que antes de tudo, acima de tudo, somos Espíritos, momentaneamente prisioneiros da carne. A prece é o nosso meio de comunicação e de comunhão com o mundo espiritual donde viemos e para onde voltaremos.

            Com a prece comovida, sentida, sincera, movimentamos as forças naturais do bem, colocamos nosso espírito num alto diapasão vibratório, que nos eleva, ilumina e consola. Há na prece um fundamento tão real, tão poderoso, tão superior que até mesmo a Ciência, na frieza de seus métodos de trabalho, já admite o seu poder. Ainda recentemente, a revista americana “Time” publicava uma notícia sobre experiências feitas com sementes plantadas na mesma época, em dois vasos. Enquanto as sementes de um vaso eram estimuladas com preces e bons pensamentos, as de outro eram sufocadas com pensamentos negativos. O resultado somente surpreendeu os cientistas, pois que aqueles (como nós) que acreditam na eficácia da prece já o previam: as sementes regadas com as boas preces desenvolveram-se magnificamente, enquanto as outras definhavam e só deram plantinhas raquíticas e enfermiças.

            A prece libera em nós uma vibração benéfica da qual se utilizam os Espíritos mensageiros da caridade para derramar o bálsamo do bem sobre aqueles pelos quais oramos.

            No entanto, como frisa a autora, é preciso que a prece seja acompanhada de um esforço pessoal positivo. Não adianta pedirmos a Deus que nos faça bons; é preciso que manifestemos nosso ardente desejo de nos tornarmos bons. Se os lábios dizem uma coisa e o coração diz outra, nunca poderemos alcançar o que pedimos. É necessário que nos coloquemos num plano superior de vibração, a fim de podermos entrar em contato com as forças espirituais. Somos, ao mesmo tempo, focos de irradiação e recepção. Tal como o aparelho de rádio que somente reproduz o som quando corretamente sintonizado, precisamos sintonizar nossos Espíritos dentro das faixas vibratórias do mundo espiritual, para que as harmonias do Espaço se reproduzam dentro do nosso ser. Somente assim, poderemos manter esse elo que nos prende às nossas origens espirituais. Muitos dos amigos que deixamos do lado de lá e os que nos deixaram aqui, já de regresso à pátria espiritual, desejam manter contato conosco, mas é preciso que saibamos oferecer-lhes os meios apropriados, mantendo limpo o coração, elevando com frequência nosso pensamento depurado à ideia sublime de Deus, não para pedir fortuna, nem ausência de sofrimento, mas para que nos ajude, em nossa fraqueza, a discernir melhor as coisas, a conduzir melhor a nossa vida; não para que nos remova a pedra do caminho, mas para que nos dê forças para contornar os obstáculos; não para acabar com o sofrimento de que tanto precisamos, mas para nos ensinar a suportá-lo com serenidade; não para pedir a perfeição a curto prazo, já nesta vida ou na próxima, mas para ajudar-nos a combater sem tréguas nossos defeitos e imperfeições.

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Uma revisão dos ensinos de
Swedenborg
Parte 3 e final

Hermínio de Miranda
Reformador (FEB) Outubro 1961


            Continuemos hoje a estudar o livro "Herein Know Thyself", atribuída ao Espírito de Emmanuel Swedenborg e escrito pela Sra. StelIa Myers.

            O capítulo X trata da vida durante o sono. Começa com uma afirmativa bastante positiva: "Acredite-se ou não na reencarnação, o fato é que somos entidades conscientes antes de nos ligarmos a uma criança no ventre materno; a carne não é criada simultaneamente com o seu espírito," Reportemo-nos, por um momento, à lição de André Luiz, que é bastante precisa e minuciosa neste ponto. Tomo a liberdade de sugerir ao leitor a releitura do capítulo "Reencarnação", do livro "Missionários da Luz". Na verdade, o perispírito não se liga "a uma criança" no ventre materno; é ligado, por entidades espirituais altamente especializadas, ao óvulo que acaba de ser fecundado. Cabe ao próprio Espírito reencarnante dar "forma aos elementos celulares" ("Missionários da Luz", pág. 221, da 5ª edição). Explicando e demonstrando a André Luiz o mecanismo da reencarnação, o luminoso mentor Alexandre afirma, a certa altura (pág. 233): "O organismo maternal fornecerá todo o alimento para a organização básica do aparelho físico, enquanto a forma reduzida de Segismundo (o Espírito reencarnante), como vigoroso modelo, atuará como ímã entre limalhas de ferro, dando forma consistente à sua futura manifestação no cenário da Crosta."

