Paulo - fragmento do século VI
Manhã de
primavera em Corinto
Hermínio C. Miranda
Reformador (FEB) Dezembro 1978
Respeitáveis razões de natureza
politica, que não são de nossa competência apreciar aqui, impedem a óbvia e
econômica solução - já que se está, por exemplo, no Cairo - de voar diretamente
a Tel-Aviv, em Israel, passando da Terra dos Faraós para a da Bíblia em menos
tempo do que tomaria uma viagem Rio - São Paulo. Para contornar o impedimento,
o jeito é traçar no tormentoso mapa do Oriente Médio e adjacências um triângulo
em que um dos vértices seja, por exemplo, Chipre ou Atenas. Entre essas e
outras alternativas, preferimos Atenas. Não - pelo amor de Deus - que a Grécia
seja apenas um trampolim geopolítico que nos permite conviver por alguns dias
com árabes e judeus alternadamente. A Grécia é um sonho bom, do qual a História
ainda não acordou, de todo, e creio que jamais acordará. Porque ali os mais
nobres filósofos, estadistas, médicos e historiadores pensaram, para nós, um
pouco de todos os grandes problemas do ser e do mundo em que vivemos.
E assim, nos primeiros dias de maio
de 1977, o jato egípcio nos deixa no aeroporto de Atenas, em plena primavera.
Fascinam-me aqueles belos caracteres
da língua que falou Aristóteles. Embora sem entender muito do que dizem, encontro
aqui e ali palavras familiares - como "taripha", escrita, naturalmente,
no taxímetro do carro que me leva ao hotel.
Ainda naquela tarde perambulamos
pela cidade limpa e civilizada, como convém aos herdeiros políticos de
Péricles. No dia seguinte, rumo à Acrópole e ao museu. Busco, porém, em todo o
esplendor daquelas ruínas, além dos marcos de uma época extinta, a presença do
Apóstolo Paulo, aliás, uma grande presença em Atenas. Lá está o "Poço de
S. Paulo", ao pé da Acrópole. Também tem o seu nome a moderna avenida que
passa pouco adiante. O padroeiro católico da cidade é S. Dionísio, que, como
sabemos, foi praticamente o único ateniense, além de Dâmaris, que ouviu Paulo
com respeito e atenção. Ali está o Areópago, onde ele falou do Deus
Desconhecido. Imagino-o, magro e ascético, vestido de uma túnica pobre, as
sandálias rotas, a passear o olhar incendiado e o coração algo desencantado por
aqueles mármores brancos e puros convertidos em estátuas, monumentos e
edifícios. Tanto fausto e beleza física e tanta especulação vã naqueles
cérebros privilegiados e "blasés"...
Emmanuel (in "Paulo e Estêvão") nos dá conta da amarga decepção que
o valoroso trabalhador do Cristo experimentou ali, onde a semente generosa
parece ter caído sobre aqueles mármores tão belos quão frios, e a não ser uma
ou outra que alcançou uma frincha rumo ao solo, como no caso de Dionísio, no
solo mesmo feneceu a maior parte. A Inteligência de muitos era farta, mas
estava sem luz o coração, talvez porque fossem felizes demais como criaturas
humanas, saudáveis e folgazãs. Será que lhes faltava um pouco que
fosse de dor? Não sei. Talvez, porque a doutrina da renúncia e do amor, que não
medrou na Grécia luminosa e feliz, germinou e explodiu em luzes nas profundezas
das catacumbas romanas, que ainda há pouco também visitara.
Minha ideia fixa, no entanto, era
ver Corinto, e quase entro em pânico quando me informam que o 1º de Maio,
feriado nacional também lá, caindo num domingo, nos deixaria na segunda-feira
sem guias, sem transporte, sem restaurantes, sem nada. Como seria a sonhada
viagem a Corinto, se na quarta-feira, dia 4, partiria para Telaviv? Tentei
arranjar alguém que, pelo menos, fosse comigo de ônibus e me mostrasse: ali é
Corinto, mas fui logo dissuadido pelo inflexível gerente do hotel informando-me
que o sindicato dos guias não permitiria fosse a séria profissão exercida
amadoristicamente. Ofereceram-me, alternativamente, uma viagem pelas ilhas,
pois os navios, ao que parece, não ligavam muito para essa questão de feriados.
Mas eu queria mesmo Corinto. E para encurtar uma longa história, dia 3, pela
manhã, uma belíssima manhã grega e primaveril, o ônibus da empresa de turismo
nos deixava, à beira da estrada, em frente às ruínas da velha Corinto. Ali
estava ela, afinal!
Para
o turista desatento seria apenas um monte desarrumado de pedras, onde aparece,
aqui e ali, o esboço de um templo, o traçado de uma rua ou os alicerces de
algumas casas. A custo consigo conter as emoções que me sacodem, pois
identifico as cenas iniciais de "Paulo e Estevão"; quando Emmanuel
descreve a covarde agressão sofrida pelo velho Jochedeb ben Jared, pai de
Abigail e Jeziel, o futuro Estêvão. Por ali andou o Apóstolo dos Gentios e mais
Timóteo, Lucas, Silas, Áquila e Prisca. Chegou a ser, a famosa cidade,
um dos mais importantes centros de cultivo e irradiação do Cristianismo
nascente. Nela, Paulo escreveu, pregou, ensinou, curou. E ausente, mais tarde,
para os adeptos que nela operavam escreveria duas das suas grandes Cartas,
inclusive para disciplinar melhor o exercício da mediunidade que começava a
transviar-se e para combater dissensões que surgiam e ameaçavam erigir-se em
seitas: a de Paulo, a de Pedro, a de Apolo...
Desligo-me do grupo de turistas,
para melhor sentir Corinto na sua intimidade, procurando recapturar os ecos
distantes das emoções que em seu seio foram vividas e sofridas. Por toda parte
aquele verde absurdo do mato rasteiro salpicado de florezinhas amarelas e
discretamente perfumadas, que o guia ainda há pouco dizia serem camomilas. O
campo estende-se além das ruínas e atrás de uma construção moderna, mais ao
longe, ergue-se, imponente, a grande altura, o monte Acrocorinto. Lá em cima -
não há tempo para subir -, naqueles tempos idos, fervilhava de gente, pois o
culto da deusa descera ao nível
mais baixo, quando a prostituição exercida - dizem - por mais de mil mulheres
era ao mesmo tempo ritual religioso e fonte de renda.
A manhã é clara e fresca, luminosa e
perfumada; e aquelas pedras falam. Ainda lá está a plataforma de onde não
apenas Paulo, mas qualquer orador se dirigia ao público que se movimentava na
praça fronteira. Seria a praça que o pai de Estêvão atravessava quando foi
agredido? Parece que sim, pois as ruínas em volta lembram os modernos
"boxes" de certos mercados: pequeninas construções onde artesãos e
agricultores ofereciam seus produtos ao público. Tenho de subir à bema
(palavra grega para degrau, assento, tribuna, púlpito, trono), uma espécie de
sacada ou patamar protegido noutro tempo por colunatas; resta
agora apenas uma parte do piso, por onde caminho em extrema agitação emocional.
Lá em cima, numa pedra tombada, está escrito em grego e em inglês o versículo
17, do capítulo 4, da Segunda Epístola, em que Paulo nos lembra que pouco
importa a pequena tribulação do momento, quando nos aguarda a glória futura da
paz:
- Com efeito, a leve tribulação de
um momento nos produz, sobre toda a medida, um enorme caudal de glória eterna.
Daqui - penso eu - falou Paulo, de
pé sobre estas pedras, os olhos postos naquela praça onde eram muitos os que
passavam sem lhe dar ouvidos, enquanto outros ouviam-no, mas sem compreender
direito qual era a sua mensagem.
Viera do desencanto de Atenas.
Lucas, em Atos (18:1), nos fala da sua chegada a Corinto, onde encontrou Áquila
e Prisca que, como tantos, haviam sido expulsos de Roma, ante as perseguições
desencadeadas pelo Imperador Claudius. Emmanuel nos enriqueceu generosamente,
com o conhecimento de inúmeros outros pormenores importantes, ao relatar um
pouco da comovente história desse casal que tão cedo dedicou-se ao trabalho
devotado na seara de Jesus.