            Mas, voltemos a Swedenborg, que nos informa passar o Espírito, durante o sono fisiológico, a um estado de relativa liberdade, usando suas faculdades super conscientes, desembaraçadas das restrições do cérebro físico. Além disso, em estado de liberdade relativa proporcionada pelo sono, o Espírito pode encontrar-se com outros, discutir seus problemas e ouvir conselhos e sugestões. Daí o fato, de há muito verificado pela Ciência, de que frequentemente acordamos com a solução de problemas e questões difíceis que nos preocupavam ao nos recolhermos ao sono. No entanto, a recordação minuciosa da atividade espiritual, durante o sono fisiológico, somente é conseguida mediante assistência magnética de outros Espíritos ou quando, possuindo qualidades mediúnicas já desenvolvidas, a própria criatura é capaz de recordá-las vividamente. O mecanismo do desprendimento do Espírito, ao adormecer o corpo físico, é descrito de maneira idêntica à que consta numa obra que comentamos há algum tempo, aqui mesmo nas páginas de "Reformador", (Veja-se "Desdobramento e Perispírito" - "Reformador" de Maio, Outubro e Novembro de 1959.)

            O perispírito eleva-se horizontalmente sobre o corpo físico, flutua mansamente na direção da cabeça para os pés e se coloca gradativamente de pé. Um fio prateado continua ligando o perispírito ao corpo físico, qualquer que seja a distância percorrida por aquele. É então mencionada a passagem do Eclesiastes (cap. 12, v. 5 a 7), que diz: " ....porque o homem irá para a casa da sua eternidade, e carpindo ao redor dele o irão acompanhando pelas ruas: antes que se rompa o cordão de prata, e se retire a fita de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto à cisterna, e o pó se torne à sua terra donde era, e o Espírito volte para Deus que o deu."

            É surpreendente, volta a dizer a autora, quanta ajuda podemos dar aos outros, mesmo durante a vida terrena, nesse período de relativa liberdade proporcionado pelo sono. Parentes e amigos encontram-se no astral, uns presos à carne, outros gozando da plena liberdade de Espíritos desencarnados. Vínculos de amor ou de ódio nos atraem e, ao acordar, guardamos apenas vagas imagens e sensações de alegria e paz, ou penosas lembranças de cenas amargas vividas no Além.

            Como prova de que os Espíritos encarnados e desencarnados se comunicam durante o sono daqueles, a autora cita um fato ocorrido na sua própria família. Sua mãe não era espírita e não admitia os fenômenos espíritas, muito menos a possibilidade de comunicação entre "vivos" 'e "mortos". Embora desejasse muito uma filha, somente depois de três meninos teve uma menina. Infelizmente a pequena (Marion) logo morreu, deixando a pobre senhora inconsolável. Só mais tarde, quando nasceu a outra menina (a autora), é que ela viu atenuada a sua dor. Muitos anos depois, ao despedir-se de sua mãe no leito de morte, a autora falou-lhe ternamente da vida que a esperava no mundo espiritual e pediu-lhe que levasse lembranças aos irmãos já desencarnados e ao "baby Marion", que lá estariam esperando por ela. A resposta, já entrecortada pelos estertores da agonia, foi deveras surpreendente e reveladora: "Baby... nada... Marion... Assisti ao seu crescimento."

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            No capítulo seguinte, cuidando de "Cérebro e Sono", a autora nos transmite informações sobre o cérebro físico, que é o instrumento do cérebro espiritual (perispiritual). A certa altura diz isto: "A mente tem duas memórias: a memória do corpo, que retém tudo quanto pertença ao mundo externo; e a do Espírito, que se encarrega do fio de suas prévias experiências interiores e continua a tecer pensamentos, percepções e raciocínios que o Espírito experimenta quando, a julgar pelas aparências externas, o corpo está morto e a mente aniquilada." Nesse espaço de tempo, continua, o Espírito está em condições de rever suas ações de ontem e tomar decisões para o dia seguinte.

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            Até aqui não encontrámos nos escritos da Sra. StelIa Myers, narrando os ensinamentos que lhe foram transmitidos pelo Espírito de Swedenborg, nenhum ponto em que seriamente divergimos. Já o mesmo não poderíamos dizer do capítulo que segue (XII) e que se denomina "A Preexistência do Espírito Humano".

            Começa por dizer que a existência humana tem sua origem numa "fagulha divina que é vida e mente e que, portanto, tem consciência; é uma força, não uma entidade". Essa fagulha - passada aos Senhores da Criação que lhe dão um corpo, tomando forma e tornando-se um indivíduo, um ser humano em estado potencial. Daí em diante a exposição se torna algo obscura e complexa. A minha impressão pessoal é a de que não foi possível à Sra. Myers assimilar os complexos ensinamentos do Espírito e transfundi-los em linguagem humana, pois que encontramos trechos como este: "Quando ainda nas esferas celestiais de onde a alma deve descer, apenas um degrau, se assim podemos dizer, a separa da Mente Suprema, e, daí em diante, o abismo se alarga cada vez mais, até que, quando confinada à manifestação do cérebro físico, é muito, muito imperfeita." E como se dá que essa fagulha divina, dotada de uma partícula de perfeição, tão perto da Perfeição Suprema, sofre essa queda? A autora responde logo a seguir, nestes termos: "Estranho como pareça, é a curiosidade. A alma é supremamente feliz nas esferas celestiais onde só existe pureza mental e de ação; mas, ao tornar-se cônscia de que há outros estados de existência além daquele no qual ela permanece, e desejosa de conhecer melhor esses outros estados, aproxima-se da esfera vibratória imediatamente inferior."

            Reconhecemos a complexidade deste problema que, na fase atual da nossa evolução, ainda não é possível abordar e compreender de todo. No entanto, a explicação da autora nos parece um tanto primária e nebulosa. Como poderia um Espírito (a que ela chama alma), a um degrau da perfeição, descer de esfera em esfera, até certos lamentáveis estados de degradação que frequentemente se encontram na existência terrena? Na minha opinião, estas questões deverão ficar reservadas para um, estudo futuro, quando o estado evolutivo da Humanidade o permitir. Condicionado às suas limitações, deve o homem contentar-se, por enquanto, com temas que estejam ao alcance de sua inteligência atual. O resto virá no seu devido tempo. Caso contrário, entramos na apreciação de conceitos como este que a autora descreveu à página 70 de seu livro. Vamos traduzir o trecho: "Quando aquela fagulha divina de vida é revestida de um corpo pelos Senhores da Criação, ela possui dentro de sua consciência o conhecimento de que, para ser completa em si mesma, restringiria a vida; assim, por sua própria iniciativa e de acordo com a Lei da Criação, aquela entidade recém-formada se dividirá em duas; da parte esquerda da alma surge uma emanação que agrega em torno de si certa substância que forma um corpo e, onde havia uma só alma, há, agora, duas; contudo, essas duas são, na verdade, uma só, pensando igualmente, expressando-se igualmente e amando igualmente; uma, porém, é masculina, e outra é feminina. A nova forma toma o sexo feminino e a forma antiga é masculina; e, apesar de a mente poder ser partilhada, em cada uma delas predominam as qualidades de
seu próprio sexo. Isto pode ser um ensinamento difícil de aceitar, mas nele está a origem da história do nascimento de Eva saída da costela esquerda de Adão."