Já vinham eles de perseguições
outras, desde a primeira hora, quando o próprio Paulo as iniciara na velha
Palestina. Foram companheiros do futuro Apóstolo nos "anos ocultos"
no deserto de Dan. Sonhavam os mesmos sonhos e entregavam suas vidas pelos mesmos
ideais.
Mas como seria Corinto?
*
Antes de apanhar o ônibus que nos
levaria ainda a Epidauros, adquiro alguns "slides" e um interessante
livrinho em inglês, do erudito Otto Meinardus, que, como ministro da Igreja
Americana de S. André, em Atenas, pesquisou e escreveu seu valioso estudo sob o título
"St. Paul in Greece" ("S. Paulo na Grécia", edição
Lycabettus Press, 1972, Atenas).
Meinardus não dispõe, evidentemente,
das informações que Emmanuel nos trouxe, e por isso seu livro apresenta algumas
lacunas e falhas, mas sua obra é honesta e tão rica quanto possível ante a exiguidade
dos fatos disponíveis e a despeito da abundância de material
especulativo. Diz ele haver nada menos que 84 livros e um número incalculável
de artigos sobre Paulo. Muitos desses títulos ele cita como fontes de consulta
no final de seu trabalho.
Corinto era uma cidade cosmopolita
de costumes extremamente corrompidos, como nos assegura Renan ("S.
Paulo" - Série "Origens do Cristianismo", edição Lello, Porto).
Era capital romana da província da
Grécia, então chamada Acaia. Graças à facilidade de comunicação, tanto com a
capital do Império quanto com o Ocidente, Corinto era importante ponto
estratégico para divulgação das ideias cristãs. Havia lá considerável número de
judeus, muitos dos quais fugiam das perseguições de Claudius. Aliás, havia
muitos judeus na Grécia. Tinham mesmo uma sinagoga em Atenas e outra em Argos,
segundo nos assegura Philon, mas a maior delas era mesmo a de Corinto.
É importante observar, neste ponto,
que a cidade estava predestinada à missão de criar e desenvolver influente e
dinâmico núcleo cristão, pois quando, num momento de passageira depressão,
Paulo parece algo desencantado com as possibilidades e perspectivas do
Cristianismo na Grécia, o próprio Cristo lhe transmite uma palavra inequívoca
de estímulo, como documentam os Atos (18:9 e 10):
- Não temas! - disse-lhe o Mestre,
numa visão - Continua a pregar e não te cales, porque estou contigo e ninguém
te porá a mão para fazer-te mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade.
Que significaria isto, senão que
haviam sido reunidos, naquele ponto, muitos que traziam na sua programação
espiritual o compromisso de prepararem-se para as tarefas da consolidação do
Cristianismo nascente?
Segundo Meinardus, Corinto era
bastante diferente de Atenas, no sentido de que não era uma cidade provinciana
grega, mas a capital de uma província romana, o que fazia enorme diferença. Sua
localização geográfica lhe assegurava condição privilegiada para transações
comerciais internacionais. Depois de destruída por Lucius Mummius, em 146 a.
C., foi reconstruída por Júlio César em 44, tornando-se conhecida então como Laus Julia Corinthiensis, onde gregos,
judeus e orientais se misturavam com os romanos colonialistas.
É fácil, pois, imaginar como em seu perímetro circulavam aventureiros de toda a
sorte e dinheiros de muitas nações.
- A viagem a Corinto - dizia um
provérbio da época, colhido por Estrabão de Amasia - não é para qualquer homem.
Muitos, pois, eram os que se perdiam
nos desatinos que nela se praticavam, o que Paulo deixa claramente expresso no
longo trecho da Primeira Epístola, versículos 9 a 20, do capítulo 6, e na
Segunda, capítulo 12, versículos 20 e 21, que termina assim:
- Temo que em minha próxima visita o
Senhor me humilhe por vossa causa e tenha de chorar por muitos que
anteriormente hajam pecado e não tenham feito penitência por seus atos de
impureza, fornicação e libertinagem.
Ao restaurar a cidade em 44, os
romanos levaram para lá seus deuses. E para eles construíram templos
imponentes, como o de Apoio, o qual, ainda nos tempos de Paulo, segundo
Meinardus, seria um dos monumentos marcantes do local.