            Que acha o leitor de tudo isso? Não lhe parece algo confuso, como uma história contada pela metade? Não lhe parece que estamos procurando resolver problemas muito transcendentais para o nosso alcance, enquanto outras questões, de maior interesse imediato para a nossa própria evolução, estão provavelmente sendo relegadas a um plano secundário? Há mais, porém; continuemos traduzindo outro pequeno trecho do livro: "Ao tempo em que a alma está pronta para revestir-se de um corpo físico, ela é completamente egoísta, dominada por desejos egoístas, do que resulta que sua vida neste mundo é a de um ser humano atravessando uma existência muito material, como alcoviteira das emoções, sensual e sexual. Uma vida física é muito necessária para a alma neste estágio de sua evolução, por causa de sua necessidade de purificação." A coisa torna-se cada vez mais obscura. Uma alma recém-desligada da Perfeição Suprema, que apenas baixou um degrau vibratório, como pode estar tão infestada de vícios e paixões, a ponto de precisar com urgência iniciar uma vida de purificação?

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            O capítulo seguinte denominado "Os Espíritos se incorporam na Terra" - contém ainda várias noções para as quais não achamos apoio em nossas doutrinas. Segundo as teorias expostas no livro, a alma somente assume a aparência material, revestindo-se de um corpo físico, quando quer. A autora explica, entre parênteses, à página 71, que chama a essas entidades "almas", porque elas ainda não têm experiência terrena que lhes dê personalidade. Somente depois que ganham um corpo astral, é que podem ser chamadas "espíritos".

            Outras ideias expressas neste capítulo nos parecem contrárias aos nossos pontos de vista habituais. Há, por exemplo, a afirmativa de que quando uma alma se divide em duas, ao decidir-se pela experiência na carne, as duas almas podem preferir continuarem juntas e, por isso, "entram, num útero" e nascem como gêmeos. Os ratos e as informações de que dispomos de outras fontes não apoiam essa teoria.

            Mais além, a autora informa que, para a primeira encarnação, a alma deve "incorporar-se a uma criança do mesmo sexo que o seu", mas, em existências subsequentes, o Espírito pode escolher o sexo oposto. Isto também não concorda com os ensinamentos de que dispomos.

            Sobre a criação, esclarece "O Livro dos Espíritos", pergunta 79: "Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo por que essa formação se operou é que são desconhecidos." Mais adiante, é formulada a pergunta 81: "Os Espíritos se formam espontâneamente, ou procedem uns dos outros?" Resposta: "Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério."

            Quanto à questão do sexo, comentando as respostas dadas às perguntas 200 a 202, esclarece Allan Kardec, numa de suas notas pessoais: "Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo." (Grifos nossos.)

            O problema é de tão alta envergadura que nem os Espíritos que transmitiram seus ensinamentos a Kardec, nem o próprio Kardec, julgaram de bom .alvitre investigá-lo em maior profundidade.

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            O capítulo seguinte do livro intitula-se "Os Vários Corpos do Homem”. Também aqui deixamos de aceitar várias ideias que não sabemos se procedem do Espírito comunicante, tal como estão, ou -se refletem apenas certa inabilidade da médium em transmiti-las ao papel e, por conseguinte, ao leitor.

            Conhecendo, por exemplo, as informações de Kardec e de André Luiz, especialmente as que constam, com tantos pormenores preciosos, em "Missionários da Luz", não podemos concordar com este trecho da Sra. Myers, tal como se acha escrito: "O corpo é concebido, e, do momento de sua concepção, começa a tomar forma de acordo com a ordem de vida que o criou: seus pais. Ao primeiro movimento do feto, a alma, que escolheu aquele corpo, entra nele e a criança não é mais um simples aglomerado de carne, mas um indivíduo, pois que se tornou em templo para abrigar uma partícula de Deus. É a entrada da alma no corpo que causa a sensação conhecida por movimento do feto."

            Ora, como vimos linhas atrás, o Espírito não entra num corpo já em adiantado estado de gestação; ao contrário, o próprio fenômeno da gestação, segundo esclarece André Luiz, já é um resultado da atuação do Espírito encarnante, que começa a agregar em torno de si as partículas materiais que irão formar seu futuro corpo físico, tal como o campo magnético do ímã vai recolhendo a limalha de ferro. Sem o comando do Espírito reencarnante, é provável que o óvulo recém-fecundado acabe por se desorganizar e perecer, após uma evolução primária.

            Em seguida, passa a autora a descrever os diversos corpos do homem, mais de acordo com o esquema ocultista da tradição esotérica que de acor-do com a simples concepção kardequiana de corpo físico, períspirito e espírito. Segundo a autora, haveria no homem vários corpos, como a alma, o duplo astral, os "numerosos corpos mentais" (desejos) e finalmente o corpo físico.

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            O capítulo XV cuida dos suicidas e também não apresenta nada de especial. Apenas cabe mencionar um conceito com o qual não podemos concordar: é o de que há alguns suicídios cometidos "por motivo elevado". Essa esdrúxula ideia da autora se apoia na hipótese de algumas pessoas acharem que "seus parentes ficariam melhor sem elas". Daí o  "nobre" motivo atrás da ideia do suicídio. De forma alguma podemos aceitar a tese. Num caso como esse, tanto a pessoa que sofre o desequilíbrio, como os parentes que a cercam, estão cumprindo determinações das leis cármicas e o suicídio seria apenas mais um desvio, mais um crime, mais um fracasso a juntar-se ao pesado débito da vítima. Não; de forma alguma achamos que o suicídio se justífique.

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            Os três capítulos seguintes cuidam da comunicação entre o mundo espiritual e o material, isto é, entre Espíritos encarnados e desencarnados. Nada oferece de particularmente significativo que mereça comentário especial. Apenas no final do capítulo XVIII - "O contato espiritual pessoal está aberto a todos" - traz algumas advertências dignas de nota e especialmente aplicáveis àqueles que buscam no Espiritismo apenas o fenômeno, sem procurarem beneficiar-se dos ensinamentos e das verdades que contém a parte doutrinária. Diz a autora, repetindo, naturalmente, ensinamentos do seu Mentor espiritual: "A maioria das pessoas anseia por mensagens pessoais e coisas dessa ordem; somente uns poucos desejam ensinamentos espirituais, e, apesar de estar eu convencida da enorme importância da prova individual da sobrevivência, continuo insistindo em que a recepção dessas mensagens é o objetivo e a finalidade de nove décimos das pessoas que se dizem Espíritas."

            Em vista dessas ideias e dessa preocupação de somente obter fenômenos e comunicações medíocres de caráter pessoal, acredita a autora, em consonância com seu instrutor, que essa forma de Espiritismo não conseguirá sobreviver, mas, como as verdades não morrem, elas renascerão sob nova forma. Seria oportuno que a autora conhecesse melhor os fundamentos do movimento espírita latino e, de modo particular, o brasileiro, para saber que entre nós existe uma forma de Espiritismo que certamente sobreviverá, porque se apoia mais no desenvolvimento da parte doutrinária, que na ideia do fenômeno mediúnico, que é mero acidente.

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            O último capítulo chama-se "Do Not Blame God" - "Não culpe a Deus". Como o título indica, seu objetivo é filosofar sobre as responsabilidades individuais do Espírito, na sua marcha evolutiva.

            Não cabe a Deus a culpa pelas nossas falhas e sofrimentos; o maior inimigo do homem é o próprio homem. Na larga maioria das vezes, nós mesmos escolhemos nosso roteiro ao reencarnar, a fim de, com a moeda amarga, mas autêntica, da dor, resgatar faltas e progredir espiritualmente.

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            Sobre o livro em si, não sei que conclusão oferecer ao leitor. Na minha opinião, se é que a Sra. Stella Myers nos transmitiu fielmente o pensamento de Swedenborg, este brilhante Espírito ainda fará outras revisões nos seus ensinamentos.


FIM

2 comentários:

  1. A Caridade tem que estar acompanhada da Verdade, para que resulte na Fé que salva. Livro sugerido pra estudo 'Verdadeira Religião Crista' de Emanuel Swedenborg. Parabéns aos forjadores deste blog. Abraço Arao, Paz a ti, saúde e vida longa. Johnny. Pr

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  2. Johnny, A equipe do Blog agradece as palavras de carinho e incentivo. Sugestões de leitura são sempre benvindas. Paz prá vc também. Vida longa não preciso desejar pois somos espíritos eternos rsrs

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