A cidade controlava a rota marítima
que passa pelo estreito istmo que liga a Grécia Central à do Sul: o porto de
Lecaion, no Golfo de Corinto, de um lado, e o de Cencréia, no mar Egeu, do
outro. O atento leitor de Emmanuel há de lembrar-se que para Cencréia fugiu
Abigail, quando o seu mundo doméstico desmoronou com a morte do pai e a
escravização de
Jeziel, seu irmão.
No tempo de Paulo, os navios eram
retirados da água e arrastados por terra sobre roletes de madeira ou sobre
enormes carretas. Tanto Alexandre, o Grande, como Júlio César (aliás, o mesmo
Espirito em diferentes encarnações) e ainda Calígula, pensaram em rasgar
o utilíssimo canal que somente no século XIX foi possivel construir, sendo
ultimamente ampliado, creio que com novo traçado às condições da moderna
tecnologia das comunicações, pois levaram-nos a ve-lo.
Renan informa que, depois de
arrasada por Mummius, Corinto ficou um deserto durante cem anos, e assim
continuou até à reconstrução; e que o seu repovoamento trouxe tanta gente, e
tão heterogênea, que os coríntios "permaneceram
durante muito tempo estranhos à Grécia, que os olhava como intrusos".
Os espetáculos públicos, ainda no dizer de Renan, eram os jogos brutais dos
romanos, em lugar do elegante atletismo da tradição cultural grega. Era, pois,
uma cidade internacional, rica, movimentada, brilhante, nada típica da
civilização grega, na qual se incrustara.
- O traço dominante e que tornou o
seu nome proverbial - escreve Renan - era a extrema corrupção de costumes.
Isso contrastava fortemente com os
hábitos simples e joviais das demais cidades helênicas, e Paulo, portanto,
precisou enfrentar dificuldades consideráveis para manter o núcleo cristão de
Corinto ao abrigo da perniciosa influência daquela devassidão, transformada em
ritual religioso e favorecida por desmedida tolerância.
Quanto aos muitos judeus então
existentes, não poucos traziam já de Roma suas preferências pelo Cristianismo,
tanto que Suetônio, na sua "Vida de Claudius", escreve famosa
passagem dizendo que "sob a instigação de certo Crestos se estavam
tornando cada vez
mais turbulentos" e acabaram sendo banidos de Roma. Acrescenta Meinardus,
citado por Paulo Orósio, historiador
espanhol do século V, que a expulsão verificou-se no ano nono do reinado de
Claudius, isto é, entre janeiro de 49 e janeiro de 50. Esses, por certo, compunham
aquele grupo que o Cristo confiou ao ministério apostólico de Paulo,
estimulando-o a que prosseguisse destemidamente na pregação àquela sua gente
reunida .providencialmente pelas contingências da vida.
O autor de "St. Paul in
Greece" situa nesse período a chegada de Áquila e Prisca a Corinto.
Paulo ficaria Já durante um ano e
meio, e seus incansáveis pés devem ter percorrido muitos e muitos quilômetros
pelas redondezas. Mesmo hoje, por estradas asfaltadas, em ônibus velozes, a
viagem de Atenas a Corinto é longa. Vejo o Apóstolo a caminhar por aquelas
áridas e desoladas paragens em busca do coração e da inteligência dos gregos...
Seria, por certo, uma figura esquálida e maltratada, sustentada apenas pelo
ideal que mantinha acesa a chama sagrada da sua vontade férrea de servir ao
Cristo, segundo o compromisso
que assumira quando ainda emborcado na areia de Damasco, anos antes.
Roland Baiton, autor de "Here I
Stand", escreveu que, perguntado, certa vez, sobre a aparência que a seu
ver teria o Apóstolo, respondeu Lutero com um riso afetuoso:
- Acho que ele se parecia com um
camarão magricela, assim como Melanchthon.
Daniel Rops estima que Paulo haja
percorrido cerca de 20.000 quilômetros em 13 anos. E ele não sabe da viagem à
Espanha, que Emmanuel nos assegura! (Ver, a respeito, "A Igreja dos
Apóstolos e dos Mártires", Rops, Livraria Tavares Martins, Porto, 1960)
Dois ingleses ilustres - Malcolm
Muggeridge e Alec Vidler -, que decidiram refazer todo o percurso de Paulo pelo
mundo a fora, ficaram impressionados com a tremenda resistência física e moral
do valente servidor do Cristo. O livro deles, muito dialogado, é leitura
fascinante. Chama-se "Paul, Envoy Extraordinary" (edição Collins,
Londres, 1972). E, bem entendido, fizeram as conexões por avião, ônibus, automóvel
ou trem.
Foi em Corinto que se deu o, curioso
julgamento de Paulo pelo Proconsul Gálio, irmão de Sêneca, o famoso filósofo
romano (nascido, aliás, em Córdova, na Espanha). Conta Emmanuel que Gálio ouviu
os acusadores com um ouvido só, reservando o outro, que mantinha tampado com um
dedo, para a defesa. O sábio Proconsul não via crime algum no Apóstolo e a
sentença foi tão bem recebida que o povo deu uma surra em Sóstenes, o acusador,
à vista do próprio juiz, enquanto alguém de coração generoso recolheu Paulo
para dar-lhe proteção, depois de ter este interferido a favor do adversário.
Sem decidir a questão, Meinardus
informa que o julgamento de Paulo pode ter sido realizado junto à famosa bema,
que até hoje se acha defronte a ágora, como testemunha silenciosa e venerável
de muitos séculos de sublimes renúncias, de atrocidades e vandalismos
inomináveis. Há quem creia, porém, que o julgamento possa ter ocorrido num dos
templos locais.
Paulo nunca mais se esqueceria dos
seus amados coríntios. Visitou-os novamente mais tarde e para eles escreveu
duas das suas mais notáveis epístolas. O ensaio sobre a Caridade, constante do
capitulo 13 da Primeira, é, na opinião de Muggeridge, "uma das mais
encantadoras e maravilhosas coisas jamais escritas".
- Diria mesmo - prossegue ele,
adiante, no seu diálogo com Vidler - que esta é uma das mais sublimes
expressões de Paulo. Não acho que ele tenha jamais alcançado ponto tão elevado
quanto este.
Emmanuel nos diz que o guia
espiritual de Paulo era Estevão, incumbido da missão pelo próprio Jesus. Embora
Paulo, com a potência de seu gênio, pudesse perfeitamente ter produzido tão
elevada manifestação do pensamento, não seria desdouro para ele acreditar que
não era estranha a esse valiosíssimo documento a inspiração da antiga vítima,
designada como seu guia.
Comentando a admiração de
Muggeridge, Vidler declara não acreditar que Paulo tenha escrito tanto de um só
impulso, ditando tudo no calor do momento; ao contrário, deve ter meditado
maduramente sobre o texto sublime. Na verdade, porém, a inspiração me diúnica tem dessas
coisas, que saem perfeitas, a despeito de aparente improvisação. -
Seja como for, Corinto foi, sob
muitos aspectos, um teste para o Cristianismo nascente, Nela a doutrina de
Jesus confrontava o pensamento greco-romano, o entrechoque de muitas correntes
exóticas que para a sua área convergiam, a mistura de raças, crenças e
descrenças, o politeísmo, o ateísmo e a ortodoxia judaica. Tornou possível
demonstrar que, mesmo vivendo em meio à corrupção a mais desenfreada, os verdadeiros
cristãos podem sustentar-se na fé e na prática das simples, mas austeras
virtudes da ética do Evangelho do Cristo. Em Corinto se praticou a mediunidade
a serviço de Jesus e lá verificou-se que a mediunidade também pode
transviar-se, como os homens, ao embalo de paixões mal controladas.
Era por tudo isso que eu desejava
tanto ver Corinto, antiga principal cidade da Acaia, e assim se explicam as
fundas emoções que pude viver, enquanto à minha volta muitos turistas viam
apenas umas pedras envelhecidas e desarrumadas na luminosa e idílica paisagem
daquela primavera grega.
Justo onde pisaram os pés daqueles
desbravadores dos caminhos da luz, curvei-me para colher raminhos humildes de
camomila perfumada, porque assim podia disfarçar melhor as lágrimas, que não
desejava conter...
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